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Como foram povoadas as terras capixabas - (Parte 2)

A lei 1.711 de 18 de fevereiro de 1929, conhecida também como Primeira Lei de Terras Estadual, é a base de toda regularização fundiária no Estado.

As tentativas de povoamento da região norte do Espírito Santo vinham sendo realizadas desde início do século XIX. Nessa tarefa destacamos os trabalhos de Silva Pontes, ainda no período do sistema de Capitanias, e, na primeira República (1889-1930), os governos de todos os Presidentes de Estado, principalmente, a contribuição do engenheiro Dr. Moacyr Avidos, que, embora contasse com apoio do Governo, nada de concreto conseguiu realizar.

A partir de 1924, o que se fez com relação àquela região, foi favorecer a colonização particular com o auxílio da Diretoria do Povoamento. Outra experiência naquele sentido foi realizada no governo de Nestor Gomes, com a criação da COMPANHIA TERRITORIAL, cuja diretoria era formada pelo Dr. Atílio Viváqua, Cel. Ildefonso Brito e Artur Oberland Tibaul. Com muitos claros, durante sua existência, chegou a introduzir imigrantes na região de Colatina e São Mateus. Essa companhia foi extinta pelo governador Capitão João Punaro Bley, em 1936.

Medidas governamentais, no sentido de regularizar o serviço de venda de terras, foram adotadas no governo do Dr. Aristeu Borges de Aguiar, com a Lei 1.711 de 18-02-1929, que se constituiu, de fato, na primeira LEI DE TERRAS ESTADUAL. Daí em diante, sob a égide desse documento histórico-legal, nasceu a Diretoria de Agricultura, Terras e Obras, subordinada à Secretaria da Agricultura. A lei estabelece as condições de venda de terras devolutas do Estado.

Desde que o governo republicano passou o controle das terras devolutas e o problema da colonização e imigração aos estados, a política adotada, através de núcleos oficiais, além de ser onerosa, resultou (com raras exceções) em agrupamentos que, cessada a assistência governamental, definhavam na economia de subsistência.

A lei 1.711, além de definir e separar terras devolutas de terras públicas, estabeleceu, em seu Capítulo V, as terras legítimas. Por outro lado, ao determinar a extensão dos lotes, classifica a terra, para fins de aquisição, em lotes agrícolas e lotes pastoris.

O artigo 60 dizia: "a maior área de terras que cada comprador poderá adquirir será de 150 hectares, quando forem de lavoura, e de 200 quando forem de criação ou situados em zonas alagadiças". Ao determinar a extensão da área, abre a seguinte concessão: "se o adquirente tiver mais de três filhos menores que vivam em sua companhia, ser lhe-á permitida a aquisição de área maior, na proporção de 25 hectares para cada filho, quando se tratar de lotes agrícolas, e de 50 hectares quando se tratar de lotes pastoris".

Em seu artigo 7º, a lei abre novas prerrogativas ao determinar que, "mediante escrituras condicionais, poderão ser concedidas áreas maiores, a cada indivíduo ou sociedade com a necessária idoneidade e capacidade financeira, para o fim de:

- introdução e desenvolvimento metódico de culturas e indústrias em geral, formação de fazendas convenientes à economia nacional, até o máximo de 2.000 hectares;

- instalação de estabelecimentos pastoris, de indústria de carne ou laticínios, até o máximo de 10,000 hectares; fundação de núcleos coloniais e localização de colonos nacionais ou estrangeiros, até o máximo de 50.000 hectares na forma do regulamento".

Quanto ao preço de venda das terras, o artigo 80 estabelecia, para as áreas prescritas no artigo 6º, o valor de 40$000 (quarenta mil réis) por hectare, compreendendo as despesas de medição e expediente, exceto os terrenos reconhecidamente estéreis e alagadiços, cujo preço sofreria uma redução de até 50%.

Para as áreas referidas no artigo 7º o preço seria de 20$000 (vinte mil réis) exclusive as despesas de medição.

Quanto à venda a prazo, este não ultrapassaria cinco anos, mediante prestações anuais ou semestrais (art. 9º). Determinava o artigo 10º prorrogação de pagamento para os casos de calamidade pública, danos inevitáveis com a lavoura, moléstias, etc.

Foi esta lei tão bem elaborada que, em seu capítulo V, determinava a possibilidade da "concessão de terras gratuitas a cidadãos brasileiros chefes de família, que provarem ser homens aptos para o trabalho e ter bom procedimento". Neste caso, o Poder Executivo poderá conceder gratuitamente um lote agrícola de 25 hectares ou um lote pastoril de 50 hectares, desde que observadas as seguintes disposições:

- o concessionário obrigar-se-á a cultivar o lote ou utilizá-lo para indústria pastoril e nele edificar e residir dentro do prazo de um ano, recebendo um título provisório;

- dentro do prazo de dois anos, deverá o concessionário efetuar o pagamento do preço da respectiva medição; nenhum requerente poderá, por si, ou por interposta pessoa, obter concessão de mais de um lote;

- o concessionário não poderá derrubar árvores, além das necessidades da cultura, ou deixar de aproveitar a área derribada;

- o inadimplimento das condições acima referidas, dentro dos prazos legais, dá lugar à pena de commisso, com perda das benfeitorias;

- cumpridas as obrigações constantes dos números 1º e 2º deste artigo, a Secretaria da Agricultura, Terras e Obras ordenará a lavratura do título definitivo;

- a concessão é pessoal e feita com a cláusula de inalienabilidade, enquanto existirem a viúva do comprador ou filhos menores deste;

- se o concessionário falecer antes de satisfazer as condições dos nºs 1º e 2º deste artigo (14º), a viúva ou herdeiros poderão assinar o competente termo, tomando a si as obrigações do de cujus;

- se não houver viúva nem herdeiros necessários, o terreno voltará ao domínio do Estado.

Foi mais longe esta lei. Em seu artigo 17º dizia: "aos atuais ocupantes de terras de aldeias de índios, que requererem e provarem descender de índios aldeados, serão distribuídos gratuitamente, a título definitivo, lotes nunca maiores de 30 hectares, na proporção de um para cada família ou indivíduo emancipado".

Visando incentivar o ensino agrícola no Estado, a lei concedia, em seu artigo 18º, concessão gratuita de um lote de terra de 30 hectares, "aos filhos do Estado que determinarem sua educação nas escolas superiores ou secundárias de agricultura ou veterinária, oficiais ou oficializadas".

Também, para incentivar a produção de cacau, a lei previa em seu artigo 19º: "os atuais ou futuros agricultores de cacau dos vales do Rio Doce, São Mateus e Itaúnas que plantaram ou plantarem pelo menos seis mil cacaueiros na distância mínima de quatro metros pé a pé, conservando-os em bom estado de tratamento e sem falhas durante três anos, terão direito aos terrenos cultivados e aos adjacentes na proporção de um hectare para cada grupo de duzentos cacaueiros".

(O artigo 20º determinava: o benefício do artigo antecedente consumar-se pela escritura definitiva do terreno, sempre que se tratar de agricultores que já possuírem cultura suficiente, com idade mínima de três anos, ou constará de escritura provisória, sempre que se tratar de agricultores iniciantes, entendendo-se que as escrituras provisórias se tornarão definitivas, uma vez que a cultura atingir a idade de três anos".

Os agricultores habilitados ao benefício da presente lei recebiam o terreno gratuitamente, pagando apenas as despesas de medição. No entanto, a lei estabelecia sanções, conforme o que diz o artigo 23º: ao celebrarem o contrato, o lavrador obrigava-se ao início imediato da cultura (quando iniciante) até o quinto ano do contrato. Se nesse tempo o lavrador abandonasse a cultura do cacau, ou deixasse de aproveitar o terreno convenientemente, esse se reverteria ao Estado, sem direito a qualquer indenização.

Além do tratamento dado às terras rurais, a lei também estabeleceu normas de concessão de terras para fundação ou desenvolvimento de núcleos urbanos, assim como estabeleceu valores e normas para venda de lotes urbanos (art. 62).

A lei privilegia aqueles que querem produzir. A terra é um bem de produção e a destinação de terras devolutas a trabalhadores rurais sem terra se constituiu em um dos objetivos do governo do estado daquela época.

A lei 1.711 ainda assegura aos ocupantes de terras sem posse legítima, que provarem a existência de cultura efetiva pelo menos da quinta parte dos terrenos ocupados, o direito à regularização. Desta forma, o uso da propriedade rural está condicionado à função social da terra, que vai se tornar legislação Constitucional em 1934 e mantida na Constituição de 1946, para ser definitivamente assegurada pela lei 4.504/64.  A lei 1.711 pode ser considerada como uma lei que procurou dar uma solução democrática para o problema fundiário do Espírito Santo e o período de 1929 a 1952 pode ser considerado como o de maior ação do Estado no processo de regularização fundiária.*

 

* Esta lei foi revogada com a promulgação, da lei nº 617 de 31-12-1952, que, por sua vez, será revogada pela lei 3.412 de 03-06-1981. Atualmente se encontra em vigor o PLANO REGIONAL DE REFORMA AGRÁRIA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, aprovado pelo presidente da república, José Sarney.

Esta é a segunda e última parte deste artigo, que foi publicado no número anterior da Revista IJSN.

 

Fonte: Revista Fundação Jones dos Santos Neves ANO V, nº 3 – jul/setembro de 1986, Vitória – Espírito Santo
Autora: Sonia Demoner (Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Professora da UFES. Mestre em História Social e Pós-Graduada em Direito Agrário pela USP.)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2017

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