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A Consolidação do Processo da Independência no ES

São Mateus - Foto apenas ilustrativa da região - Fonte: FB - Memória Capixaba, Pirajá

A atitude das elites de São Mateus, recusando-se a aclamar D. Pedro Imperador do Brasil, explica-se em grande parte pela tradicional influência do governo baiano e, principalmente, pela dependência econômica do seu mercado, sobretudo para o setor de farinha de mandioca.

A influência política remonta a 1764, quando a Vila de São Mateus foi instalada pelo Ouvidor da Capitania de Porto Seguro, que, arbitrariamente, estendeu sua jurisdição até o Rio Doce. Naquela ocasião, esqueceu-se completamente do limite natural entre as duas capitanias, o Rio Mucuri, ao Norte daquela Vila. A integridade do Norte da Capitania só seria reconhecida pela Carta Régia de 29 de março de 1809 e, posteriormente, pelo aviso de José Bonifácio, de 10 de abril de 1823. De qualquer maneira, porém, pesavam na economia mateense as "exportações" para a Bahia. Seu movimento comercial fazia-se com muito mais frequência para aquela Província.

Jurada a Independência, as atenções da Província do Espírito Santo concentrar-se-ão em São Mateus. A produção da farinha de mandioca era importante para o abastecimento das forças do General Madeira.

De imediato pensou-se em enviar tropas que obrigassem a Vila a prestar submissão ao Imperador. Esta decisão, no entanto, teve que ser retardada em virtude da carência de recursos do Espírito Santo. (39)

Chegados os reforços, partiu para o Norte uma lancha e um pequeno navio. Visava-se o apoio à Vila de Caravelas (BA), que havia aderido ao Espírito Santo, e daí marchar contra São Mateus. Simultaneamente, seguiu por terra outra força na mesma direção.

A esperada luta, porém, transformou-se em confraternização com a presença das tropas de Vitória. A Vila de São Mateus que se opusera a D. Pedro, encaminhando pela Junta baiana seu "Parecer sobre as delegações do Poder Executivo", preferiu aclamá-lo Imperador do Brasil. (40) (anexo VIII)

Estabelecida a "devassa", para apuração das responsabilidades, resultou a prisão do Capitão-Mor de Ordenanças, o português Domingos Gomes de Amorim, sob a acusação "de se opor obstinadamente", com outros indivíduos, à Aclamação e ainda armar embarcações de mantimentos destinados à Bahia, em adesão à causa de Madeira.

Desse episódio, no entanto, nada ficou comprovado. Das várias testemunhas arroladas no processo, apenas uma depôs na acusação do referido Capitão-Mor, sendo invalidada. "Acusava por ouvir dizer", como outros denunciadores que pré-julgavam, acreditando "na oposição de todos os portugueses à independência". (41) Curioso, porém, é que, ainda em maio de 1823, na barra da cidade de Salvador, Lord Cochranc, almirante a serviço da Independência, aprisionava "navios" mercantes, com mantimentos para as forças portuguesas, oriundos da Vila de São Mateus. (42) (anexo IX)

Entrementes, em conformidade ao Decreto de 11 de dezembro de 1822, as embarcações oriundas de Portugal que aportavam em Vitória eram sequestradas. (43)

Sitiadas na Bahia, com os víveres escasseando, as forças de Madeira começam a praticar atos extremos para sua obtenção. Inicialmente na própria Bahia, onde uma lancha e uma sumaca atacaram a Vila de Prado, prenderam as autoridades e saquearam os armazéns. A tropa capixaba que de São Mateus marchava para Caravelas (BA) contra-atacou os assaltantes, aprisionando uma embarcação. (44)

Era o desespero que já se apossava dos opositores da Independência do Brasil. Disso se aproveitavam os espírito-santenses que, além das baixas causadas aos adversários, municiavam-se com as armas e explosivos tomados aos inimigos, para melhor resistir aos ataques de grandes proporções que, esperavam, fossem desencadeados a qualquer momento.

Em Vitória, continuavam circulando as mais diversas e contraditórias notícias da frente de oposição portuguesa, mas eram retransmitidas imediatamente ao Rio de Janeiro. Por uma embarcação que viera de Porto Seguro, por exemplo, veiculou-se que o General Labatut, um dos principais comandantes, mercenário a serviço da Independência, encontrava-se detido na Vila de Cachoeira (BA), acusado de trair o exército nacional. (45) Instalou-se, portanto, uma verdadeira "fábrica" de boatos com vista a confundir as forças fiéis a D. Pedro. Por isso, criou-se, em São Mateus, uma companhia de infantaria de segunda linha, "afim de obstar certas tramas do governo ilegal da Bahia, e ideias perniciosas que ali alguns especuladores derramavam". (46) Paralelamente, novos contingentes seguiam para o Rio de Janeiro para engrossar outras unidades militares, ante a perspectiva de prosseguimento da luta armada.

A resistência de Madeira, porém, chegara ao fim. Sem condições para manutenção de sua posição, evacua a tropa portuguesa a 2 de julho de 1923. Logo em seguida, a 24 do mesmo mês, o Espírito Santo reatava relações amistosas com a Bahia. (47)

Finalmente começava a despontar a liberdade política da Nação. Sua consolidação a nível internacional, porém, desenvolver-se-ia ao âmbito dos interesses das grandes potências.

 

 Independência: Solução monárquica.

 

A liderança dos acontecimentos embora adotasse, em 1822, a solução monárquica, isto é, o estratagema de continuidade da família real portuguesa, que "oferecia a garantia de uma revolução de cima para baixo", dispensando a mobilização da grande massa popular, tinha a oposição dos que sonhavam com um regime republicano à semelhança dos demais países da América. (48)

José Bonifácio, que via no republicanismo um inimigo natural dos interesses do seu grupo, decreta a instauração de devassas para apurar, também no Espírito Santo, a existência de sectários do "pestífero partido republicano". (49) Nada de positivo foi apurado nas vilas do Espírito Santo, apenas apurou-se boatos de republicanos em Benevente (Anchieta). (50)

A Independência, realizada pelas categorias dominantes da sociedade, fez-se sem que a estrutura econômica, social e política do Brasil fosse fundamentalmente modificada: manteve-se a "vocação agrícola" brasileira e a produção baseada no trabalho escravizado; as categorias dominantes mantiveram-se como representantes da sociedade junto ao poder monárquico (monarquia constitucional na qual apenas as categorias dominantes seriam representativas e continuariam a defender seus interesses). (51)

As lideranças dos acontecimentos que se bateram por um governo liberal, incoerentemente, por interesses econômicos, cerceavam a liberdade da grande massa negra escrava. No exato momento convulso dos acontecimentos separatistas, por exemplo, era rechaçado um levante de escravos a alguns quilômetros de Vitória, no Distrito da Serra (52)

Tinha a Serra, naquela ocasião, uma população aproximada de mil habitantes. Sua economia dinâmica, a agricultura, só poderia ser mantida pela força de trabalho maciçamente negra escrava, imprescindível, portanto, aos senhores de terras. (53)

Maior repressão, contudo, se daria no ano seguinte, em São Mateus, em movimento de resultados brutais e cruentos. Ali, em diferentes pontos da Vila, quatro cabeças de escravos, espetadas em estacas, serviam de exemplo àqueles que buscassem o direito à liberdade, aproveitando o momento das convulsões políticas. (54)

Às minorias sociais estava longe a emancipação. Os índios, tachados oficialmente de vagabundos, ladrões e irresponsáveis, sugeriu-se enviá-los para cidades distantes e de maior população, selecionados para trabalhos forçados em arsenais ou obras públicas ou até mesmo para particulares. (55)

 

39. AN. RJ. Ofício de Pires e outros a Luís Pereira Nóbrega de Souza Coutinho. Vitória, 23 de outubro de 1822. SPE. IJJ9 357 fl. 196.

40. AN. RJ. Ofício de Pires e outros a José Bonifácio. Vitória, 20 de março de 1823. SPE. IJJ9, fl. 235.

41. AN. RJ. Oficio de Pires e outros a João Vieira de Carvalho. Vitória, 23 de abril de 1823. SPE. IJJ9 357 fl. 251.

42. ARMITAGE, op. cit. p. 47.

43. APE. ES; Ofício de Susano e outros a José Bonifácio. Vitória; 15 de janeiro de 1823. Registro, Op. cit. fl. 35.

44. APE. ES. Ofício de Pires e outros a José Bonifácio. Vitória, 1 de fevereiro de 1823. Id. fl. 36.

Na Vila de Caravelas, a tropa capixaba ainda teria a oportunidade de aprisionar uma outra embarcação, bem artilhada, que ali viera ter, utilizando-se de uma bandeira dos Estados Unidos, como estratagema e simulando escala na Província da Paraíba para aquisição de mantimentos para as tropas de Madeira.

45. AN. RJ. Ofício de Pires a José Bonifácio Vitória, 23 de junho de 1823. IJJ9. IMO s/n.

46. DAEMON, op. cit. p. 266.

47. AN. RJ. Pires a José Joaquim Carneiro Campos. Vitória, 1 de moro de 1823. SPE. IJJ9 11. (ilegível).

48. COSTA, op. cit. p. 122-123.

49. APE. ES. Ofício de Pires a José Bonifácio. Vitória, 12 de dezembro de 1822. Registro, op. cit. 11. 32-33.

50. DAEMON, op. cit. p. 263.

51. CAVALCANTE, Z. — "O processo de Independência na Bahia” In: MOTA. op. cit. p. 249.

52. Aproveitando-se, talvez, do clima de reivindicações que atingiu ao Espírito Santo, um escravo de nome Antônio teria espalhado a notícia “para que todos de sua condição dos distritos circunvizinhos fossem assistir à publicação da libertação". A proclamação da aspirada liberdade teria lugar na ocasião da missa, na igreja local, para onde convergiu grande número da população escrava, assustando aos donos de terras. Isentando-se, posteriormente da origem da notícia, que lhe era atribuída, exortou o Vigário aos cativos para que voltassem aos seus senhores, o que afinal aconteceu, não sem antes colocar a população local em polvorosa, ante a ameaça de rebelião armada.

APE. ES. Ofício de Luís da Fraga Loureiro à Junta Provisória de Governo do Espírito Santo. Serra, 22 de maio de 1822. Registro, op. cit. fl. no (ilegível).

53. SAINT-HILAIRE. op. cit. p. 61.

54. AN. RJ. Ofício de João Antônio Lisboa a Fernando Teles da Silva São Mateus, 19 de abril de 1823. SPE. IJJ9. fl. 254.

55. AN. RJ. Pires a José Bonifácio. Vitória, 2 de maio de 1823. SPE. IJJ9 357 fl. 255.

 

Anexo VIII

 

"A Junta Provisória de Governo da Província do Espírito Santo tem a honra de participar a V. Exa. que tendo a Vila de São Mateus aderido a este Governo no dia vinte dois de janeiro do corrente quando auxiliado pela Tropa desta Província aclamou a Sua Majestade o Senhor D. Pedro Imperador do Brasil, é agora chamada pelo Conselho da Vila da Cachoeira para mandar a ti seus Deputados o que a mesma Câmara duvida cumprir por se achar feita ata celebrada naquele dia vinte dois de janeiro sujeita a esta Província até que Sua Majestade Imperial resolva o que houver por bem.

Este Governo tem a honra de rogar a V. Exa. queira levar esse negócio ao conhecimento de Sua Majestade Imperial para mandar declarar-se com efeito aquela Câmara deverá ou não mandar Deputados à Vila de Cachoeira.

Deus guarde a V. Exa. muitos anos. Vila da Vitória 20 de março de 1823.

Ilmo. e Exmo. Sr. José Bonifácio de Andrada e Silva

José Nunes da Silva Pires, Luiz da Silva Alves d'Azambuja Susano, José Ribeiro Pinto e Sebastião Vieira Machado".

(AN. R.J. SPE IJJ9 fl. 235)

 

Anexo IX

 

"Lord Cochrane chegou ao Rio de Janeiro em 21 de março de 1823, com alguns oficiais em um brigue, denominado depois Bahia, e arvorou imediatamente o seu pavilhão de Primeiro Almirante do Brasil a bordo da nau Pedro Primeiro. No dia 29 do mesmo mês declarou-se o Porto da Bahia em estado de bloqueio. Felizmente chegaram da Inglaterra pelo mesmo tempo alguns oficiais e marinheiros no navio mercantil Lindsay; o que habilitou Lord Cochrane a sair no dia 3 de abril seguinte, com uma divisão composta dos seguintes vasos: Pedro Primeiro, montando 74 peças; Piranga, 46; Maria da Glória, 32; Liberal, 22; e mais dois burlotes, ficando no porto para seguirem, logo que se aprontassem, a Paraguassu de 42 peças, e Niterói de 36. Esta reuniu-se em 29 de abril à divisão, que avistou a Bahia no 19 de maio, e a 4 a divisão portuguesa formada em linha de batalha. Consistia esta divisão de uma nau, duas fragatas, dois transportes armados como fragatas, dois brigues e dois vasos menores. Era grande a desproporção das forças, contudo Lord Cochrane mareou sobre a divisão portuguesa, rompeu sua linha, e a ação tornou-se por algum tempo geral; mas ocorreu uma circunstância que obrigou ao Lord a virar de bordo com os seus navios, que foram seguidos pelas fragatas inimigas Constituição e Pérola. Dois artilheiros, filhos de Portugal, incumbidos de dar os cartuchos haviam-se embriagados, e tratando de os remover, ameaçaram incendiar o paiol de pólvora; o que, como era natural, produziu grande confusão. O Lord também observou que o fogo da nau D. Pedro era muito mal dirigido por falta de perícia da tripulação. Só havia a bordo cento e setenta marinheiros ingleses, consistindo o resto da equipagem em uma multidão de vagabundos apanhados nas ruas do Rio de Janeiro, e em cento e trinta artilheiros pretos, de um corpo formado ultimamente de libertos. Nestas circunstâncias, julgou o Almirante mais acertado retirar-se e adotar novas medidas para melhor executar as ordens que havia recebido, concebidas nos termos geralmente emitidos em tempo de guerra, de tomar, meter a pique, queimar e destruir. Seguiu para o morro de São Pedro, pequeno porto a trinta milhas ao sul da Bahia, e ali fez passar os oficiais e marinheiros ingleses de toda divisão para bordo da nau Pedro Primeiro, e deixou os mais navios, com exceção da Corveta Maria da Glória ancorados. A nau e esta corveta, felizmente para o Brasil, eram muito bons navios de vela, e sustentaram o bloqueio com tanta vigilância, que conseguiram evitar quase completamente introdução de víveres na cidade; e isto na presença de um inimigo infinitamente superior, em uma estação chuvosa, e estando a marinhagem mal provida de mantimentos. Os portugueses diligenciavam fornecerem-se com farinha de mandioca, mandando sumacas a São Mateus na Província do Espírito Santo, das quais rara era a que escapava: mais de doze foram capturadas por Lord Cochrane."

ARMITAGE, op. cit. P. 47

 

 

Fonte: Espírito Santo - Alguns Aspectos da Independência 1820/1824 - 2ª Edição - Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo,1985
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2022

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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