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A Produção de Lideranças em Vitória – Por João Gualberto

Vitória é uma cidade com grande capacidade de renovar suas elites. Para começar nosso argumento pelas elites políticas lembremos que o prefeito eleito em 1988 foi Vitor Buaiz, filiado ao Partido dos Trabalhadores e posteriormente eleito governador do estado, exatamente pelo prestígio acumulado como prefeito da capital. Mais do que um simples filiado ao PT, Vitor Buaiz foi um dos fundadores do seu partido no Espírito Santo. Antes de se lançar à vida pública através dos votos, foi presidente do Sindicato dos Médicos do Espírito Santo e um dos fundadores da CUT.

O prefeito que sucedeu a Vitor Buaiz foi Paulo Hartung. Paulo iniciou sua vida política filiado ao Partido Comunista e como importante liderança entre os estudantes universitários. Como estudante de Economia na Universidade Federal do Espírito Santo, foi um dos que resgataram o DCE — Diretório Central dos Estudantes, que estava fechado desde o início da década de 70 em função do arbítrio implantado pelo regime militar. No fim da mesma década de 70, Paulo Hartung associou-se a um grupo de jovens idealistas para levantar uma importante instância democrática na vida da comunidade.

Estes talvez sejam os dois maiores exemplos de que nossa cidade tem uma enorme capacidade de criar novas lideranças, mas não são certamente as únicas. Basta que tomemos a composição da Câmara Municipal de Vitória para que vejamos que existem dentro dela sinais do mesmo movimento modernizante que gerou nossos últimos dois prefeitos. Nela existem, é bem verdade, representantes do nosso velho clientelismo político, da mais que superada política de favores. Mas, junto com esses representantes do arcaico, existem aqueles que representam a face mais moderna de nossa vida social. Existem aqueles que também são egressos dos movimentos de contestação ao regime militar dentro e fora dos muros da Universidade. Existem aqueles que têm forte relação com o movimento sindical ou com outros movimentos sociais importantes na construção da cidadania.

A maioria dos vereadores tem sua base assentada em bairros. O critério básico de escolha para a Câmara Municipal não é de categoria profissional ou de outros vínculos sociais, a escolha é de base geográfica. Assim, fica difícil vinculá-los a movimentos progressistas ou não. É mais através de sua imagem construída historicamente e do conjunto de pleitos que articulam enquanto representantes da comunidade que podemos traçar os seus perfis. Mesmo que não queiramos usar este espaço para fazer uma descrição da vinculação programática de cada vereador, mesmo porque não fizemos detalhadamente esse estudo, o acompanhamento do trabalho legislativo em Vitória aponta para níveis de articulação social qualitativamente superiores à média encontrada em localidades onde o mundo da política ainda é dominado pela lógica dos velhos coronéis.

Afora esses exemplos, a característica dos eleitores da capital tem impedido que aventureiros descolados da história da cidade tenham possibilidade de realizar carreiras meteóricas entre nós. Existe todo um processo de produção de lideranças que passa por critérios muito mais rigorosos do que em outros espaços. Felizmente a ilha tem vencido a tendência da compra pura e simples de votos, feita pelos políticos junto aos estratos mais pobres da população.

Vários fatores explicam isto. Um deles me parece obvio: mesmo quando não havia eleições para os cargos do executivo municipal nas capitais e para os governadores, várias instituições exercitaram a vida democrática, como a Universidade e os sindicatos. Foram os grandes responsáveis pela produção de lideranças que renovaram nossa vida política. Além disso, desde que a abertura política se estabeleceu de forma clara no Brasil, no fim dos anos 80, nós temos tido uma imprensa bastante independente e descolada da defesa pura e simples dos interesses oligárquicos. Ao contrário do que acontece no nordeste, por exemplo onde é comum as elites políticas clássicas controlarem a mídia e dirigirem as notícias de modo a não permitir a socialização de informações importantes para a existência de vida democrática no Espírito Santo a imprensa tem noticiado os fatos tais como eles acontecem. Temos, assim, uma imprensa de boa qualidade longe dos acordos espúrios que terminam por impedir a formação de uma opinião pública verdadeiramente bem informada.

De outro lado, a região da Grande Vitória foi palco de um processo de industrialização acelerado, a partir dos anos 60/70. Esse processo foi conduzido sobretudo pelo que era chamado na época de grandes projetos de impacto. Entre eles se destacam a Companhia Siderúrgica de Tubarão, a expansão de ações da Companhia Vale do Rio Doce, e a criação do Centro Industrial localizado na Serra, mas intimamente vinculado à vida de Vitória. Esses grandes empreendimentos trouxeram um quadro técnico altamente qualificado para dentro de nossas fronteiras geográficas. A cidade teve sua vida renovada pela presente de um novo grupo social, menos provinciano e mais antenado com o que acontece em todo o mundo.

Num movimento posterior, quando se iniciou ou foi aprofundado o chamado processo de globalização da economia, muitas dessas organizações que se transformaram em ilhas de excelência começaram a demitir em massa, em função do processo de reestruturação produtiva da economia das empresas. Muitos desses novos desempregados aderiram espontaneamente aos programas de demissões incentivadas, passando a instalar pequenos negócios na cidade. Negócios estes que deram uma perspectiva diferente ao nosso mercado. Ficamos mais bem servidos de coisas como padarias, butiques, restaurantes, lojas de locação de vídeo, por exemplo. Criamos também um grupo de empreendedores como ainda não tínhamos. Em consequência ganhamos também uma capacidade associativa dentro de vastos setores econômicos como seria impensável anos atrás. Assim, a criação de setores empresariais mais modernos e mais comprometidos com a lógica de mercado dos dias atuais também acabou produzindo efeitos positivos em termos da renovação das elites, embora boa parte desses setores seja de negócios pequenos.

A ação do setor público municipal a partir da segunda metade dos anos 80 acabou também ajudando a consolidação de um espírito mais participativo na cidade. Um bom exemplo disto, mas não o único, é o fato da existência, há algum tempo, da discussão do orçamento público municipal. Discussão esta que contribui para transferir para a sociedade as decisões sobre alocação de recursos. A gestão técnica do Plano de Desenvolvimento Urbano, o PDU, também contribui para a modernização da ação empresarial. Não temos presenciado absurdos como os acontecidos em Guarapari, onde tem até sombra na praia, tal o descuido com o gabarito dos prédios construídos à beira-mar.

Aliás, o setor imobiliário é um grande exemplo da modernização empresarial a que me refiro. Até os anos 70, setores locais controlavam a construção civil em Vitória. Foi quando a Encol, maior construtora de prédios residenciais no Brasil todo até bem pouco tempo, instalou-se aqui. Sua ação agressiva no mercado foi capaz de subverter nossa lógica de mercado nesse setor econômico. Algum tempo depois, as empresas até então tradicionais estavam fora do mercado, mas outras capazes de enquadrarem-se no novo momento passaram a dividir a cena com a Encol. Modernizaram-se, aderiram a programas de modernização gerencial como os de Qualidade Total e ficaram no mercado. Mercado até mais moderno e mais competitivo, mais ligado aos fatores do mundo atual.

Caso queiramos avançar mais um pouco nos exemplos de renovação podemos também pensar no que ocorreu no comércio varejista depois do advento do Shopping Vitória. Antes já havia ocorrido um movimento de deslocamento dos comerciantes tradicionais com a instalação de lojas de departamento da dimensão de uma Mesbla ou das Lojas Americanas ou da C&A. A consolidação de um pólo comercial dinâmico na região norte não apenas transferiu o centro de compras para as praias, como também possibilitou toda uma renovação gerencial em nossos comércio e serviços. Não apenas mudou a composição do capital, mas também a chegada em massa das franquias obrigou os comerciantes a se enquadrarem num momento de controle e de gerenciamento como não havia antes.

Temos assistido, pelas evidências que articulamos neste curto espaço, a uma renovação importante em nossas elites. Do ponto de vista econômico isso fica claro pela capacidade que temos tido de nos renovarmos, de enfrentarmos de frente os problemas. Do ponto de vista de gestão da cidade, também temos visto que a sociedade está respeitando muito bem os limites que devem ser impostos ao desenvolvimento das atividades imobiliárias de forma a que elas não coloquem em risco a harmonia coletiva. Claro que nada disso ocorre de forma perfeita, mas o movimento geral é muito mais de respeito do que de agressão.

A consequência política de tais movimentos é clara. A cidade está exigindo respeito de seus homens públicos a um certo padrão de desenvolvimento já estabilizado. Ninguém mais ocupará uma posição importante em Vitória sem mostrar-se contemporâneo das preocupações da sociedade, das preocupações de cada um dos nossos moradores, muito mais antenados com o que acontece no mundo e muito preocupados com a manutenção de uma qualidade de vida conquistada até agora. Essa modernização de comportamentos coletivos é uma conquista que deve ser respeitada por todos aqueles que pleiteiam cargos através dos votos. É o que nos ensina uma leitura sociológica das razões de voto em Vitória. Vamos conferir o que o futuro nos revelará.

 

Escritos de Vitória – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES, 1996

Prefeito Municipal: Paulo Hartung

Secretária Municipal de Cultura e Turismo: Silvia Helena Selvátici

Sub-secretário Municipal de Cultura e Turismo: Rômulo Musiello Filho

Diretor do Departamento de Cultura: Rogério Borges de Oliveira

Diretoria do Departamento de Turismo: Rosemary Bebber Grigatto

Chefe da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim: Lígia Maria Mello Nagato

Bibliotecárias: Elizete Terezinha Caser Rocha

Lourdes Badke Ferreira

Conselho Editorial: Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco

Revisão: Reinaldo Santos Neves, Miguel Marvilla

Capa: Vitória Propaganda

Editoração Eletrônica: Edson Maltez Heringer

Impressão: Gráfica e Encadernadora Sodré

 

Fonte: Escritos de Vitória, nº 16 Movimentos Sociais, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – PMV, 1996

Texto: João Gualberto

Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2018

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