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Demarcação de limites entre Espírito Santo e Minas Gerais – 1800 (Parte 1)

Capa do Livro: Pré-Memória do Governador Silva Pontes

Demarcação de limites entre Espírito Santo e Minas Gerais – 1800. [ES – CX – 3, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, Portugal]

Auto de Demarcação de Limites entre a Capitania de Minas Gerais, e a Nova Provincia do Espirito Sancto para effeito de se estabellecerem os Registros, e Destacamentos respectivos segundo as Reais Ordens do Principe Regente Nosso Senhor e avantajoza communicação de Correios para os Povos do interior com as Regiões Maritimas.

No dia oito de oitubro de 1800, em o Quartel do Porto de Soiza por baixo da foz do Rio Guandú, que entra no Rio Doce, tambem por baixo do ultimo degrau da Caxoeira das Escadinhas, sendo prezentes por parte do Illmo. e Excmo. Senhor Governador, e Capitão General da Capitania de Minas Gerais, Bernardo José de Lorena, o Tenente Coronel do 3° Regimento de Cavallaria de Milicias João Baptista dos Sanctos e Araujo, e pela parte da Capitania Nova do Espirito Sancto o Governador della Antonio Pirez da Silva Pontes, que veio dar execução á Real abertura da Navegação do Rio Doce, sendo igoalmente prezentes os officiais, e pessôas ábaixo assignadas: foi assentado por todos, que á bem do Real Serviço do Principe Regente, nosso Senhor, e comprimento de suas Augustas Ordens, e arrecadação dos Direitos Reais, havendo-se de demarcar os Limites das duas Capitanias confinantes, fossem estes pelo espigão que corre de norte á sul, entre os Rios Guandu, e Main-assú, e não pela corrente do Rio, por ser esta de sua natureza tortuoza, e incomoda para a boa guarda; e que do dicto Espigão agoas vertentes para o Guandu, seja o Districto da Capitania, ou Nova Provincia do Espirito Sancto, e que pela parte do Norte do Rio Doce servisse de demarcação a Serra de Souza, que tem a sua testa elevada de fronte deste Quartel, e Porto de Soiza (1); e d'elle vai acompanhando o Rio Doce, até confrontar com o Espigão assima referido; ou serrote que separa as vertentes dos dous Rios Main-assú (2), e Guandú; e que assim ficava já estabellescido neste Porto de Soiza, em que se termina a Navegação facil de Oceano o Destacamento e Registro da Nova Provincia; comandado por hum alferes de linha, hum Cadete, hum Cabo de linha e dez Soldados de Linha, hum Cabo de Pedestres e vinte soldados, huma Peça de Artilheria de 3, montada em carreta de ferro, municiada de polvora, bala e metralha, o Quartel defensado com estacada para proteger de mão comum, com o Destacamento do Porto da Regencia da Barra do Rio Doce, a comunicação das Minas Gerais com o Oceano, em que pela felicidade, e Benção do Ceo, que acompanha a Regencia Augusta do Principe, nosso Senhor, se rompeo a difficuldade que se dizia invencivel, intrando, e sahindo as lanchas do alto pela dicta Barra; e portanto podendo julgar-se este Porto de Soiza, como Porto criado pela Providencia para a Capitania de Minas Gerais; achando-se huma legoa de distancia das terras da Capitania de Minas este Porto pacifico, e donde até o Reyno se podem conduzir as Mercadorias territoriaes (3); ficando tambem muito cômoda a foz do Rio Main-assú para S.Exca. o Senhor General das Minas estabellescer os Registros, e forças contra o Gentio Botocudo (4); por onde se estabellesça a segurança dos Carregadores das duas Colonias. E por assim se Ter assintado ser de bom Serviço de S. Alteza o Principe Regente, nosso Senhor, se fez este Auto, que assignamos.

Ten.Cel. João Baptista dos Sanctos e Araujo Antonio Pirez da Silva Pontes Pela Capitania de Minas Governador da Provincia.

 

NOTAS

1 Porto de Souza nome dado em honra do Conde de Linhares, destruido ao longo do tempo e situado hoje onde está a cidade de Aimorés, M.G.

2 Main-Assu — hoje Manhuaçu — traçou-se o limite pelo espigão desse rio, afluente do rio Doce. O val do rio foi descartado, como fixação para a linha limítrofe, em virtude do seu curso tortuoso. O Espírito Santo de Capitania (subordinada à Bahia) no Auto passa a Nova Província. Hoje, o rio banha a cidade de Manhuaçu, MG, às margens da rodovia BR 262, que liga Vitória a Belo Horizonte.

3 Atribui-se ao Venerável Padre Anchieta a frase: "o rio Doce será sempre cobiçado, mas jamais conquistado". Como em toda futurologia, a realidade ultrapassou a profecia. Em 1800, seguindo ordens do Rei, o Governador Silva Pontes preocupou-se com a abertura e navegação desse rio, pelo qual transitou com uma lancha e canoas e achou "franco e bom", certamente para dar como cumprida sua missão e agradar a seus superiores. Tanto isto é fato que, o testemunho de Eschewege diz que a carga de sal fora posta em terra 23 vezes, para fugir dos encachoeirados do rio, sem falar nos ferozes ataques dos botocudos. (Cf. José Teixeira de Oliveira, História do Estado do Espírito Santo, 2ª edição, 1975, p. 244 e 263/264).

Um decreto de 1832 voltou a autorizar a navegação no rio, tendo se formado duas companhias para isso, uma delas inglesa. Entre 1836 e 1841 um barco a vapor navegou no rio, mas o serviço não teve continuidade. Neste século o governo estadual criou o Serviço de Navegação do Rio Doce. Segundo o Presidente Fiorentino Avidos (Mensagem final, APE, p. 235) em virtude do naufrágio do primeiro Juparanã, comprou ele um novo Juparanã, casco de aço, calado de 60 cm, para 20 toneladas de carga, movido por roda de popa, com 1ª e 2ª classes para passageiros. O navio fazia cinco viagens por mês da foz do rio, em Regência até Colatina. Em 1949, o cronista Rubem Braga relata, em Crônicas do Espírito Santo sua viagem nesse vapor. Em 1952, Jones Santos Neves (Mensagem, Vitória, 1953, p. 82) informa que, transportando cacau, o vapor fizera no ano, 57 viagens. A abertura de estrada de rodagem criou desinteresse pelo serviço, e o barco acabou encalhado em Colatina, na altura da Cadeia Pública, onde ainda o vi, em 1957.

4 Os botocudos, desde o século XVI, quando eram chamados de aimorés, sempre foram uma preocupação para as autoridades coloniais. O Conde de Linhares, em célebre proclamação, incitara à guerra sem quartel contra os referidos índios, o que, segundo o príncipe Maximiliano, era seguido pelo oficial subalterno de Riacho. A pacificação dos botocudos se deu, em Minas Gerais, graças ao francês Guido Thomas de Marliére, em 1825.

 

Fonte: Pré-Memória do Governador Antônio Pires da Silva Pontes / pesquisa original, João Eurípedes Franklin Leal; seleção, Miguel Depes Tallon; introdução e notas, Renato Pacheco – IHGES, 1999
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2017

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Sebastião Lopes e Antônio Espera, escrivães da feitoria e do almoxarifado da capitania respectivamente

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