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De Igrejas e galerias de arte – Por Francisco Aurélio Ribeiro

Trecho da Rua Muniz Freire com o chafariz no Largo da Capela de Santa Luzia

1.Santa Luzia: uma igreja que virou galeria de arte

Não tenho muita intimidade com as igrejas de Vitória. Às vezes, assisto a alguns casamentos na Santa Rita, missa de sétimo dia na catedral ou consertos na capela do Carmo ou do Rosário (de excelente acústica). Duas delas, no entanto, me deram um envolvimento maior pela função que exerço, hoje, de secretário de Produção e Difusão Cultural da UFES: a capela de Santa Luzia e a capela da UFES.

Segundo Maria Stella de Novaes, em meados do século XVIII, a principal rua de Vitória era a de Santa Luzia, onde se encontrava a igreja de Santa Luzia, na parte alta da cidade. Ela fazia parte, juntamente com os templos de Nossa Senhora de Vitória (a matriz) e a de Santiago, dos monumentos mais importantes da vila. Tombada pelo serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na década de 50, foi restaurada e utilizada como museu de arte sacra, de 1950 a 1970, aproximadamente.

A partir de 1976, a capela de Santa Luzia passou a funcionar como galeria de arte, vindo a preencher uma lacuna até então existente no campo das artes plásticas do Espírito Santo. Vitória não possuía galerias de arte, como hoje, e, pela Santa Luzia, expuseram importantes artistas do cenário nacional como: Rubens Gerchman, Dionísio Del Santo, Fayga Ostrower, Arlindo Daibert, João Carneiro da Cunha, Evandro Martins, Abelardo Zaluar, José Alberto de Pinho Neves, Manfredo de Souza Neto, Antônio Henrique, Darel, Rubens Grilo, Paulo Laender, Homero Massena, Carlos Scliar, Romildo Paiva, João Calixto, Lygia Pape, Paulo Herkenhoff, Milton Machado, José Resende, Ligia Clark, Antônio Henrique do Amaral, Carlos Martins, dentre vários outros. Dos artistas locais, todos os mais representativos lá expuseram: Maria Helena Lindenberg, Jeveaux, Raphael Samú, Nice, Isabel Braga, Márcia Capovilla, Neusa Mendes, Nelma Pezzin, Denise Pimenta, Rogério Medeiros, Freda Jardim, Mauro Starling, Jerusa Samú, Delton Souza, Sandro Teixeira, Isabel Helena, Loio Persio, Regina Chulam, Carmen Có, Regina Katz, Attílio Colnago, Joyce Brandão, Marian Rabello, Ely Vicentini, Telma Guimarães, Renato Caseira, Hilal, Lando, Lincoln, Romulo Zanol, Romulo Cardoso, Nelma Guimarães, Vilar e muitos outros.

De 1977 a 1980, a galeria de capela de Santa Luzia contou com o apoio da Funarte e viveu do seu auge. Três catálogos foram editados com a produção do acervo acumulado até 1984. Cerca de 30 exposições foram realizadas, de 1984 a 1987, destacando-se as de 1986, sobre Pesquisa/Arte e a Jovem Arte Brasileira. De 1986 a 1990, várias mostras foram feitas, em seus vários projetos: Pintura Brasil/Tendências 1977/1978; Escultura Sudeste Brasileiro; Pintura Objeto, etc. A Galeria de Arte e Pesquisa da UFES foi a grande escola de todos os artistas plásticos formados pelo Centro de Artes da UFES.

Em 1990, o fatídico governo Collor extinguiu a Funarte, a Embrafilme, o SPHAN, e todos os projetos culturais brasileiros foram por água abaixo. Também a Galeria de Arte e Pesquisa da UFES sofreu as consequências. Em 1992, com a nova administração da UFES, foi extinto o cargo de coordenador do Setor de Galerias do Centro de Artes e suas atribuições ficaram a cargo da Coordenação de Artes Plásticas da Secretaria de Produção e Difusão Cultural da UFES.

Aí entra a minha relação mais direta com a capela de Santa Luzia. Pude conhecê-la, mais de perto, a partir de 1992, como secretário de Produção e Difusão Cultural da UFES, e o seu abandono e estado precário de conservação, conforme a recebi. Senti a solidão de suas paredes úmidas, cujo maior barulho parecia ser o dos cupins corroendo seu retábulo centenário. De imediato, percebi que faltavam santos na capela. Não fui atraído pelas obras artísticas que lá se expunham, mas pela religiosidade que emana daquele lugar. Olhava a ladeira calçada com pedras seculares e parecia ver chegarem senhoras encurvadas em suas saias longas e véus na cabeça para rezarem à santa padroeira da visão, que vamos todos perdendo aos poucos.

Minha primeira produção cultural na capela de Santa Luzia foi o lançamento do disco Modinha Capixaba, da profª Terezinha Dora Abreu de Carvalho, no dia 02/04/92. Houve uma apresentação do Coral Opus Livre, regido pelo maestro Claudio Modesto, e da Camerata Sarau Moderno, em que foram tocadas composições do disco recém-lançado. Para mim, foi uma noite mágica, inesquecível, pela energia exalada da capela e da profª Terezinha Dora, já que o disco era dedicado à memória de sua filha Doris, falecida em trágico acidente, naquela mesma data. Naquele ano, realizamos lá três exposições: de Celso Adolfo, Nelma Guimarães e “Visões de Vitória”, uma bela homenagem de vários artistas brasileiros, em forma de cartão-postal, à cidade que aniversariava. De 1993 até hoje, a capela voltou à administração do Centro de Artes, que tem realizado poucas exposições lá, devido ao mau estado da mesma e às outras opções que surgiram na cidade. Hoje, a cidade de Vitória possui boas opções de galerias de arte: a Homero Massena foi reformada; criaram-se as galerias do Banco Itaú, Escelsa, Yázigi, a da Fafi, dentre várias outras; a própria UFES inaugurou, em setembro de 1994, um novo espaço cultural no Centro de Vivência construído no campus.

É hora de a capela de Santa Luzia ter um novo destino. Não se justifica mais que ela continue sendo galeria de arte da UFES. Os mesmos artistas que foram tão beneficiados com sua existência devem estar certos disso. É preciso restaurar as peças sacras que restaram e devolvê-las à capela, de onde não deveriam ter saído, e que possam ser conservadas e vistas pelos capixabas e turistas, que procuram um pouco do passado desta cidade secular. É preciso reconstruir o retábulo, já que não dá para recuperá-lo mais, e instalar lá, de novo, a imagem de Santa Luzia, para que seus devotos da ilha de Vitória retomem suas preces feitas há 300 anos e peçam, carinhosamente, a Santa Luzia, que interceda junto ao Altíssimo para que não nos deixe faltar esse bem tão precioso, sobretudo ao artista: a visão. Italo Calvino, em suas “Seis propostas para o próximo milênio”, destaca a “visibilidade”. Sem ela, o mundo não evoluirá. Que Santa Luzia nos ajude a mantê-la, ou a recobrá-la.

2. Capela da UFES: uma galeria de arte que é igreja.

Há alguns anos atrás, houve um movimento dentro da UFES e que se estendeu à comunidade externa, para que a UFES tivesse sua capela. Constitui-se uma comissão, fez-se um projeto e uma campanha para arrecadar fundos. O projeto era grandioso e uma área de 3.000 m² no campus de Goiabeiras foi destinada à sua execução. Como a verba era insuficiente, o projeto foi adiado, a comissão se aquietou e tudo ficou como “dantes no quartel de Abrantes”.

Em 1994, foi inaugurada a primeira fase do Centro de Vivência da UFES, com o Cine Metrópolis, as salas que serão comercializadas para gerar recursos para a manutenção de alunos-bolsistas e, no segundo piso, uma sala para a associação dos ex-alunos e outra para a dos aposentados. Ao final do corredor, criou-se um espaço cultural, para servir de galeria de arte, pequenos concertos, assinaturas de convênios, lançamentos de livros, etc. Entusiasmado com o resultado final e as primeiras exposições ali feitas com o acervo da UFES, o reitor teve a ideia de criar, junto ao espaço cultural, um espaço ecumênico para orações.

Graças à sensibilidade da artista plástica Neusa Mendes e à disponibilidade de Maria Luísa Dumans, foi possível inaugurar a capela da UFES, no dia 22/12, com um culto celebrado pelo arcebispo de Vitória, Dom Silvestre, o pastor e ex-professor da UFES, Joaquim Beato, e o pastor Oliveira de Araújo. A capela é pequena, porém aconchegante e foi muito bem concebida pelos artistas da UFES. A Companhia de Mosaicos formada por Freda Jardim, Celso Adolfo, Jeveaux e Rosana Paste foi responsável pelos vitrais da janela. Lorenzutti fez a cruz de vidro e o jateamento no vidro da porta. A decoradora Maria Cristina Barros assistiu o projeto; as cadeiras, suas cores e disposição, as cores das paredes e a concepção do altar são de Neusa Mendes. Enfim, a capela da UFES é uma galeria de arte concebida para ser um espaço de oração e recolhimento para todos os credos e crenças. Ganhou a UFES, a cidade de Vitória e todos nós mais um lugar para desenvolver a espiritualidade nesses tempos pós-modernos, em que o materialismo e o consumismo nos consomem e em que somos consumidos.

 

Escritos de Vitória – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES, 1996
Prefeito Municipal: Paulo Hartung
Secretária Municipal de Cultura e Turismo: Jorge Alencar
Conselho Editorial: Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Assessoria Técnica: Biblioteca Municipal de Vitória
Revisão: Reinaldo Santos Neves, Enyldo Caravalinho Filho
Capa: Paulo Bonino
Editoração Eletrônica: Edson Maltez Heringer
Impressão: Gráfica Ita
Fonte: Escritos de Vitória, nº 9 Igrejas, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – PMV, 1995
exto: Francisco Aurélio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2018



GALERIA:

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