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Aspectos da Escravidão – Castigos

Aspectos da Escravidão - Castigos

A pessoa escravizada era considerada um objeto e, como tal, podia ser comprada, vendida, alugada, emprestada, doada, dividida, trocada etc. Dessa forma, uma pessoa podia, como aconteceu, por exemplo, em 1883, ser vendida por 450 mil réis, sendo pagos 400 em dinheiro e uma vaca, no valor de 50.

Também o escravo, por seu valor, podia ser usado como moeda para o pagamento de dívidas e pertencer a vários proprietários ao mesmo tempo. Esse foi o caso, por exemplo, de três irmãos que herdaram uma escrava. Em outro caso, sendo dois irmãos, um homem e uma mulher, proprietários de um mesmo escravo, um deles faleceu. O sobrevivente, a mulher, recebeu 250 mil réis como pagamento pela liberdade vendida da metade do escravo. Há casos ainda como o de outra mulher que, em testamento, deu liberdade a apenas metade do seu escravo e ofertou a outra metade para Nossa Senhora da Penha. Os padres do Convento, lógico, obrigaram o escravo a trabalhar, mas não lhe davam a metade do tempo a que ele tinha direito, para produzir seu próprio sustento, uma vez que a administração do Convento da Penha alegava que somente tinha obrigação com uma metade do escravo e que, assim, não necessitava, alimentá-lo. O “meio escravo” sofreu fome, prisão e maus tratos por causa da intolerância dos “piedosos” padres e, possivelmente, acabou morrendo faminto e doente por ser apenas “meio livre” (26).

Castigos

Alguns dos principais castigos impostos eram as chicotadas ou açoites com o “bacalhau”, espécie de chicote feito de couro cru retorcido, que variavam em número, conforme a gravidade da falta cometida; as palmatórias também variavam. Havia também os ferros, de formatos diversos para pescoço, cintura e membros, que o condenado podia carregar por muitos anos ou pela vida toda; o tronco, no qual o condenado ficava preso por dias e/ou noites, e a venda em leilão, separando as pessoas de uma mesma família.

Muitos castigos eram também inventados ou inovados, com variações desses já conhecidos, dependendo da imaginação masoquista e a crueldade dos senhores. Assim, furar olhos e cortar línguas, orelhas, mãos e pés eram muito comuns, bem como retalhar com cortes e marcar a pele com ferros em brasa. Quase sempre o condenado a um desses castigos era amarrado ou acorrentado no tronco, posto em cangalha (uma peça de madeira ou ferro que prende os pulsos na altura do ombro e junto ao pescoço) ou ainda imobilizado no vira-mundo, instrumento de tortura parecido com o ”pau-de-arara”, muito utilizado nas torturas aos presos, nas delegacias de polícia atuais.

Além de castigos e prisões, aos escravos eram proibidos os divertimentos e o uso de adornos. Havia ainda uma série de restrições discriminadoras quanto à participação deles nas atividades do cotidiano social. Um caso que ficou muito conhecido em Vitória foi o de um escravo que, mesmo sendo sacristão de uma igreja, foi impedido pela Irmandade do Santíssimo Sacramento de sair numa procissão, apesar dos protestos da Irmandade de São Benedito. Outro caso foi uma lei instituída em 1857, pelo Governo do Espírito Santo, que proibia os escravos de participarem do “entrudo”, uma espécie de brincadeira carnavalesca de rua, sob pena de 25 açoites e 24 palmatórias. Num terceiro caso, ocorrido em Cachoeiro do Itapemirim, em 1888, um escravo foi preso porque acompanhava um “Pagode dos Reis”.

Muitas vezes, para castigar escravos, os senhores os obrigavam a fazer coisas que suas crenças religiosas proibiam ou mesmo que as desrespeitavam. Nesse caso, por exemplo, obrigavam a pessoa a comer um alimento proibido, a impediam de cumprir um ritual ou ainda, o que era muito comum, proibiam que fossem tratadas de doenças pela medicina natural, prendendo seus praticantes sob acusação de feitiçaria. Havia ainda a “peia”, um tipo de algemas para tornozelos e pulsos, de madeira ou de ferro, que imobilizava totalmente o escravo em posição extremamente incômoda. A pessoa podia ser imobilizada simplesmente para ficar ali por horas e dias ou então para ser açoitada, queimada vagarosamente, colocada num formigueiro, mutilada etc.

Para os escravos fugitivos e recapturados, havia castigos que variavam de palmatórias, passando por chibatadas ou mutilações, chegando a torturas mortais. Era muito comum os fugitivos recapturados aparecerem “misteriosamente” mortos.

Uma lei municipal de Vitória, no ano de 1829, estabelecia que como castigo por problemas na limpeza de ruas e de casas e por uso de armas os escravos e crianças receberiam entre 24 e 48 palmatórias. Sendo homens, seriam açoitados no pelourinho, isto é, um tipo de mastro de madeira ou ferro erguido nas praças, para as torturas em público. Essa legislação também definia que o escravo encontrado pela cidade sem o “bilhete”, um tipo de autorização para ir e vir, seria preso e receberia, no pelourinho, até 200 chibatadas.

É necessário destacar que todos esses castigos eram empregados contra quaisquer negros, inclusive livres. Assim, mesmo que uma pessoa não fosse escrava, o fato de ser negra fazia com que ela fosse considerada “suspeita”.

Logo, tinha sempre que portar uma Carta de Liberdade, uma autorização de circulação, enfim, um documento de comprovação de sua condição de livre.

Isso é muito parecido com as exigências atuais da polícia brasileira de que todos os negros portem o documento “Carteira de Trabalho”, sob pena de irem presos como suspeitos de algum crime, cujo mais leve é a “vadiagem”. Também é similar com as exigências que a polícia racista branca da África do Sul faz dos negros, que, para andarem livres, devem possuir um “passe”.

Tal como no apartheid da África do Sul e nas práticas racistas dos Estados Unidos da América, no Brasil os casos de violência e abusos contra os negros iniciados na escravidão mantiveram-se até os dias atuais. Se antigamente, apesar de o governo tentar diminuir, tais práticas continuavam cada vez mais fortes e os senhores que ocasionalmente foram acusados nada sofreram, pois os conchavos e a corrupção de autoridades policiais e judiciais acabavam sempre os inocentando, atualmente a situação não é muito diferente, e os negros continuam sendo discriminados, injustiçados e punidos, enquanto os brancos ricos, principalmente, nada sofrem por maiores que sejam seus crimes.

Ainda hoje, tal como no passado, os negros presos sob suspeita de alguma falta, leve ou grave, são submetidos a violentas torturas para confessar crimes que podem não ter cometido e acabam sendo incriminados e, mesmo inocentes, condenados (27).

 

NOTAS

(26) Todas as informações desta parte foram tiradas da obra de ALMADA, Vilma Paraíso Ferreira. Escravismo e transição. O Espírito Santo (1850-1888). Rio de Janeiro. Editora Graal. 1984. Principalmente o Capítulo III, A Escravidão no Espírito Santo: Aspectos Econômicos e Sociais, p. 101 a 174.

(27) Quase todas essas informações estão na obra citada de Almada, 1984.

 

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Fonte: Negros no Espírito Santo / Cleber Maciel; organização por Osvaldo Martins de Oliveira. –2ª ed. – Vitória, (ES): Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016.
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2020

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