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O Caminhão na Curva

Gil Vellozo

Antonio Gil Vellozo morreu num acidente, dia 27 de fevereiro de 1966, vindo de Brasília para o Espírito Santo. Estava num Simca junto com os deputados Leopoldo Perez, do Amazonas, e Bivar Pinto, da Paraíba. O carro era dirigido pelo motorista José Fabrício de Oliveira Neto, em velocidade excessiva. Na altura do quilômetro 74 da Rodovia União e Indústria (RJ), o motorista tentou, numa curva, ultrapassar um Volkswagen verde. Em sentido oposto, vinha o carro pipa de placas 2-14-2741, da empresa Petrominas, dirigido por Waldomiro de Paula.

Na manobra de ultrapassagem, José Fabrício perdeu o controle do veículo, e o choque foi inevitável. O Simca bateu e capotou. O motorista do caminhão fugiu do local. O promotor público fluminense Danilo Rodrigues de Carvalho socorreu os acidentados, levando-os para o hospital Santa Tereza, em Petrópolis. Chegando ao hospital, Vellozo foi submetido a uma cirurgia de emergência e teve parte do baço removido. Foram oito dias e oito noites de luta, após os quais não resistiu. Quando pressentiu o desenlace, Vellozo ainda pediu a presença de um padre e se confessou.

Num depoimento, Carlos Lacerda falou sobre esses derradeiros momentos do amigo:

Tiraram-lhe o baço e tentaram recompor um braço estilhaçado. Depois a bronco-pneumonia, a traqueostomia, os remédios levados às pressas, inúteis. Na penúltima vez que o vi, ele queria falar e não podia. Depois, dizem-me, no seu delírio, ele esboçava discursos, falava em nós, repontava, nos pedaços de frase que tentava formar, a desilusão, não sei se diga, a amargura, porque este homem nunca foi amargo, a decepção com isso a que, por escárnio, ainda se dá o belo nome de revolução [1].

Para mantê-lo vivo, tentaram de tudo. O próprio Carlos Lacerda mandou vir dos Estados Unidos antibióticos moderníssimos, numa tentativa de recuperá-lo. Não houve jeito. Sua morte foi registrada pelos médicos num domingo, às 20h10m. O próprio Lacerda se prontificou a custear as despesas do sepultamento. Um voo especial da Cruzeiro do Sul trouxe o corpo de Gil Vellozo do Rio de Janeiro para Vitória. Segundo o jornal O Diário, de 1º de março de 1966, o avião pousou em Vitória “em meio à comoção coletiva do grande número de pessoas e autoridades que desde as 11 horas aguardavam o momento de tributar as suas últimas homenagens ao parlamentar”.

No avião da Cruzeiro, além dos familiares, estavam os senadores Eurico Rezende e Raul Giuberti, os deputados federais Raymundo Andrade, representando a Mesa Diretora da Câmara Federal, e Dulcino Monteiro de Castro. No aeroporto, esperavam o corpo o governador Rubens Rangel e secretários, além de deputados estaduais, federais, prefeitos, vereadores, políticos e populares em geral, vindos de vários municípios. Do aeroporto o corpo de Gil Vellozo foi para a Câmara Municipal de Vila Velha, onde foi velado.

 ÚLTIMAS HOMENAGENS

Imediatamente após sua morte, Gil Vellozo foi alvo de uma sequência de homenagens, a começar pelo Senado e Câmara Federal, onde, conforme o jornal Última Hora, de 9 de março de 1966, a homenagem foi uma “das mais expressivas até hoje vistas naquela Casa do Congresso. O período do Grande Expediente, que deveria terminar às 16 horas, foi prorrogado por hora e meia, quando se multiplicaram as palavras de elogio à memória do ex-representante capixaba”.

Sabidamente, Vellozo estava cheio de dívidas. Foi passada uma lista pelo Congresso e choveram doações de deputados e senadores para a família. O então deputado federal capixaba João Calmon comentou: “[...] nunca se vira, neste recinto, tanta espontaneidade num gesto solidário em torno de um colega com menos de três anos de convivência com a comunidade do legislativo federal” [2].  Calmon lamentou a morte prematura de Vellozo que, no seu entendimento, estava destinado a ser governador e senador. Ato contínuo, leu para o plenário um poema enviado pelo Padre Godinho:

                               Gil

Tinha medo dos céus.

Ícaro não era personagem do seu agrado.

Gostava das praias vestidas de rendas e da terra onde os pés nunca se

enganam.

Esguio e descarnado, parecia esses pássaros aquáticos, a que se tivesse

roubado as asas.

Era bom e humilde, por isso preferia ficar escondido à beira dos

caminhos, ainda que a poeira lhe sujasse os pés, ou os mornos pântanos

lhe causassem náusea.

As nuvens lhe davam vertigens, mas as mãos estavam sempre livres para

colher uma flor ou para um gesto, sempre inaugural, da amizade, que é 

pura dádiva, ou da compreensão, que nunca é transigência.

Tinha medo dos céus e não queria perder-se nos seus caminhos, onde as

estrelas brotam como flores e os coriscos acendem pirilampos nas nuvens

traiçoeiras.

A terra, que ele, amava escondeu a morte na curva florida de roxas

buganvílias.

O pássaro não tinha asas: não pôde fugir ao derradeiro obstáculo.

Seus olhos vendados pela estranha neblina, que prenuncia outros sóis, e

seus ouvidos enganados pela música das ferragens enlouquecidas viram,

de repente, as estrelas manchadas de sangue e ouviram a música

intemporal que só os humildes e os bons, os que se escondem à beira dos

caminhos, conseguem divisar para além de todos os sentidos.

Os céus, de que ele não gostava, roubaram-no da terra, que não soube cuidar

de quem a queria com puro ar de namorado. 

 

A Assembleia Legislativa e várias câmaras municipais prestaram homenagens ao falecido parlamentar. Na Câmara de Vila Velha, o vereador Moacyr Loureiro Pereira apresentou projeto batizando de Antônio Gil Vellozo a avenida litorânea da Praia da Costa. O projeto foi aprovado, e o nome foi dado ao maior ponto turístico de Vila Velha. Raramente os turistas que passeiam hoje pela Avenida sabem quem foi Antônio Gil Vellozo e por que seu nome está gravado na história política do município, do Estado e do País...



[1]  BRASIL. Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional. 9 mar. 1966.

[2]  BRASIL. Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional. 9 mar. 1966.

 

Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Antônio Gil Vellozo, 2013
Texto: Roberto Moscozo
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel/ 27-9864-3566 
Onde comprar o livro: Editora Pro Texto - E-mail: pro_texto@hotmail.com - fone: (27) 3225-9400

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