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Africanos vindos diretamente para o Espírito Santo

Principais Rotas de Comércio e Deslocamento de Escravos no Brasil

Finalmente, no Espírito Santo, pode-se dizer que a importação direta de africanos data de fins de 1621. Entretanto, já havia escravos africanos antes, talvez desde 1540, com o início do plantio de cana-de-açúcar.

Pode-se afirmar sua presença, com certeza, desde 1550, conforme a arrematação dos bens de um feitor da capitania, pois nesse documento aparecem listados 12 escravos (10).

Também é necessário destacar que os historiadores são unânimes em afirmar que a Capitania do Espírito Santo era uma das que mais fazia contrabando de escravos. Além disso, eles afirmam que é quase impossível, nos dias atuais, apontar com absoluta certeza a origem dos negros capixabas.

Entretanto, suspeita-se que por causa das revoltas de escravos acontecidas em São Mateus, Guarapari, Serra e na área de Itapemirim, foi muito significativa a presença de Sudaneses Muçulmanos nessas regiões (11).

Conclui-se então que, assim como ocorre no Brasil em geral, na Capitania do Espírito Santo também é difícil definir com precisão a origem da população africana. Tal origem é definida primeiro conforme documentação deixada pelo tráfico, que omite a precisão dessa origem; segundo pelo que ficou registrado das falas populares, e terceiro pela declaração de estudiosos consagrados, mas que também podem ter cometido alguns enganos em face das dificuldades apresentadas pela documentação.

Na realidade, algumas origens de negros do Espírito Santo podem ser percebidas nas notícias documentais, como as que se seguem: “Fugiu da Vila da Serra, Manual Angola, vinte anos, sinal de tiro na perna”, noticiado pelo Correio de Vitória, em 09 de julho de 1855. Esse mesmo jornal, em 14 de janeiro de 1854 anunciava que “fugiu... o escravo Joaquim, de nação, que tem trinta e tantos anos...”. “Em Cachoeiro de Itapemirim... eram conhecidos os escravos da Fazenda Monte Líbano, pela aparência robusta e boa vestimenta. Eram quase todos Minas” foi publicado no Correio de Vitória em 22 de fevereiro de1872 (12).

Pelo que se tem já conhecido e investigado, eram na maioria Minas (do Castelo de Minas, famosa fortaleza lusitana no porto de Al Juba, onde passaram para bordo dos navios negreiros) e Angolas os negros do sul do Espírito Santo. Havia Angolas em São Mateus e Vitória, porém estes eram mais conhecidos como Congos e Criolos ou Crioulos. Aliás, era bem conhecido, em Vitória, o negro Luis Conguinho, que se apresentava nas festas do Rosário caracterizado como “Rei do Congo”. E muitos negros tinham a palavra criolo incorporada a seu nome, como João Criolo e Manuel Criolo. Por outro lado, há a constatação da existência de “seu negro mina”, uma espécie de xingamento, pejorativo, até o fim do século XIX. Muitos senhores de escravos diziam que os Minas eram inclinados à embriaguez, mas que, contraditoriamente, eram também muito resistentes fisicamente, sendo, por esse motivo, preferidos pelos senhores para o trabalho de mineração do ouro. O “curandeiro famoso, em Cachoeiro de Itapemirim, o Tio Lalau, era um Mina legítimo que confirmara sua origem”. Além disso, existia a crença geral de que os Minas eram perigosos, temíveis feiticeiros e insuperáveis nas preparações de remédios de garrafadas e benzeções.

Embora seja considerada inquestionável a presença dos Angolas na terra capixaba, é necessário destacar que no interior desse grupo quase sempre estavam representadas diversas culturas e etnias, todas chamadas de Angola (13).

Existia no Espírito Santo uma tradição oral que dizia que as mulheres Minas tinham a pele muito preta, eram corpulentas, esbeltas, enfeitiçavam os senhores com sua beleza e, com eles, acabam tendo muitos filhos mulatos, o que em certos casos dava-lhes alguns privilégios frente à situação geral dos negros escravizados (14).

A fama da bravura e do gênio aguerrido de muitas nações africanas era tão grande no Espírito Santo que há fortes suspeitas de que Elesiário, um dos chefes da Insurreição do Queimado, era Mina ou Angola, talvez até de tradição Muçulmana (15).

Maciel de Aguiar, um estudioso da cultura negra da área norte, cujo centro é São Mateus, diz, de forma taxativa, que para lá foram basicamente negros de Angola, “mais precisamente de Cabinda e Benguela”(16).

Outro dado que parece importante é que pelo levantamento populacional realizado em 1872, registrou-se que 55,8% dos escravos existentes eram naturais do Espírito Santo e os demais tinham nascido em outras províncias do Brasil ou na África.

Conclusivamente, pode-se dizer que a origem dos negros capixabas é difícil de ser determinada de forma pormenorizada. Entretanto, acreditamos que a maioria era principalmente da grande etnia Banto. E era, muitas vezes, chamada de Angola ou Mina, mesmo entendendo que sob essas denominações estavam diluídas muitas culturas e etnias. Assim, aparecem outras denominações, como Cabindas, Benguelas, Caçanjes, Crioulos e Congos. Mesmo sendo aceito o argumento de que não existiam, por exemplo, os negros Minas e Angolas, pois essas eram apenas denominações dadas aos africanos embarcados como escravos nos portos dessas regiões, a conclusão não se altera.

Da mesma forma, se aceita dizer que para o Espírito Santo vieram muitos Sudaneses, embora os registros de sua presença sejam difíceis de apontar com maior convicção. Entretanto, não significa dizer que a origem dos negros capixabas do final do século XX seria, na sua composição total, apenas efetiva e diretamente ligada a essas bases históricas dos séculos anteriores. Aliás, nesse sentido, é necessário considerar que a mobilidade migracional da população negra durante o século XX foi grande.

Muitos baianos, mineiros, cariocas e de outras unidades da federação brasileira por aqui passaram ou se estabeleceram. Dessa forma, falar da origem dos negros capixabas é pensar os remanescentes de muitas culturas e etnias africanas; segundo, somar isso às miscigenações ocorridas com os brancos e os índios, e terceiro, nessa resultante mestiça deve-se incluir ainda a participação, mesmo que em escala pequena, dos brancos da grande imigração europeia e dos brasileiros em geral.

 

NOTAS

(10) NOVAES, Maria Stella de. Escravidão e abolição no Espírito Santo. História e Folclore. Vitória. Prêmio Literário e Científico da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo. 1963. p. 23 a 26.

(11) Novaes, 1963, p. 33.

(12) Novaes, 1963, p. 47.

(13) Novaes, 1963, p. 27.

(14) Novaes, 1963, p. 27 e 28.

(15) Novaes, 1963, p. 73 e a citação de BONFIM, Celso feita por SANTOS NEVES, Guilherme. In Folclore Brasileiro-Espírito Santo. Rio de Janeiro. MEC/Departamento de Assuntos Culturais/FUNARTE/Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro. Impressão SS Artes Gráficas. 1978. p. 5 e 6.

(16) MACIEL DE AGUIAR, Sebastião. Político, poeta e reconhecido estudioso de São Mateus que se dedica ao estudo da cultura negra da região. Concedeu longa entrevista à produtora de televisão Vera Viana, quando ela recolhia material para uma matéria especial sobre os negros do Espírito Santo e que foi levada ao ar nacionalmente pela Rede Brasil de Televisão Educativa sob o nome de “Momentos de Uma Raça”. A entrevista integral de Maciel de Aguiar está gravada em vídeo VHS e pertence ao acervo de Cleber Maciel.

 

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Fonte: Negros no Espírito Santo / Cleber Maciel; organização por Osvaldo Martins de Oliveira. –2ª ed. – Vitória, (ES): Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016.
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2020

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