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Maria Ortiz - Por Nara Saletto

Construção da Escadaria Maria Ortiz, 1930

Maria Ortiz nasceu e viveu em Vitória, no período da União Ibérica (1580-1640), quando Portugal esteve subordinado à Coroa da Espanha. A união dos dois países ibéricos aproximou suas respectivas colônias, permitiu o intercâmbio entre elas, estimulando a presença de portugueses nas colônias espanholas e de espanhóis no Brasil. Nesse contexto se deu, em 1601, a emigração de Juan Ortiz y Ortiz e sua mulher, nascidos na Espanha, para o Espírito Santo. Dois anos depois nasceu sua filha Maria.

Embora a União Ibérica tenha tido alguns efeitos muito positivos para o Brasil, também criou sérios problemas, entre os quais a desarticulação do sistema de comercialização do açúcar brasileiro, apoiado numa parceria entre os mercadores portugueses, que tinham o monopólio do produto no Brasil, e os holandeses, que faziam sua distribuição no mercado europeu, participavam do transporte entre o Brasil e a Europa, e investiam capital na economia açucareira. Como Espanha e Holanda viveram num estado de permanente hostilidade, com períodos de guerra aberta, durante todo o tempo da União Ibérica, os reis da Espanha acabaram cortando as relações comerciais entre Portugal e os holandeses. A reação destes foi a criação da Companhia das índias Ocidentais, grande empresa comercial, com poder para estabelecer uma colônia no Brasil.

A primeira tentativa se deu contra a Bahia, que foi tomada em 1624. O Espírito Santo participou da luta para desalojar os invasores, enviando o único recurso que possuía em abundância: índios. Porém, alguns meses depois, em março de 1625, teve que mobilizar todas as suas forças para enfrentar o inimigo, pois Vitória foi atacada por uma esquadra holandesa de oito naus, comandada pelo almirante Piet Meyn. Essa esquadra retomava da África, onde tentara, sem sucesso, conquistar Angola, entreposto de venda de escravos para o Brasil. A armada ancorou na baía, preparando o ataque. O donatário da capitania, Francisco de Aguiar Coutinho organizou rapidamente a defesa; fez cavar trincheiras, mobilizou colonos e índios. Mas, quando os holandeses desembarcaram e atacaram a Vila, encontraram uma reação inesperada.

Maria Ortiz, então com 21 anos, morava num sobrado situado no alto de uma ladeira íngreme e estreita (atual escadaria Maria Ortiz) que constituía a principal via de acesso ao centro da vila, na Cidade Alta. Na sua base havia um pequeno cais, na atual rua Duque de Caxias.

“Do andar superior de sua casa, Maria Ortiz podia divisar toda a movimentação das embarcações que adentrassem o Canal de Vitória, além de testemunhar as entradas e saídas da vila, o burburinho dos cidadãos subindo e descendo a íngreme ladeira, e alcançar as vozes que ecoavam em ondas sucessivas para o alto, no momento dos embarques e desembarques, lá embaixo, no pequeno cais. "(Lázzaro, 1995, p. 29)

Pois a jovem Maria Ortiz, revelando notável capacidade de liderança, tomou a iniciativa de mobilizar pessoas do povo que não participavam das forças oficiais e organizar a resistência popular.

“Não é difícil, ainda hoje, imaginarmos o sentido e o frescor dessa mobilização popular, feita principalmente por uma jovem do povo. Não é difícil imaginarmos as frases ditas, ou sopradas, aqui e ali, que a tudo contagiavam, estimulando o espírito de luta de cidadãos comuns. Se apurarmos os sentidos, ainda ouviremos as frases entrecortadas, ecoando nas ruas estreitas e nos casarios geminados da antiga Vila de Vitória, nas alcovas, pátios e tabernas, envolvendo homens, mulheres e crianças, despertando- os da lentidão dos dias e dos anos, reativando-lhes o sentido de existência, diante da ameaça do jugo inimigo. "(Lázzaro, 1995, p. 30)

E assim, quando os holandeses enveredaram pela estreita ladeira foram atacados de surpresa por uma pequena força, comandada por uma mulher, postada nos sobrados e armada de água fervente, pedras, paus, brasas, barricas de dejetos ... Tudo isso desabou sobre os soldados, causando danos que certamente não seriam suficientes para detê-los, e muito menos expulsá-los, como diz a lenda, mas bastaram para que as forças oficiais tivessem tempo de se colocar em posição vantajosa para o combate. E enquanto este se travava, a jovem correu a incentivar a defesa, contagiando a todos com seu entusiasmo e sua coragem.

Sua atuação foi reconhecida oficialmente no relatório que o donatário enviou ao Govemador-Geral:

“(...) Na repulsa dos invasores audaciosos é de justiça destacar a atitude de uma jovem moça que astuciosamente retardou o acesso dos invasores à parte alta da Vila, por eles visada, permitindo assim, que organizássemos com os homens e elementos de que dispúnhamos, a defesa da sede. Essa jovem se tornou para nós um exemplo vivo de decisão, coragem e amor à terra. A ela devemos esse valioso serviço, sem o qual a nossa tarefa seria muito mais difícil e penosa. O seu entusiasmo decidido fez vibrar o dos próprios soldados, paisanos e populares na defesa e perseguição do invasor audaz e traiçoeiro. ” (Valle, 1971, p. 163)

Os holandeses foram rechaçados, mas tornaram a atacar, penetrando pela baía e visando as fazendas situadas às suas margens. Foram novamente derrotados, com a participação decisiva da armada que Salvador Correia de Sá levava do Rio de Janeiro para a Bahia e que chegou ao Espírito Santo naquele momento, mas causaram sérios prejuízos a engenhos e embarcações.

Nada mais sabemos sobre Maria Ortiz, exceto que morreu aos 43 anos, em maio de 1646, porém aquele episódio ficou fortemente gravado na memória capixaba. Sua protagonista tomou-se a heroína do Espírito Santo e, ao longo do tempo, foi transformada em legenda. Nada ficou da personagem real além daquele ato.

Quanto aos holandeses, foram expulsos da Bahia logo depois do ataque ao Espírito Santo, mas voltaram e saquearam a cidade dois anos depois, capturaram a “frota da prata” de 1628, que levava para a Espanha o metal do Peru, e, com os recursos obtidos nesses saques, prepararam uma poderosa armada que conquistou Pernambuco, região mais rica do Brasil, em 1630. Aí ficaram por 24 anos, realizando uma brilhante administração e conquistando quase todo o nordeste. Em 1640 voltaram a atacar Vitória e Vila Velha, mas foram outra vez rechaçados, depois de renhida luta, com muitos mortos e feridos, alguns incêndios e a perda de duas naus carregadas de açúcar.

 

Autora: Nara Saletto
Fonte: Donatários, Colonos, Índios e Jesuítas  - O Início da Colonização do Espírito Santo, 1998 (Coleção Canaã Volume 4 Arquivo Público Estadual Secretaria de Estado da Cultura e Esportes Governo do Estado do Espírito Santo)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2019

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