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Praia do Canto, seu crescimento - Por Sandra Aguiar

Praia do Canto - Monumento ao Ano Internacional da Paz

Shoppings em todos os cantos

No momento da explosão do mercado imobiliário, o local se expandindo em linha vertical, surgem os shoppings. O Centro da Praia, há 19 anos, depois o Praia Shopping e Boulevard da Praia. Apesar do entusiasmo que marcou os primeiros anos de funcionamento, com todas as lojas ocupadas e movimento crescente de consumidores, o impacto nas vendas veio com o Shopping Vitória, na Enseada do Suá.

Todos os três, concentrados no mesmo bairro, resistiram aos planos econômicos ao longo dos anos, mas perderam algo. No caso do Praia, por exemplo, tomou-se uma espécie de reduto de blocos carnavalescos, e o Centro da Praia perdeu apenas o título de principal shopping de Vitória para o do bairro vizinho. Com 63 lojas no térreo de um prédio com 164 salas, o estabelecimento conseguiu manter o movimento de forma um tanto quanto inusitada: através de atrações diversas na pequena pracinha situada entre butiques, lojas de calçados, de cine-foto-som e joalheria.

Ao contrário dos demais shoppings espalhados por toda a cidade, ganhou uma característica de bairro, como ponto de encontro de artistas, médicos, jornalistas, empresários, economistas, estudantes e políticos. Não somente pela programação de eventos — musicais, desfiles de moda, espetáculos de dança —, a pracinha tem vida. Tanto pela manhã quanto à noite, muitos passam por ali para tomar uma bebida quente no Café Tabaco ou um chope, nas lanchonetes Chopp Mania e Mister Lanches, ouvir música na Digital Disc, alheios ao barulho dos carros que trafegam na avenida lá fora.

Há os que digam que ali predomina a maior concentração de tribos por metro quadrado. Não à toa. "Clubes" formados em meio à brincadeira, como o de intelectuais que têm como rotina analisar e discutir obras de grandes filósofos em torno das mesas, persistem no encontro há anos e ganham novos adeptos — muitas causas. Cálculos feitos pelo síndico do shopping, Lauro Maranhão, dão conta de que circulam pelo local algo em torno de 2 mil pessoas diariamente. O consumo de café — num dos pontos — alcança a média de 400 xícaras por dia.

A maioria dos frequentadores argumenta que não há nenhum outro lugar que ofereça o mesmo aconchego. Além do mais, está num ponto estratégico, por onde passam em algum instante do dia ou da noite, com a certeza de encontrar algum conhecido para um bate-papo depois do trabalho, antes da volta para casa.

Quando se imaginava superado, o mercado reage, demonstrando fôlego para outros empreendimentos. Há três meses, quase em frente ao Centro da Praia, foi inaugurado o Tiffany Center segundo maior shopping de Vitória, com 92 lojas e 252 salas, distribuídas em duas torres de nove pavimentos. De acordo com dados do estabelecimento, circularam por lá 4.280 pessoas apenas nas duas primeiras semanas de funcionamento.

Públicos distintos, escolhas diferenciadas. O que não exclui a possibilidade de encontro em lugares como o Triângulo das Bermudas, maior concentração de bares e restaurantes, no cruzamento da Joaquim Lyrio com a João da Cruz. O nome nasceu num momento de brincadeira e inspiração do jornalista Ronaldo Nascimento, em referência ao local, no Atlântico Norte, onde teriam desaparecidos navios. Ou seja, um ponto de "perdição" dos notívagos.

Os pescadores Sizino e, em seguida, Dondon começaram a história, fritando peixe e camarão, preparando moquecas em suas casas humildes para os conhecidos de pescaria. De boca em boca, rapidamente a procura foi aumentando, eles ganharam a fama, até que, para dar conta da demanda, conseguiram transformar o prazer de cozinhar em negócio.

Dezenas de casas especializadas no prato típico do estado, a moqueca, surgiram na últimas três décadas. No entanto, os tradicionais prevaleceram, a exemplo do Sizino e do Pirão, tendo atraído gente de outros bairros, estados e países, principalmente no verão. Constam no roteiro dos turistas, como o Convento da Penha.

Tamanho o burburinho, que rendeu um novo evento no calendário da cidade, a Lavagem do Triângulo. Realizada pela primeira vez em 1994 pela Ondaluz, a festa contabilizou oito mil foliões e a cada ano arrastava, atrás de trios-elétricos, mais e mais gente. Fato que motivou a criação de um Carnaval fora de época em Vitória, a exemplo de outros municípios, o Vital, como forma de incrementar o fluxo turístico e elevar os números do comércio.

Este ano foram mais de 10 mil foliões, divididos entre os blocos Mukeka, Pica-Pau, Boka Loka e Nana Banana. Blocos na rua, como antigamente.

Em defesa do lugar

Barulho, falta de segurança, trânsito tumultuado e poluição do ar. Os problemas decorrentes do crescimento desordenado motivaram alguns moradores a criar uma associação do bairro em 1972. Nicanor Paiva, Lizandro Nicolet e João Linhares chegaram a realizar uma primeira reunião para formação da entidade, mas o movimento não foi à frente. Queriam esses homens preservar a característica residencial, conter o acelerado processo de comercialização do local onde viveram sua juventude e viram crescer os filhos.

Quase duas décadas depois, novos personagens se uniram com o objetivo de preservar a qualidade de vida da população e conseguiram fundar a Associação de Moradores da Praia do Canto (AMPC) — abrange Praia de Santa Helena e Barro Vermelho —, atualmente presidida por José Carlos Lyrio Rocha. E uma das mais antigas lutas da entidade é a revisão do Plano Diretor Urbano (PDU), com a finalidade de não permitir mais a expansão de atividades comerciais e de serviços no bairro, além das já classificadas.

Há poucos meses, a polêmica gerada pela construção de um apart-hotel de 31 andares no bairro trouxe novamente à tona a insatisfação dos moradores com o plano. Num documento, denominado Relatório de Impacto Urbano (RIU), foi constatado que o edifício agravaria ainda mais o tráfego na saída da Desembargador Santos Neves com a Saturnino de Brito. Sem contar o impacto visual que o prédio causaria na paisagem da orla de Vitória. Em função da reação negativa dos moradores, o projeto sofreu alteração: o número de pavimentos foi reduzido para 27 e a quantidade de vagas de estacionamento, aumentada, totalizando 228.

A preocupação com o surgimento de outros empreendimentos do gênero fez com que a associação criasse uma Comissão de Análise do PDU, cujos membros se reuniram pela primeira vez em agosto último. Para eles, a única solução é a mudança das normas do plano, que hoje torna legal a construção daquele apart-hotel, contra a vontade da população.

Este ano a Praia do Canto foi incluída no projeto Viva o Bairro, que prevê melhorias no ambiente urbano, considerando o uso de áreas públicas. São 20 intervenções previstas na primeira fase, como reordenação do tráfego, sinalização de trânsito, sistema de drenagem e recuperação de logradouros, tal e qual ocorreu no bairro de Bento Ferreira. De acordo com publicação da AMPC, o custo total do serviço está orçado em R$ 700 mil, R$ 80 mil dos quais serão destinados a paisagismo, R$ 420 mil com obras — redesenho de ruas, avenidas e calçadas — e R$ 200 mil, com melhoria na iluminação pública.

De acordo com outro projeto, chamado Orla, estão previstas obras também na Avenida Saturnino de Brito, para alargar a via, com vistas no incremento do tráfego a partir da construção de uma nova ponte de aço, em substituição à ponte de Camburi. Além disso, será feita urbanização do trecho que vai dessa ponte até a Rua Aleixo Neto — um aterro hidráulico, um calçadão, atracadouro para embarcações, quiosques e bar temático —, integrando a orla à região do Triângulo das Bermudas e ao novo shopping Point Plaza, shopping de alimentação, atrás do Supermercado São José.

Recente pesquisa realizada pelo Instituto Futura revela que o ponto forte do bairro é a limpeza pública. Num universo de 300 entrevistados, os moradores deram nota 8,42 para o serviço — de zero a 10. Foram destacados na consulta outros aspectos positivos: facilidades comerciais da região (54,33%), a tranquilidade (27%) e acesso (19%).

A insatisfação foi demonstrada no que diz respeito à falta de segurança (33,67%), embora o conceito da Polícia Interativa esteja em alta, pois 76% das pessoas responderam ter confiança nos policiais. Os entrevistados reprovaram, ainda, a situação do trânsito (27%) e a poluição do ar (nota 3,97).

Na parte da pesquisa voltada para os comerciantes, uma descoberta: 45% deles já sofreram algum tipo de violência no trabalho, principalmente assaltos. Tal e qual os moradores, a maior preocupação dos que têm negócios no local é com a falta de segurança. A diferença reside apenas num detalhe: o tal do homem-aranha assombra apenas os primeiros, pois prefere a aventura de escalar edifícios residenciais para praticar furtos.

O que será o amanhã?

No futuro, mais um bairro de "passagem" — e não de moradia? O que será da praia (comprida) convertida em canto de praia? O que será de toda a gente de lá, o destino é mudar? Apenas gente passando para algum outro lugar?

Perguntas sem respostas, para quem não é profeta. O tempo dirá. Mas imaginar, pode, como o desenhista do Novo Arrabalde o fez, pensando no dia de amanhã — sem tempo de conferir o resultado — em concreto. Ex-prefeito de Vitória (1970 a 1975) e morador do bairro há cerca de 40 anos, o engenheiro Chrisógono Teixeira da Cruz não vê grandes complicações, embora observe que há ainda muita coisa em processo de transformação.

"Me assustam um pouco as facilidades para a implantação do comércio em residências, dificultando a vida dos moradores. O problema do tráfego, de estacionamento, mas confio no trabalho sério da Prefeitura na parte urbanística", revela. Com saudade, ele fala de um tempo em que quase todas as pessoas se conheciam e era possível caminhar à noite sem preocupação com assalto. No entanto, observa que o fato acontece em todo o mundo, na era da robotização e, em consequência, do desemprego. Tudo mudou muito, não como reflexo do crescimento do bairro em si, na sua opinião, e sim de uma conjuntura social e econômica. Nostalgia à parte, Chrisógono tem uma vista privilegiada de sua residência: o mar, a entrada da baía, o convento, a ponte de acesso às ilhas. "É isso que ainda me prende aqui." Só muda o tom da conversa ao se lembrar do mundo de automóveis que invadem as ruas, de pessoas de outras localidades. "É a única coisa que me irrita. O comércio é necessário, mas em escala menor."

De fato, os últimos dados apurados sobre a Praia davam conta de que em 1996 existiam no bairro 2.211 pontos de comércio e serviço, 24 estabelecimentos de ensino, 8 para esporte e diversão, 41 garagens comerciais e 105 residenciais, 5.227 pontos de residência, 11 pontos de saúde, 5 templos religiosos e 90 áreas sem uso. Números um tanto quanto ultrapassados, mas mesmo assim já bastante elevados em relação a Praia do Suá, Pontal de Camburi, Parque Moscoso e Bairro República.

Feita a comparação em relação à população e domicílios da chamada Região V (Andorinhas, Barro Vermelho, Enseada do Suá, Ilha do Boi, Ilha do Frade, Praia do Suá, Santa Lúcia e Santa Luíza) de 1991 a 1996, a Praia do Canto também se destaca de forma significativa. De acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período, o número de domicílios cresceu de 4.132 para 9.088; e a população, de 6.402 para 12.980, com uma média de 2,62 pessoas por domicílio.

No ano passado, o bairro representou 6,21% do total de Imposto Sobre Serviços (ISS) arrecadado, o equivalente a R$ 3,1 milhões. E a tendência, de acordo com os técnicos do setor de planejamento da Prefeitura, é de manutenção desses valores, sujeitos a pequenas variações, podendo alcançar a margem de 7% do total da arrecadação.

Também ex-prefeito de Vitória, só que por dois mandatos (1967-1970 e 1975-1978), Setembrino Pelissari ressalta as vantagens desse comércio, lembrando que, se no passado os moradores eram obrigados a se locomover até o Centro, hoje podem contar com todo tipo de serviço. "É um bairro praticamente independente e autossuficiente em tudo."

Na Praia há 37 anos, ele enumera todos os problemas decorrentes do crescimento de habitantes e comerciantes. Apesar de tudo, ele revela que ainda gosta de estar ali, onde tem amigos e circula pelas ruas normalmente, não se deixa intimidar pela violência. "O bairro já foi bem melhor, mas ainda é bom de morar."

 

Fonte: Praia do Canto – Coleção Elmo Elton nº 4 – Projeto Adelpho Poli Monjardim, 2000 – Secretaria Municipal de Vitória, ES

Prefeito Municipal: Luiz Paulo Vellozo Lucas

Secretária de Cultura: Cláudia Cabral

Subsecretária de Cultura: Verônica Gomes

Diretor do Departamento de Cultura: Joca Simonetti

Administradora da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim: Lígia Mª Mello Nagato

Conselho Editorial: Adilson Vilaça, Condebaldes de Menezes Borges, Joca Simonetti, Elizete Terezinha Caser Rocha, Lígia Mª Mello Nagato e Lourdes Badke Ferreira

Editor: Adilson Vilaça

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Cristina Xavier

Revisão: Djalma Vazzoler

Impressão: Gráfica Santo Antônio

Texto: Sandra Aguiar

Fotos: Cláudia Pedrinha

Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2020

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