Morro do Moreno: Desde 1535
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Como nasceu a Vitória – Por Areobaldo Lellis

Circundada por montanhas desabitadas, os seus extremos eram ligados, a partir das Pedreiras, hoje Barão Monjardim

Na distribuição das Capitanias em que foi dividido o Brasil poucos anos após o seu descobrimento, coube o nosso território a Vasco Fernandes Coutinho. Chegou o fidalgo português às nossas plagas a 23 de maio de 1535, acompanhando-o, além de dois degredados, cerca de sessenta homens, cujos nomes as narrativas históricas não revelam em sua totalidade. Aportou essa gente na enseada de Vila Velha, desembarcando em uma de suas praias e por ali se instalando. Tendo em apreço a evocação religiosa da data, comemorativa do Espírito Santo, deu o donatário aquele nome ao nosso território. Fundava-se, desse modo, a Capitania do Espírito Santo.

Como sucedeu nas demais Capitanias, em relação aos seus donatários, encontraram os primeiros colonizadores do Espírito Santo a resistência dos indígenas, com os quais tiveram de travar contínuas lutas. Tão contínuas eram as investidas das tribos que, por várias vezes, tentaram os colonizadores abandonar aquela localidade, transferindo-se para a ilha de Santo Amaro ou Santo Antônio, ilha onde mais tarde, era construída a cidade da Vitória. As primeiras tentativas no sentido de se localizar Vasco Coutinho e sua gente resultaram inúteis, ante a resistência dos indígenas que habitavam a ilha, segundo tradição histórica.

Malgrado não serem conhecidos, pelos nomes, quantos vieram, naquela primeira viagem, com o donatário, um destacou-se entre eles pela sua bravura e ótimos serviços prestados na defesa dos colonizadores contra os ataques dos índios. Chamou-se ele Duarte Lemos a quem, cinco anos após a chegada aqui do fidalgo donatário, foi por ele doada a ilha de Santo Amaro, em 20 de agosto de 1540, alcançando confirmação régia por alvará, assinado em Almeirim, em janeiro de 1549. Passou-se, então, a ilha a chamar-se Duarte de Lemos. Dois anos depois, conseguiam os colonizadores firmar pé, definitivamente, na ilha, expulsando os elementos aborígines, após uma batalha travada na colina que constitui hoje a parte alta da cidade, referindo a tradição histórica haver a luta tido o seu término no local onde, mais tarde, foi construída a igreja de Nossa Senhora da Vitória, para seu culto, por ter sido ferido o combate a 8 de setembro de 1551, dia consagrado à Virgem Maria, invocada com aquele nome. Deram também aqueles nossos primeiros colonizadores o nome de Vitória ao povoado, que fundaram, considerando sua padroeira Nossa Senhora da Vitória. O 8 de setembro marca, assim,  a data da fundação da nossa Capital, em 1551, conforme nos fala a tradição histórica. Segundo essa mesma tradição, encontraram os seus fundadores extensas plantações de mandioca e milho, às quais os índios chamavam capixaba. Com este nome, guardada pela tradição, são denominadas algumas dessas plantações, principalmente as de mandioca, feijão e milho, sendo vulgar chamar-se a tais culturas, quando em pleno desenvolvimento, capixaba de milho, capixaba de feijão, capixaba de mandioca.

E como nos fala ainda a tradição, estenderam-se, naquela época da fundação, tais plantações, da parte que vai da igreja do Rosário às Pedreiras, deu-se, mais tarde, o nome de Capixaba ao bairro que ali se ergueu.

Por esse mesmo motivo os filhos desta cidade começaram a ser denominados capixabas, envolvendo hoje o apelido, honroso para nós, a todos os espírito-santenses.

VITÓRIA DE 1889

O advento do regime republicano veio encontrar a velha capital da Província do Espírito Santo na mesma estagnação de algumas décadas atrás, sem qualquer vislumbre de desenvolvimento urbanístico ou social. Seu aspecto topográfico era o mesmo, os mesmos sendo seus hábitos, seus costumes e suas tradições. A população não chegava a oito mil almas, ordeira e acolhedora. A cidade, pequenina, já era conhecida por "cidade presepe" apelido que lhe deram os que aqui aportavam, via marítima, a cujas vistas ela surgia, como emergindo do mar, em sua casaria branca, e uniforme no tipo das construções, tendo a realçar-lhe o encantamento da perspectiva o fundo verde-escuro das montanhas desabitadas.

De início edificada no alto da colina que constitui hoje sua parte alta, veio aos poucos a cidade descendo, em busca do mar, estendendo-se pela fralda da montanha, na atual Rua Duque de Caxias. denominada naquela época, Rua da Praia, porque sobre o mar ela se debruçava.

Era o começo da luta do homem contra a natureza, luta que teve os seus períodos de violência e de repouso, que atravessou idades e que prossegue presentemente, como irrevogável da evolução.

Ganhas as primeiras etapas desta longa e duradoura refrega, a Vitória de 1889 tinha ainda por vencer porções outras do mar que lhe dariam, mais tarde, a Avenida da República, o Parque Moscoso com suas ruas adjacentes, parte da Rua 7 de Setembro e da rua Jerônimo Monteiro e as atuais avenidas que se alongam à sua margem.

Estendiam-se ela das Pedreiras ao fim da Avenida Schmidt.

As Pedreiras marcavam a entrada pelo lado norte. Batizou assim o povo a esse extremo da cidade, devido ao volumoso mole de granito que ainda hoje, ali se levanta, pouco adiante do agrupamento das atuais ruas Barão de Monjardim e Henrique Novais. Fechava a cidade, nesse local, uma grande cancela de madeira, que se abria para o norte, dando passagem a quem demandasse o Forte de São João, antiga fortaleza abandonada e o pequeno povoado de Jucutuquara, por um estreito caminho, marginado por grande e luxuriante vegetação.

Recorda hoje o velho povoado, a rua que estende, no populoso bairro, pela orla do morro do mesmo nome, rua ainda hoje conhecida como "Jucutuquara".

Circundada a cidade por um sistema de pequenas montanhas, desabitadas, os seus extremos eram ligados, a partir das Pedreiras, pela ordenação das seguintes ruas: das Pedreiras, hoje Barão Monjardim; Capixaba; Ladeira Pernambuco; Rua do Rosário; Pereira Pinto, atual Carlos Gomes; Alfândega; Primeiro de Março; Porto dos Padres e Avenida Schimidt.

A Rua da Capixaba dava o nome ao bairro e alcançava a Ladeira de Pernambuco na altura da atual Rua Araribóia, no ponto em que existe, hoje, a escadaria de dois lanços que lhe dão acesso.

A Ladeira possuía a forma de um semicírculo, de concavidade para baixo, tendo seu início, como ainda hoje, na Rua do Rosário. A Pereira Pinto estendia-se, em linha reta, do ponto em que a do Rosário faz esquina hoje com o teatro Carlos Gomes, até o Jardim Municipal, quebrando em ângulo reto até alcançar a Rua da Alfândega.

Além dessas ruas, Vitória possuía mais, em sua parte baixa, as seguintes: Em prolongamento da Rua do Rosário, a dos Quadros, que terminava na de São Bento. Esta começava no fim da Rua da Várzea, sendo continuada pela Ladeira de São Bento, que tinha o seu término na chácara de João Crisóstomo, mais tarde chácara do Muniz, por passar a ser propriedade do Dr. Muniz Freire; a da Várzea, começando na Fonte Grande, local hoje conhecido por Convertidora, terminando no fim da Ladeira da Várzea. Neste ponto partia uma ponte, ligando à Rua São Bento, por passar aí o Reguinho que, margeando o Largo da Conceição, lançava as suas águas no mar, pela Prainha. O Reguinho coletava as águas pluviais do Morro do Bastos e adjacências, assim como as da Fonte Grande, seguindo por detrás da Rua da Várzea, continuando depois, a céu aberto, caminho do mar; a do Piolho, hoje Treze de Maio, começando no fim da Ladeira da Várzea, terminando em uma segunda ponte que, passando sobre o Reguinho, a ligava ao Largo da Conceição; a Duque de Caxias, antiga da Praia, a mesma hoje existente e guardando o mesmo aspecto; a atual General Osório, terminando na Ladeira do Egito, seguindo-se a da Lapa, hoje Thiers Veloso, guardando a mesma extensão. Existiam, na Cidade Baixa, as Ruas Pereira Pinto que, em linha reta, ia da Rua do Rosário ao Jardim Municipal; a do Sacramento, continuação da ladeira do mesmo nome; a de Dom Manuel, que terminava no mar, com o nome de Beco do Estanque; e a Rua Fresca, terminando também no mar, todas desaparecidas para permitir o alargamento do Largo da Conceição que passou a chamar-se Praça da Independência, hoje conhecida como Praça Costa Pereira.

No fim da Rua Sacramento, que terminava no mar, como as duas últimas que lhe eram paralelas, existiu a "Banca do Peixe" para a venda do pescado, antes de ser construído o nosso primeiro Mercado, demolido mais tarde para construir-se o edifício atual dos Correios e Telégrafos.

Existiam na Cidade Alta as seguintes ruas: do Cruzeiro, começando no alto da ladeira da Tapera e terminando no cruzeiro existente no início da ladeira do Convento de S. Francisco, em frente à ladeira do Carmo que continuava com a rua do mesmo nome, atual Coronel Monjardim; a de S. Francisco, ainda existente e terminando no Largo de Santa Luzia; a do Egito, hoje Francisco Araújo; a Rua Grande, atual José Marcelino; a do Congresso, atual Muniz Freire; a do Beco, paralela à José Marcelino, ligando o Largo de Santa Luzia ao da Matriz, atual Catedral; a Domingos Martins, começando no fim da José Marcelino e terminando no alto da então Ladeira Maria Ortiz, aí tendo início a Pedro Palácios até o largo da Misericórdia, atual Praça João Clímaco. Paralelamente a essas duas ruas, existiam a das Flores, hoje Dionísio Resende e a rua nova, em continuação. Entre o fim da Ladeira da Várzea e a do Carmo, existia o "Pelame", afites pertencente a um certo tenente Rufino, que ali fizera uma grande horta. Mais tarde desapropriada foi denominado pelo povo "Pelame", ou "Espelame" hoje ocupado pelas ruas Coutinho Mascarenhas e Gama Rosa.

Naquela época, a cidade contava, também, com as seguintes ladeiras, ligando a parte baixa da cidade à parte alta; Ladeira da Pedra, do Sacramento, da Matriz, Maria Ortiz, Santos Pinto ou do Chafariz, da Misericórdia e dos Correios, todas dando para o mar; Ladeira do Egito, da Tapera, do Carmo, do Mulundum, de São Bento, Professor Baltazar e Dr. Azambuja. Não mais existe a da Misericórdia, que ia da igreja deste nome, ao fim da Rua Duque de Caxias. A dos Correios e a do Chafariz são hoje constituídas da Nestor Gomes, tendo em sua construção feito desaparecer a Rua Santos Pinto, antiga da Imprensa, a qual ligava as duas ladeiras. A do Chafariz era assim também chamada, por ter no seu término um chafariz que servia aos moradores daquele trecho. A da Tapera também desapareceu. Ligava ela o cais de São João à Rua do Cruzeiro, que se estendia ao lado direito da ladeira do convento de São Francisco, morrendo em uma escadaria que dava acesso à igreja da Penitência, anexa ao convento. Era ladeira acidentada e servia aos franciscanos do convento, para cujo fim foi aberta.

Naquela época, possuía a Vitória as seguintes praças: Largo da Matriz, de Santa Luzia, Praça João Clímaco, na cidade alta, e na cidade baixa, Paula Castro ou Pelames, onde mais tarde se rasgaram as ruas Gama Rosa e Coutinho Mascarenhas; da Conceição, da Alfândega, chamada antes "Praça Grande", hoje, Praça Oito; a do Imperador, depois Marechal Hermes, ora desaparecida com a construção da Avenida do Porto. Essa praça se estendia da escadinha do céu — escadaria que dá acesso ao Palácio do Governo — até o mar. Foi ela o único trecho da cidade, até o presente, asfaltado. O edifício em que funcionava o Mercado, local onde se levanta o dos Correios e Telégrafos, era também chamado Praça do Mercado, assim como a pequena praia, conhecida por "Obra da Batalha", na qual terminava a Rua do Rosário, para o lado do mar.

Era a cidade, há sessenta anos atrás, provida de pontos de desembarque: tínhamos o cais do Mercado, para a chegada do que se destinava àquele centro comercial; Cais Grande, onde terminava o largo da Alfândega, e Cais do Imperador, para desembarque de passageiros, vindos por via marítima; Cais do Porto dos Padres, para chegada dos produtos procedentes do continente e da pequena lavoura. O Cais Grande recebeu depois os nomes dos largos que ele fechava para o lado do mar, o mesmo sucedendo ao do Imperador.

Chamava-se Reguinho a larga vala que, começando na lavanderia existente na antiga Fonte Grande, dava escoamento às águas pluviais dos morros daquela parte da cidade, das servidas na aludida fonte de lavagem de roupa e as águas descidas das nascentes daqueles morros, não aproveitáveis para o abastecimento da população.

Construída a lavanderia onde se edificou a Convertedora, as águas deram origem àquela vala, depois rumo ao mar, seguindo por detrás da atual Rua Sete até a altura da atual Rua Professor Baltazar, onde, formando um S, ganhava a rua Sete, continuando-a para alcançar o Largo da Conceição, indo lançar-se à Prainha, hoje rua Barão Itapemirim. Daí as três pontes de madeira sobre ela construídas, ligando os trechos de rua acima referidos.

O Reguinho, que era a céu aberto, desapareceu na administração municipal de Cleto Nunes, estendendo-se assim a rua Sete até aquele largo.

O atual Parque Moscoso, compreendendo as ruas José Anchieta, Henrique Coutinho, Washington Pessoa, Avenida República e Cleto Nunes era um vasto mangal, que se enchia na enchente da maré. A sua entrada se fazia por um largo e fundo canal, espraiando-se até à base dos morros, que o cercavam e à colina onde se acha o Hospital de Misericórdia.

O aterro foi iniciado nos últimos dias do regime passado, prosseguindo nas administrações do novo, pela Companhia Torrens, da qual era presidente nosso conterrâneo engenheiro, Alfredo Pacca, com escritório, a princípio, nos baixos do prédio residencial do Dr. Francisco Cerqueira Lima, depois nos do edifício onde ora funciona o Colégio São Vicente de Paula.

Não foram completos os trabalhos, nem mesmo os de terraplenagem, permanecendo o canal, que só desapareceu no Governo Jerônimo Monteiro. Sobre o canal existia uma ponte de madeira ligando a rua 1° de Março. Até então, a parte aterrada passou a ser conhecida pelo nome de "Campinho," denominando-se "Parque Moscoso", após as obras de remodelação da cidade, realizadas por aquela administração, em consequência das quais surgiram o referido parque e as avenidas e rua ali existentes.

Tal era o aspecto urbanístico de Vitória, ao tempo de minha infância, indo das Pedreiras à Santa Casa. Só após o aterro, na administração Muniz Freire, teve início a expansão da cidade para a zona norte, com o aparecimento da "cidade de Palha", assim chamada devido à cobertura das mesmas, hoje denominada Vila Rubim.

Uma nota interessante, relativa aos trabalhos de aterro do antigo "Campinho", foi a ajuda dada pelo então delegado da polícia, Capitão Cardoso, que fazia prender e raspar a cabeça das raparigas vadias, empregando-as no serviço de aterro, com sentinela à vista, o que determinou a correria das mesmas, da vadiagem, para o emprego doméstico.

 

Fonte: A Vitória do meu tempo – Academia Espírito-Santense de Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 2007 – Vitória/ES
Autor: Areobaldo Lellis Horta
Organização e revisão: Francisco Aurélio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ maio/2020

 

 

 

 

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