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A influência do esporte na vida do ser humano - Vitor Buaiz

Time de Futebol de Salão do Saldanha, anos de 1960

Ao ser convidado para escrever um depoimento sobre esporte na publicação Escritos de Vitória, senti-me extremamente privilegiado em ter de voltar no tempo, rebuscando na memória momentos felizes de toda uma geração. Os nomes dos amigos passam pela mente num turbilhão de ideias e imagens em preto e branco e em cores. O esporte sempre fez parte da minha vida, influenciando diretamente nas relações fraternas com centenas de pessoas, na saúde, na formação do caráter e na disciplina de vida.

Vou falar de uma época em que os dias eram mais longos, as ruas, mais tranquilas, quase silenciosas, as brincadeiras de crianças, mais ingênuas, as relações humanas, mais próximas. Cadeiras nas calçadas, à noite, a Via Láctea visível, luzes discretas nos postes, sem o tilintar de telefones nem o som estridente do trânsito e da TV. O mundo das pessoas se completava na sua própria rua. O infinito era ali no horizonte da praia. Havia uma perfeita integração entre Homem e natureza. Poluição, violência, tráfico de drogas ou de influências eram palavras de dicionário.

Desde a infância na Rua Pedro Palácios, onde nasci, a bola começou a fazer parte do meu cotidiano. As aulas de ginástica na Escola Brasileira, as crianças apostando corrida no parquezinho ao lado do Palácio, tudo isto marcou bastante a minha personalidade.

A turma da Francisco Araújo

Na década de 50, formaram-se pelo menos três grupos de jovens no Centro de Vitória: as chamadas turmas da Francisco Araújo, do Parque Moscoso e da Prefeitura, naquela ocasião, localizada na rua Sete. Jogávamos pelada na Praça da Catedral, onde hoje fica a sede da Embratel, ao lado do Centro de Saúde e também na nossa própria rua. Vez por outra aparecia o carro da Rádio Patrulha e a turma saía correndo, às vezes esquecendo da bola. Como o pai de Afonso Queiróz do Valle — Dr. Etereldes — era chefe de Polícia, íamos à Chefatura para recuperar a "pelota" que acabava sendo escolhida dentre as melhores que havia numa grande sala.

Na Francisco Araújo era comum haver brigas, na maioria das vezes provocadas quando algum garoto chamava Lauro Lima pelo apelido ("Sarué"). Na mesma hora ele se atracava com o garoto e só soltava quando sua mãe saía de casa, gritando: "Lauro, meu filho, para com essa briga, você pode se machucar!"

A pelada acabava no final da tarde quando seu Chafik Murad, na volta do seu comércio, passava de carro — um dos poucos que havia na cidade — e dizia: "Marcos, vamos pra casa, eu não disse que não quero você jogando bola na rua com esses moleques?" Paulo "Urubu" (P. Lyrio) e Djalminha Garcia eram craques em fazer "embaixadas", disputando para ver quem mantinha a bola no ar durante mais tempo. Estes jogos ajudaram a consolidar amizades que duram até hoje.

Da turma da Rua Sete nasceu um dos melhores times de futebol de salão da década: o Fluminensinho, dirigido com muita competência por Baianinho e Marcelo Dessaune, enquanto a turma do Parque Moscoso ofereceu bons atletas para o Clube de Regatas e Natação Álvares Cabral. Posteriormente, o bairro de Jucutuquara gerou verdadeiros craques do futebol amador e profissional, com destaque maior para Fontana, um dos primeiros capixabas convocados para a Seleção Brasileira.

Colégio Estadual (UAGES) — Clube de Regatas Saldanha da Gama

As aulas semanais de Educação Física, apesar de obrigatórias, eram pouco frequentadas. O Prof. Edgar tinha dificuldades de convencer alunos como Vasco Alves, Pedro Jantorno (vulgo Pedro Baleia) e outros, da importância do exercício físico para a saúde. A maioria gostava mesmo era dos jogos entre a UAGES e o Colégio Salesiano, bastante disputados, de onde saíam craques nas diversas modalidades para o esporte amador capixaba.

Em 1957, meu pai — José Salim Buaiz — me levou até o Saldanha, onde fomos recepcionados por Alberto Sarlo, Cid Dessaune e Alfredo Morgado Horta, três dos maiores entusiastas das cores alvi-rubras. Tirei minha carteira de sócio-atleta — que guardo até hoje — e fui apresentado ao técnico de futebol de salão, Victor Sarlo. Comecei jogando como goleiro ao lado de Paulo Magalhães, Zé Esteves, Cacau Penedo e Bicão.

Estes formavam também a equipe tetracampeã juvenil de futebol do Vitória F.C., juntamente com Tovar, Marcos Abaurre, Rubens Bianco, Marcos Drews, sob a batuta do técnico Rubens Monjardim.

Na época, a quadra do Saldanha era apertadinha, no local onde hoje está a piscina. A torcida se comprimia numa pequena arquibancada e na varanda do clube. Praia Tênis Clube, Álvares Cabral e Fluminensinho eram os adversários mais ferrenhos.

Dali até a garagem de remo foi um pulo. Comecei a conviver com grandes atletas como Mussum, Caranguejo, Alfredão, Quiabo, Oswaldo Viola, Nelson Cabeleira, Cobra d' Água, Asdrúbal, enquanto do lado do Álvares Cabral despontavam Harry e Arruela, bi-campeões sul-americanos no "dois com patrão", tendo Chiquito como técnico.

As regatas na baía de Vitória sempre foram muito concorridas. Chegava cedinho para o treino e, desde aquela época, o que mais me atraía não era o mingau servido na garagem, mas o passeio pelo manguezal ainda virgem de Aribiri, atrás do Penedo, com o sol nascendo. Em certos dias era uma verdadeira pescaria, tal a quantidade de peixes que pulava para dentro do barco. A poluição ainda era inexistente. Botos e tainhas conviviam harmonicamente, enquanto gaivotas mergulhavam nas águas claras em busca do alimento. É bem verdade que, vez por outra, manchas de óleo dos navios que iam para o porto surgiam na superfície, mas nada que preocupasse.

Recentemente, remadores das Universidades de Oxford e Cambridge que vieram a Vitória disputar um páreo de "outrigger a oito" mostraram-se surpresos com o grau de poluição na nossa baía. Entretanto, isto não é privilégio do Espírito Santo. Leio nos jornais do rio que a dupla de brasileiros que liderava a Primeira Regata Internacional de Iatismo, na baía de Guanabara, foi atrapalhada na última volta por um saco de lixo que se prendeu à quilha do barco, perdendo assim o primeiro lugar.

Os veteranos costumavam incentivar bastante os principiantes, mesmo quando perdiam um páreo na regata. O ambiente na garagem era sempre de muita euforia. No início tinha a sensação de que os músculos dos braços iam crescendo dia a dia, quase não cabendo nas mangas da camisa. Quando os remadores saíam em grupo, para a praia ou para as festas, sentiam-se super-homens, lançando para os outros garotos um olhar de superioridade e para as meninas um ar de conquistador.

Lembro que, em 1960, saía de casa, na Cidade Alta, às cinco da manhã. Ia a pé pelo aterro da Avenida Beira-mar. Não havia viv’alma nas ruas. Enquanto caminhava, apreciava a beleza do mar, os navios nos cais de minério de Paul, o "Péla-macaco". O silêncio era absoluto. Conversando comigo mesmo, não pensava ainda no futuro distante. Concentrava-me nos treinamentos e nos estudos. Jamais imaginei as profundas transformações da nossa cidade-presépio, do Brasil e da própria humanidade. Olhando para os canhões do clube do Forte São João, lembrava das aulas de História do Prof. Nelson Abel de Almeida sobre as invasões holandesas. Absorto nos pensamentos, chegava à garagem, onde tinha de acordar os mais preguiçosos.

Já frequentando o curso de Medicina, em 1962, às vezes chegava atrasado às aulas de Anatomia do Dr. Carneiro e a turma sempre fazia gozação. Ainda bem que não era o único. Tinha o Ernesto Santos e o Carlos Augusto Barros, também remadores. Mas a turma era sempre solidária, principalmente quando aparecíamos com a medalha da vitória. Infelizmente, quando começou o curso de Clínica Médica, tivemos que, literalmente, "abandonar o barco". Para surpresa geral, em 1972, já médico formado, não resisti a um jejum tão prolongado, e voltei à raia, agora como veterano. Como diziam Jayme Navarro de Carvalho e o nosso "patrão", Moacyr: "Garagem de remo é um vício, igual cachaça; difícil largar de vez."

Para mim, até hoje, o remo continua sendo o esporte mais completo, principalmente para o jovem, pois o obriga a ter um ritmo de vida mais controlado, dormir e acordar cedo, evitar o álcool e as outras drogas, além de ajudar no fortalecimento de toda a musculatura do corpo, aumentando a capacidade cardiorrespiratória. Perguntem ao Dr. Luciano Rezende, que nunca me deixa mentir, pois é expert em Medicina Esportiva e também remador.

Esporte Universitário

Quando entrei na Faculdade de Medicina, em 1962, já conhecia o importante trabalho desenvolvido pela FUEC — Federação Universitária de Esportes Capixaba. Dois anos antes, nossa capital havia recebido atletas de grande envergadura para os Jogos Universitários Leste-Sul. Foi uma verdadeira festa de confraternização. Disputas do mais alto nível técnico.

Integrar os universitários através do esporte, este era o principal papel da FUEC, que continua até hoje. A maior torcida feminina comparecia às quadras quando a Medicina jogava com a Engenharia. Os atletas eram quase os mesmos dos tempos do Ginásio, sendo que ali a responsabilidade era muito maior, pois estávamos nos preparando para o exercício de uma profissão.

Depois que saímos da Faculdade, sentimos a necessidade de manter a forma física e também técnica. Isto nos levou à criação do Ouriço Clube, onde praticávamos futebol "soçaite". Regado a chope, a exemplo de outros clubes, instalados na estrada de Jacaraípe, como o Camará e o Carcará, frequentados pelos "coroas". Todos eram médicos do Hospital das Clínicas. Como havia especialistas de várias áreas, principalmente ortopedistas e radiologistas, o atendimento às eventuais contusões e fraturas era imediato.

Esporte Escolar — Lei "Jayme Navarro de Carvalho"

Logo que assumi a Prefeitura de Vitória, fui convidado para assistir à abertura dos JEMVI — Jogos Escolares Municipais. Fiquei surpreso durante o desfile das equipes, ao ver que, pelo aspecto físico das crianças, era possível saber a localização da escola. A pele seca e cinzenta, às vezes com manchas pelagróides, a musculatura hipotrófica e o olhar tristonho, sinais de subnutrição, indicavam que aquelas crianças moravam num bairro pobre da periferia da cidade. Este fato me chocou profundamente. Reorientando a alimentação na merenda escolar, investindo em saneamento básico para melhorar a qualidade de vida dessa população mais necessitada, foi possível mudar o quadro. Quatro anos depois, havia mais alegria nas quadras de esportes. O resultado, a médio prazo, certamente será não só a evolução no aprendizado escolar, como a descoberta de futuros campeões, que subirão ao "podium", sob os aplausos da família e da comunidade.

Os módulos de orientação ao exercício, instalados na praia de Camburi e no Parque Tancredão, incentivaram a população a um exame médico preventivo e deram mais segurança e estímulo à prática esportiva.

No que diz respeito ao esporte amador, a Lei Jayme Navarro de Carvalho trouxe a sua redenção, adotando atletas e patrocinando eventos, nacionais e internacionais, segundo o calendário anual de cada Federação.

O circuito de rua da Fórmula Ford atraiu a atenção de todo o país para a nossa capital, graças à visão futurista de Carlos e Julita Barros. Mais de setenta mil pessoas assistiam à corrida, sendo 30% visitantes, sem falar na transmissão, via TV, para todo o Brasil.

A presença de atletas de renome internacional, em eventos das mais variadas modalidades esportivas, ajudou muito a mudar o astral dos capixabas. A cidade quatro centenária rejuvenesceu.

Todas estas atividades na área do esporte foram ampliadas e aperfeiçoadas pela PMV, nos últimos três anos.

Os ideais de toda uma geração se forjavam nas quadras, nos campos e nas pistas de atletismo. Época em que Vitória ainda era uma cidade pacata, em que todos se conheciam e se respeitavam, em que a televisão ainda não tinha uma influência tão grande nos costumes e valores, em que a violência era mais marcante nas telas dos cinemas e não na realidade do dia-a-dia.

Hoje, ao vermos aqueles velhos companheiros ocupando cargos públicos ou dirigindo empresas, sentimos a importância da prática esportiva na nossa formação integral e na preservação da saúde física e mental.

"Mens sana in corpore sano." A atividade física deve ter continuidade, principalmente com o passar dos anos. A vida sedentária, acrescida de vícios como fumo e álcool, traz consequências danosas para muitos, demonstrando desrespeito ao próprio corpo.

Diabetes, hipertensão arterial, doenças cardiorrespiratórias podem ser controladas simplesmente com uma caminhada diária e uma alimentação equilibrada.

Poderíamos escrever muitas outras histórias sobre o esporte capixaba neste breve depoimento, citando centenas de personagens marcantes na vida do nosso Espírito Santo, mas tanto a exiguidade de espaço e de tempo, quanto a paciência do leitor e os objetivos desta publicação, me exigem que chegue ao final. Quem sabe, em outra ocasião, possamos continuar registrando bons momentos do esporte capixaba e estimulando outros a fazê-lo.

 

ESCRITOS DE VITÓRIA — Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.

Prefeito Municipal - Paulo Hartung

Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar

Diretor do Departamento de Cultura - Rogerio Borges De Oliveira

Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici

Conselho Editorial - Álvaro Jose Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco

Bibliotecárias - Lígia Maria Mello Nagato, Elizete Terezinha Caser Rocha, Lourdes Badke Ferreira

Revisão - Reinaldo Santos Neves, Miguel Marvilla

Capa - Remadores do barco Oito do Álvares Cabral, comemorando a vitória Baía de Vitória - 1992 Foto: Chico Guedes

Editoração - Eletrônica Edson Malfez Heringer

Impressão - Gráfica Ita

Fonte: Escritos de Vitória, nº 13 – Esportes- Prefeitura Municipal de Vitória e Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996

Autor: Vitor Buaiz

Nascido em Vitória (ES)

Médico e Governador do Estado do Espírito Santo.

Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2020

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