Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Atividades dos Tropeiros – Por Ormando Moraes

Fábrica de Ferragens para animais no começo deste século - Forte São João, Vitória

Além do muladeiro, que fazia o comércio de compra e venda de muares, as tropas estimularam o crescimento de várias outras atividades no interior do Espírito Santo. O seleiro, o funileiro, o ferreiro, o ferrador de burros, o curandeiro, o proprietário de ranchos e pastos para alugar, na beira da estrada, todos tinham uma participação e uma importância muito grandes na vida das tropas.

O seleiro era um artesão de muita habilidade na fabricação de selas e de todo o arreamento necessário ao animal de carga, inclusive a cangalha, para o que usava variados instrumentos, como facas, alicates, martelos, sovelas ou furadores, agulhas, linhas, tala de madeira para costurar no colo, punções para executar os diversos desenhos no couro e também o grude feito de polvilho azedo, para servir de cola.

Em pontos estratégicos de maior movimentação de tropas, sempre se encontrava um seleiro, e seu pequeno estabelecimento artesanal era local muito freqüentado.

O funileiro, em torno da forja e da bigorna, também produzia muitos utensílios para as tropas, como lamparinas, canecos, tachos, cincerros, etc., enquanto o ferreiro se dedicava à produção de ferraduras, tão importantes para as tropas quanto são hoje os pneus para veículos automotores. Mas estas duas atividades no Espírito Santo não atendiam à demanda, de sorte que nossas tropas eram também supridas pelos muladeiros que vinham de Minas, trazendo ferraduras, além, como é óbvio, dos animais em pêlo ou arreados.

A propósito de atividades derivadas, conta Vítor Hugo Vervloet, conhecedor do movimento de tropas em Santa Leopoldina-Santa Teresa, na década de 20, que, nos péssimos caminhos então existentes, havia muitos caldeirões ou atoleiros, onde os animais costumavam perder suas ferraduras. Isto ensejava o aparecimento de outra atividade bem modesta, exercida por crianças pobres de beira de estrada: a de catadores de ferraduras para vender aos tropeiros. Outra informação interessante é dada por Theodoro Herzog, proprietário de tropas no município de Santa Leopoldina: para facilitar a passagem das tropas, esses atoleiros eram lastreados por grossas taboas de madeira de lei, na época muito farta no interior, como jacarandá, braúna e tapinhoã, e em trechos menores era usado também couro de boi.

Regra geral, qualquer tropeiro sabia ferrar e chamava a atenção do leigo no assunto e despertava sua admiração a facilidade com que, muitas vezes, sozinho, dobrava a perna do burro, cortava-lhe o casco, colocava a ferradura e batia os cravos. Mas, em locais estratégicos de maior movimento de tropas, sempre se encontrava um especialista no ramo, como é o caso de Antônio Curió, em Cachoeiro de Itapemirim.

Outro profissional importantíssimo para as tropas era o curandeiro, já citado no capítulo sobre "Medicina Tropeira".

Igualmente muito importante era o amansador de burros, que se encarregava de prepará-los para sela ou para tropa. Era geralmente preto e gostava de se exibir nas ruas e praças do interior, montando os bichos ainda bravios e xucros e castigando-os severamente com um bom porrete. Eles pulavam, pulavam e acabavam se acostumando e aceitando a cangalha, o arreio, a carga ou o montador. Era profissional comum no interior, no tempo das tropas.

O poeta Carlos Campos, ex-desembargador, conta que, na região de Calçado, um dos amansadores de burros mais famosos foi Raymundo Horácio da Silva, empregado de seu pai, o fazendeiro Antonico Campos.

Naquele tempo, dente de ouro era um dos melhores sinais exteriores de riqueza, indício de vaidade ou preparativo para uma conquista amorosa. Pois bem, Raymundo Horácio achou por bem colocar na boca não um dente, mas uma dentadura inteira de ouro e, quando Antonico Campos o viu assim, não pensou duas vezes, pois era homem decidido: 

— Raymundo, você não me serve mais. Tenho que dispensá-lo.

— Mas por que, patrão?

— Não serve para trabalhar comigo e pronto. Está dispensado, uai!...

Apesar de ser ótimo empregado, valente e prestativo, era muito ouro numa boca só. Dava para desconfiar, senão da honestidade, pelo menos do perfeito equilíbrio mental. Raymundo mudou-se para Afonso Cláudio, grande centro tropeiro, onde foi assassinado por um soldado.

Finalmente, outra atividade surgida em conseqüência das tropas era a de instalação de ranchos e reserva de pastos cercados para pouso de tropas e tropeiros, em alguns locais das estradas e nos pontos finais de seu destino.

Os ranchos eram totalmente abertos, tinham apenas a cobertura de telhas tipo canal e neles os tropeiros depositavam a carga de suas tropas, armavam a cozinha de trempe e dormiam quase ao relento, em cima de couros e protegidos por grandes capas gaúchas. Na beira das estradas, os ranchos abrigavam cargas e arreios, mas, nos pontos finais, as cargas de café e outros produtos iam diretamente para os armazéns de seus compradores.

Em Castelo, por exemplo, segundo informa Avelino Dadalto, havia vários ranchos, onde se pagavam, em 1940, 200 réis de diária por animal, com direito a pasto. Este preço pulou para 400 réis pouco tempo depois. Enquanto isto, Manoel Lopes fala no preço de 2 mil réis por tropa de 10 animais, na região de Afonso Cláudio, o que confere com o preço anterior. Já Antônio Destefani diz que seu avô, imigrante italiano, tinha um rancho muito famoso, em Povoação, último pouso das tropas que se dirigiam a Castelo, onde o preço por noite, na década de 20, era de um mil réis por tropa.

Nos pontos finais mais importantes de destino das tropas, como Alegre, Castelo e Santa Leopoldina, entre outros, as firmas comerciais tinham os seus próprios ranchos, onde os tropeiros fregueses pernoitavam, sem nada pagar.

A respeito de ranchos, o fato mais curioso foi contacto pelo professor Valdemar Mendes de Andrade. Próximo à fronteira sul do Espírito Santo, mas já em território do Estado do Rio, um fazendeiro tinha um rancho muito freqüentado por tropeiros de Guaçuí e imediações. O tropeiro chegava, pedia pouso e o fazendeiro, um tanto autoritário, respondia:

— Pode ficar, mas amanhã, bem cedinho, varre e sai.

Nesse local, surgiu, mais tarde, a vila até hoje conhecida por Varre-Sai.

É história semelhante àquela do dono de botequim de beira de estrada do Nordeste, que andava muito acabrunhado com os fregueses que chegavam, pediam uma, duas, três cachacinhas e ficavam ali cuspindo, conversando horas sem fim e nada de pagar. Então, ele colocou na parede o seguinte aviso:

Bebeu,

Cuspiu,

Pagou,

Saiu...

 

Fonte: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989
Autor: Ormando Moraes
Acervo: Edward Athayde D’ Alcantara
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016

Curiosidades

Visitantes Ilustres em Vila Velha - Regente Feijó

Visitantes Ilustres em Vila Velha - Regente Feijó

Poucos sabem que o antigo Regente Feijó esteve de certa feita em Vila Velha, pois estava exilado em Vitória, e rezou uma Missa no Convento da Penha

Pesquisa

Facebook

Matérias Relacionadas

Tropeiros percorrem em 20 dias 650 quilômetros de história

Ao longo de 20 dias, um grupo de 13 capixabas está revivendo parte da história do Brasil Colônia ao refazer os passos de Dom Pedro pelo interior do Estado

Ver Artigo
Roubo de animais no tempo dos Tropeiros – Por Ormando Moraes

Essa prática criminosa tinha mais a característica de furto, visto que os animais eram levados sorrateiramente, às escondidas

Ver Artigo
Medicina tropeira – Por Ormando Moraes

A medicina tropeira voltada para os animais e não para os tropeiros

Ver Artigo
O comércio de muares – Ormando Maraes

Os comerciantes de muares eram chamados muladeiros e eles vendiam tanto animais chucros para serem adestrados pelos compradores, quanto muares já preparados e arreados

Ver Artigo
Impostos e taxas – Por Ormando Moraes

No período áureo das tropas no Espírito Santo, foi mínima a intervenção e a participação do Estado na atividade tropeira

Ver Artigo
Amores de Tropeiros – Por Ormando Moraes

Um desses amores nasceu lá pelos lados da região de Arataca. Um jovem tropeiro despertou o coração da filha de um abastado fazendeiro

Ver Artigo
Os cometas - Por Ormando Moraes

Os "cometas", assim denominados os viajantes comerciais, porque apareciam nas cidades do interior de tempos em tempos

Ver Artigo
As Tropas – Por Ormando Moraes

Não havia outra alternativa senão o uso de burros e bestas, agora de forma organizada e metódica, com características de empresa

Ver Artigo
Linguajar do tropeiro – Por Ormando Moraes

Por influência do mineiro, que colonizou grande parte do interior do Espírito Santo, a palavra mais usada por nossos tropeiros em todas as ocasiões, era a interjeição uai

Ver Artigo
Os Tropeiros - Por Ormando Moraes

A chegada dos tropeiros aos pontos de parada, era uma festa para os moradores das imediações

Ver Artigo
O Burro em Vitória – Por Ormando Moraes

Entretanto, burros, mulas e bestas foram presença importante em nossa ilha para serviços nas antigas fazendas de Jucutuquara, Maruípe e Santo Antônio 

Ver Artigo
Muares no Espírito Santo – Por Ormando Moraes

Então, o que se viu, atravessando serras e vales, foi a epopéia das tropas e dos tropeiros transportando a produção do Espírito Santo, especialmente o café

Ver Artigo
Primeiras notícias do uso do burro no Brasil – Por Ormando Moraes

O muar seria o ideal para essa tarefa e desde 1764 a Coroa havia autorizado sua criação dentro do "continente do Estado do Brasil", mas o Conde da Cunha, não a transmitiu aos governadores de São Paulo e das Minas Gerais

Ver Artigo
Por que o nome Burro? - Por Ormando Moraes

Seja burro, mula ou besta, os muares sempre foram e ainda são de extrema utilidade ao homem, para o transporte da carga em larga escala, agrupados nas tropas, para puxar carroças nas áreas urbanas mais modestas

Ver Artigo