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As primeiras eleitoras do Brasil - Por Renato Pacheco

A terceira eleitora do Brasil é a capixaba, de Guaçui, Dona Emiliana Vianna Emery

Neste ano em que o Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo completa seu primeiro centenário de instalação (no que acompanha, com poucos meses de diferença, a mais alta Corte do País) o que ocorreu em virtude da adoção do regime federativo no Brasil, devemos relembrar outras modificações que o sistema republicano trouxe a nossa Pátria, em seu arcabouço jurídico-institucional.

O conceito amplo de cidadania previsto no art. 7º da Carta de 1891, que permitia o alistamento de eleitores aos maiores de 21 anos, incluindo as mulheres (o que era negado no período imperial) não seria facilmente aceito, e deu origem a inúmeros debates durante toda a República Velha. Não nos assustemos com o fato: a mulher eleitora é fenômeno recentíssimo nas democracias ocidentais.

Vamos relacionar, neste artigo, as três primeiras eleitoras que tiveram deferidos seu alistamento, no Brasil.

Durante muito tempo, pelo que me informaram quando judiquei em Guaçui – ES, ela fora uma capixaba. Pesquisas posteriores levaram-me a reconsiderar meu conhecimento anterior, pois verifiquei que a primeira eleitora espírito-santense foi a terceira alistada entre nós.

Hoje, com certeza, posso afirmar que a primeira eleitora do Brasil foi Dona Celina Guimarães Viana, residente à época de seu alistamento em Mossoró, RN, em novembro de 1927, deferido que foi seu pedido pelo MM. Juiz Israel Ferreira Nunes. Em honra do acontecimento, o povo mossoroense apôs à porta da casa em que então residia a 1ª eleitora placa comemorativa. O jornal O Mossoroense, edição de novembro de 1927, noticiava que “com a inclusão, no dia 25 de novembro p.pº do nome de Dona Celina Guimarães Viana, na lista dos eleitores do Rio Grande do Norte, em virtude da Lei 660 de outubro último, sancionada pelo Exmº Sr. Presidente do Estado, teve o Brasil a sua primeira eleitora, e erigiu Mossoró mais um padrão memorável na sua vida de município paladino de altas e avançadas iniciativas”.

D. Celina era líder feminista, e concitava as mulheres brasileiras a que seguissem seu exemplo. Veja-se, a propósito a reportagem do O Globo em 1/10/1971.

A segunda eleitora foi a estudante de direito mineira Mietta Santiago (cf. Veja, 12/11/1986, p. 15). Conquanto o voto feminino só tenha sido autorizado a nível nacional, depois da Revolução de 30, pelo Decreto federal nº 21.076, a universitária, estribando-se no supracitado art. 7º da Constituição Federal então vigente, requereu e obteve a condição de eleitora, em 1928. E mais que isto, candidatou-se, sem êxito, a uma vaga de deputada pelo Partido Republicano Mineiro. Fundou, outrossim, a Liga da Eleitoras mineiras, e até a década de 50 foi uma das líderes feministas do Brasil, grande oradora que era, forjada nos embates dos tribunais populares do júri, das Alterosas.

A terceira eleitora é a capixaba, de Guaçui, Dona Emiliana Vianna Emery, valorosa e prestante cidadã, que, à época, foi efusivamente felicitada por Dona Bertha Lutz, pioneira do feminismo nacional.

Em sua cidade natal conta-se uma anedota, segundo a qual, Dona Emiliana, mulher decidida, costumava comentar: “Aqui em Siqueira Campos – Nome da cidade à época – só tem dois homens: eu e o Padre Miguel. E, ambos, usamos saia...”

Folclore à parte, devemos ressaltar a grande importância dessa guaçuiense de prol, que deixou numerosa e ilustre descendência.

Por sua inegável importância como documento histórico, transcrevo, com grafia atualizada, a sentença do então Juiz de Alegre (a cuja jurisdição estava subordinado o então município de São Miguel do Veado, depois Siqueira Campos e hoje Guaçui) deferindo a Dona Emiliana Emery a condição de 1ª eleitora de nosso Estado:

“Vistos os autos etc.

Requer Dª Emiliana Vianna Emery, com os documentos juntos a sua inscrição como eleitora do município de Veado.

Os documentos satisfazem as exigências regulamentares, porquanto rege no Estado a lei federal mandada aplicar pelo art. 20 da Lei nº 1706.

O ponto a examinar seria o de poder ou não ser eleitora a mulher.

Não vemos, porém, por onde se possa negar a requerente o direito de votar e ser votada no conjunto dos preceitos constitucionais da Federação brasileira. Quase sempre as decisões em contrário, têm procurado fundamentar em razões de duas ordens, esse seu modo de encarar o problema: no campo propriamente jurídico e no campo diretamente sentimental.

Uns dizem que a expressão cidadãos, empregada pelo art. 7º da Constituição federal, se refere tão somente aos indivíduos do sexo masculino, esquecendo-se de que nos passos constitucionais comumente citados por eles, há outras expressões equivalentes como – brasileiros, contida no art. 60 da Constituição, ultimamente revogado pela Reforma de 1926, que jamais ninguém deixou de compreender nelas homens e mulheres. Os exegetas constitucionais, não dão para negar a Mulher, o direito de voto, razões plausíveis, motivos que convençam, alegações que formem um princípio. Outros, abandonando por sovada essa argumentação, divagam para o campo sentimental: a mulher nasceu para o lar e para a constituição da família e dalí, umas serôdias explanações pelos domínios da biologia, da sociologia, da psicologia e até da religião. Se assim fosse, deveriam os textos legais expressamente vedar, fora do lar, qualquer profissão liberal a essa dedicada companheira do homem. O contrário, porém, é o que nos aparece diante dos olhos, e contrário aquela pretensão de enclausurar a mulher no lar, é o cenário soberbo do mundo. E diante da avalanche, cedem as maiores teimosias, tropeçam as práticas filhas da rotina curvam-se os últimos egoístas do individualismo do século XIX. Atualmente, a mulher desfruta no seio das sociedades civilizadas dos mesmos direitos, dos mesmos deveres, das mesmíssimas obrigações que o homem. Compulsem-se as leis civis, os estatutos privados e públicos de cada país e encontrar-se-á essa verdadeira e irrefutável, para demonstração da qual são desnecessários os detalhes, as minúcias. Vem dirigir ministérios como o do trabalho em a terra das liberdades, a velha Inglaterra dos estadistas: representar o povo nos parlamentos e congressos, governar estado, distribuir justiça, aplicar textos legais, e interpretá-los, entregar-se a pesquisas em laboratórios, praticar operações, defender os mais sagrados direitos perante os tribunais, exercitar todas as profissões liberais, enfim concorrer na luta pela vida com o homem. Porque pois, negar-se entre nós, onde ela já quase todos os cargos exerce, o direito de escolher por meio do voto os seus candidatos aos cargos eletivos do país? Desorganizou-se por ventura a família, perderam as leis sua função, nas sociedades organizadas politicamente, onde a mulher nas assembléias pugnam pelos direitos da comunhão? Não há exemplo e nem os sentimentalistas podem-no apontar.

A nós, não se nos depara o porque e o em que possa o ingresso da mulher nesse último reduto da vida pública afetar a nossa sociedade. Pelo contrário, benéfica, será essa sua atuação na vida pública. Ela virá trazer uma onda de renovação aos homens públicos, aos quais as convivências têm privado da consciência e da convicção cívica. Ela virá trazer, no seu voto, na sua altitude, na sua eloquência, esse mágico poder de chamar ao aprisco os transviados, o que se curvam, os que se amoldam, visando a comodidade dos pingues vencimentos, de gordas sinecuras. Ao menos corarão os homens sem vontade, diante da virtude forte de uma mulher a se opor com a fraqueza do sexo, aos desmandos, de polentados histriões. Chama-se sempre a mulher ao lar, como se neste, também o homem não tivesse a sua parte como chefe da sociedade conjugal.

Na época de agora, em que vemos o direito, a regra jurídica, ir sendo absolvida pela regra moral, não é possível que se negue a mulher, essa infiltração tão precisa a um renascimento, para melhores dias, na nossa democracia republicana. No Estado particularmente, é questão vencida a admissão da mulher como eleitora. São do domínio público os votos dos luminares do Egrégio Tribunal Superior de Justiça, Christiano Vieira, Oscar Faria Santos, Carlos Xavier, Cassiano Castelo e Augusto Botelho e do então procurador geral Mirabeu da Rocha Pimentel, em os quase todos sustentaram como a sua prova proverbial erudição, que a Constituição não distinguia, na palavra cidadãos, o homem da mulher, tanto assim que elas não foram taxativamente enumeradas nas exceções abertas no passo constitucional. E essa decisão fora tomada num caso desta Comarca, habilitando uma senhora a um cargo judiciário. Mais dia, menos dia, para honra de nossa cultura, para serena elevação de nossos costumes políticos, para prática do verdadeiro regime constitucional, não há de a mulher com a fonte aureolada pelo talento e pela virtude sentar-se nas cadeiras dos antigos augustos representantes da Nação, dando ao homem a mais bela, a mais expressiva, a mais encantadora lição de civismo.

Assim, mando que a requerente seja admitida como eleitora no Município de Veado, desta Comarca. Publique-se.

Alegre, 25 de Julho de 1929.

Aloysio Aderito de Menezes.”

Bela, bem lançada e profética decisão, que hoje se torna evidente com o grande número de mulheres que dignificam os altos cargos que ocupam, mostrando que, ombro a ombro, brasileiras e brasileiros podem construir uma grande Pátria.

No momento, vivemos uma grave crise econômica, porém a Carta de 1988 dá amplos direitos individuais e coletivos, e de cidadania, com o voto garantido para a grande maioria dos cidadãos. Historicamente, não nos devemos esquecer que a inclusão de mulheres como eleitoras foi notável conquista humana – recentemente na maioria dos países – e que também ajudou a abrir às mulheres a possibilidade de ingresso nas mais importantes (e lucrativas) profissões, o que vem ocorrendo, paulatinamente, em nosso país, nas últimas seis décadas.

Às três pioneiras que enfrentaram a opinião pública machista da época, seguiram-se milhares de outras. E, oxalá o número de mulheres eleitas para os mais variados cargos públicos seja sempre crescente – e tanto quanto possível – proporcional ao número de eleitoras inscritas, pois a direção da coisa pública deve ser um empreendimento coletivo que igualmente interessa a homens e mulheres.
                                                                
 Vitória, 05/06/1991

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Nº 41, Ano de 1991/ 1992
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2012 

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