Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Barra do Rio Doce - Por Rubem Braga (1949)

Regência Augusta

O homem de binóculo focalizava a bandeirinha que se agitava lá em terra lá em terra, no pontal sul, perto do farol. O próprio comandante estava na roda do leme; e o chefe de máquinas, oficial da Marinha de Guerra aposentado depois de fazer duas guerras, estava no telégrafo das máquinas.

- Que é que a bandeirinha diz?

- Bombordo! Toda a força a bombordo!

O timoneiro obedece – e olhamos em silêncio para a proa. A corrente está fortíssima, e a maré inda está baixa. Em nossa frente o Rio Doce despeja toda sua massa de água cor de lama, de um quilômetro de largura, em um estreito canal. Temos de passá-lo.

- Bombordo!

A proa hesita um instante – e depois, lenta, implacavelmente, vai-se voltando para boreste. Os mil cavalos de nossos dois motores se esbofam à toa.

- Para trás!

- ...

- Marca assim!

Avançamos outra vez, penosamente. “A proa é esta!” Pode ser algum espadarte que deseje ir desovar na lagoa de Juparanã; quando a nós vamos em cima de um banco de areia. Bonito. Ouvimos aquele ruído triste do casco na areia. As ondas assanhadas pelo nordeste ensaiam abordagem perto da proa. O chefe das máquinas está em silêncio mascando seu toco de charuto. O caboclo que é considerado prático na barra adota esta atitude não muito eficiente, mas em todo caso justificável no momento: coça a cabeça. A bandeirinha, lá longe, manda recados muito salutares, mas inócuos, como um sargento que berrasse ordens para um recruta paralítico.

Leio trechos seletos de ilustres e antigos viajantes. O senhor príncipe de Wied Neuwied, em 1815: “A foz...nunca é navegável; as grandes embarcações não podem entrar por causa dos baixios e dos bancos de areia...” Saint-Hilaire, em 1818: “O canal muda muitas vezes de lugar.” Charles Frederick Hartt, 1866: “A barra... é tão má que chega praticamente a impedir a entrada de navios...as ondas se quebram furiosamente... É sempre difícil a algumas vezes durante semanas consecutivas é impossível entrar no Rio Doce...e muitos navios se têm perdido ao tentarem-no.” César Augusto Marques, em 1878: “A sua embocadura...é perigosa.”

Tudo isso está num livro que o Sr. Norbertino Bahiense nos conta o naufrágio do cruzador Imperial Marinheiro por aqui em 1887. Um livro muito bem documentado, de que falarei outro dia; mas no momento ficamos sabendo que...”entre os destroços do naufrágio, onde as vítimas ainda se apegavam, e a terra defronte, estavam as ondas cada vez mais encapeladas, e sobre o dorso das quais, de quando em vez apontavam as antenas periscópicas e ameaçadoras dos tubarões.”

Não me agrada muito essa imagem de “antenas periscópicas”, pois na época ainda não havia submarinos, que de resto não possuem antenas periscópicas, e os tubarões também não deviam ser tão aperfeiçoados em 1887. Mas me agrada muito menos o quadro em si.

Uma das máquinas a toda força para a frente; outra a toda força para trás. O L.C.T. adaptado consegue afinal safar-se. Mas depois de três tentativas resolve fundear atrás do pontal – e só no dia seguinte conseguirá entrar na barra, mas não avançará pelo rio mais de trezentos metros. Vamos, um grupo, na baleeira, para terra. É a antiga Barra do Rio Doce, depois Regência Augusta, em homenagem à Princesa Isabel; hoje apenas Regência, sem o adjetivo, que a República tirou. Tudo isso quer dizer umas quarentas casas e um rio que ameaça comê-las – mas é assunto para outra crônica,naturalmente.

Fevereiro,1949

 

Fonte: Crônicas do Espírito Santo, 1984 - 1ª Edição
Autor: Rubem Braga
Nota: Livro doado a Casa da Memória de Vila Velha por Jonas Reis, abril/1985
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2012
Nota: Tiragem de 5.000 exemplares , 3.000 se destinam a distribuição gratuita, pela Secretaria da Educação e Cultura do Estado do Espírito Santo



GALERIA:

📷
📷


Aventura

Uma escalada à Pedra do Oratório

Uma escalada à Pedra do Oratório

O padre Torquato, seu filho, ao levantar as divisórias de seus terrenos, deixou como um dos marcos as suas iniciais esculpidas no centro da cavidade do Oratório, ainda hoje bem visíveis 

Pesquisa

Facebook

Leia Mais

Tomaz Cavendish - Por Norbertino Bahiense

O que se sabe, entretanto, é que ele se deu com os holandeses, numa das suas investidas ao famoso Convento e não com o célebre Cavendish

Ver Artigo
Na rota dos tesouros

Navios afundados e riquezas soterradas despertam interesse de aventureiros no ES

Ver Artigo
Os subterrâneos do Colégio dos Jesuítas

O segundo tunel levava a uma casa existente na cidade baixa, próxima ao cais, de propriedade dos Jesuítas, onde, reedificada, estava, em 1944, a Alfaiataria Guanabara

Ver Artigo
Morro do Moreno

O Morro do Moreno, localizado em Vila Velha – ES, Brasil, debruçado sobre o Oceano Atlântico, é hoje um local perfeito para saltos de parapente, asa-delta e para a prática de escalada

Ver Artigo
Vôo dos Sonhos

Voar livre pelos céus como os pássaros. Esse é um sonho que os homens acalentam desde a Antiguidade...

Ver Artigo