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Discórdias na Capitania - Início Século XVIII – Ainda o caminho das minas

Capa do Livro: História do Estado do Espírito Santo, 1ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo - 1951

À Bahia chegaram delações contra o capitão-mor Francisco de Albuquerque Teles, obrigando o governador geral a dirigir-se ao provedor da Fazenda Manuel Correia de Lemos.(31) Pedia informações sobre a suficiência do acusado, estado das fortificações, prosseguimento das pesquisas de ouro e abertura do caminho para as minas gerais, pois constava que o capitão-mor se associara a Pedro Bueno Cacunda(32) para levar a cabo a ligação da capitania com aquela região, “o que convém atalhar logo por todos os meios possíveis para evitar as danosas e irremediáveis conseqüências que precisamente se hão de seguir contra o serviço de Sua Majestade e conservação da dita Capitania”.(33)

O governador geral voltaria a insistir na questão do caminho para as minas, ameaçando de severos castigos aos transgressores da ordem del-rei.(34) No que respeita a estradas, pode ser erigida em dogma da administração portuguesa no Brasil a conhecida frase do Conselho Ultramarino: “Quanto mais caminhos houver, mais descaminhos haverá”.(35)

Numerosas referências a remessas de armas e munições por parte do governo da Bahia dão a entender que havia real temor de que alguma expedição estrangeira tentasse assaltar o Espírito Santo, para daqui passar às minas.(36). Mesmo assim, em 1710, o governador geral aludia ao “miserável estado em que essa praça [Vitória] se acha pela falta que tem de tudo o que conduz à sua conservação e defensa”, atribuindo tal penúria à “omissão e descuido dos Capitães-mores que a governaram”.(37)

Daquele milésimo é a ordem do donatário ao capitão-mor para punir os responsáveis pelo levante de degredados e refugiados, que procuraram, também, insurrecionar o gentio.(38)

Os últimos tempos da administração de Francisco de Albuquerque Teles foram perturbados por discórdias suas com os moradores da capitania. Embora se ignorem as conseqüências, o governador geral procurou atribuir as origens às impertinências da velhice do capitão-mor.(39)

 

NOTAS

(31) - Nomeado em quatro de agosto de 1710 em substituição a Francisco Monteiro de Morais, já falecido àquela data. De notar-se que a provisão de nomeação se refere ao “capitão-mor Manuel Correa de Lemos” (DH, LIX, 190-1).

(32) - Pedro Bueno Cacunda – Veio, em 1705, para o Espírito Santo, onde “adquiriu terras e construiu casas para mais comodamente ter um ponto de partida para as suas explorações” dos ribeiros da zona de Cataguases, onde Bartolomeu Bueno, Manuel de Camargos e Estêvão Barbosa encontraram ouro. Cacunda, para melhor se dedicar à empresa, vendeu as propriedades que possuía no rio das Mortes (LAMEGO, Terra Goitacá, II, 272) .

Anos depois, recordando as explorações que fez pelos sertões das minas, em carta dirigida a el-rei e datada do “Arraial de Santa Anna, oito de setembro de 1735”, Cacunda informou que descobriu “bastante ribeiros” e povoou “huma Serra a que hoje chamão Castello”, mas não prosseguiu “com estas conquistas” por ter recebido ordens de Dom Lourenço de Almada para interrompê-las (apud ALMEIDA, Inventário, VII, 199-201).

– AFONSO DE E. TAUNAY assevera que a proibição do governador geral foi expedida entre 1709 e 1711 (artigo publicado no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, a nove de fevereiro de 1947, e de leitura necessária à compreensão do estudo das descobertas de ouro no Espírito Santo. Do mesmo autor e no mesmo jornal, segundo artigo sobre o assunto na edição de dezesseis de fevereiro daquele ano).

(33) - DH, LXX, 79-81.

– Vale a pena transcrever aqui os termos da carta endereçada na mesma ocasião ao capitão-mor, para melhor se apreciar a energia com que alguns governadores gerais tratavam os seus subordinados. Eis o texto do documento: “A notícia que agora se me deu de que tem Vossa Mercê mandado fazer novamente o descobrimento das minas de ouro que dizem haver nos distritos dessa Capitania contra as ordens de Sua Majestade, que Deus guarde, e as que em observância delas mandou o senhor Dom Rodrigo da Costa, Governador e Capitão Geral que foi deste Estado, Francisco Ribeiro, Capitão-mor que então era da dita Capitania para que inviolavelmente se executassem. É lastimosa cousa que quando Vossa Mercê se devia só empregar em solicitar por todos os meios possíveis a defesa dessa praça pela estar governando só procure os da sua conveniência sem a menor atenção a outro algum respeito não reparando nas danosas conseqüências que se podem seguir a essa capitania e a seus moradores não só em o dividir com tal descobrimento senão também os ocupar no que intenta fazer de novo caminho para as Minas Gerais Vossa Mercê indo-se com Pedro Bueno para esse fim. De um e outro intento despersuado Vossa Mercê de maneira que nem pela memória lhe passe, e logo que receber esta carta mandará lançar o bando que com ela vai, o qual hão inviolavelmente de executar ficando advertido que hei de mandar desta praça que examine os procedimentos com que Vossa Mercê se tem havido tanto em dano do serviço de Sua Majestade, e que achando ser o que geralmente me têm segurado muitas pessoas de toda a suposição o hei de mandar vir preso e remeter da mesma sorte para Lisboa com as culpas que tiver para que se lhe dê o castigo que delas merecer e fique servindo de exemplo aos mais Capitães-mores das Capitanias deste Estado. Bahia e novembro dez de 1710. Dom Lourenço de Almada” (DH, LXX, 78-9).

– A onze de julho de 1711, o governador geral dirigia-se a Manuel Correia de Lemos, sucessor de Albuquerque Teles, nos seguintes termos: “Sinto que o Capitão-mor Francisco de Albuquerque Felix (sic) falecesse antes de me ser presente o mal que tinha procedido nas obrigações do seu lugar pois lhe havia de dar tal castigo que servisse de exemplo aos que naquele posto não procederam como devem. Eu lhe havia ordenado evitasse por todos os caminhos se não descobrissem as minas em que Vossa Mercê me fala, por Sua Majestade o haver assim resoluto em suas reais ordens” (DH, LXX, 90-4).

– BASÍLIO DAEMON informa que Francisco de Albuquerque faleceu antes de junho de 1711 (Prov. ES, 145).

– Manuel Correia de Lemos, nomeado a vinte e quatro de março de 1709, servira na capitania do Espírito Santo “por espaço de algum tempo nos postos de Alferes da Ordenança e Capitão do Forte de São João em que foi provido pelo Governador da Bahia Dom João de Lancastre e confirmado por mim desde vinte e dois de Outubro de 697 até doze de Junho de 705 em que ficava continuando e antes do dito tempo acudiu a fortaleza da Barra onde esteve de guarnição enquanto ali assistia uma nau de piratas holandesa na fortificação daquela vila trabalhar com a sua pessoa e escravos com todo cuidado e diligência havendo-se no exercício do posto de Capitão com muito zelo e vigilância nas ocasiões em que o pirata infestou aquela Costa reparando à sua custa as ruínas do Forte e fazendo fazer de novo o necessário, para sua defensa disciplinando os soldados aos quais remediava nas suas necessidades sendo das principais pessoas daquela Capitania e mui zeloso do meu serviço e por esperar dele que em tudo o de que for encarregado se haverá com satisfação” (DH, LIX, 215-6),

– Em vinte de maio de 1711, o governador geral escreveu aos “officiaes da Camara da Capitania do Espirito Santo” ordenando que entregassem o governo local a Manuel Correia de Lemos caso Francisco de Albuquerque Teles morresse ou já tivesse morrido (DH, LXX, 89). Parece que o passamento deste se verificou antes do recebimento daquela carta, pois os oficiais da Câmara assumiram logo a direção do governo (DH, LXX, 94-5 e 95-7). Recebida a missiva, cumpriram a determinação, passando as responsabilidades da administração a

Correia de Lemos, que governou até 1716 (DH, LXX, 311).

(34) - “Tenho notícia que várias pessoas intentam abrir caminho pelos sertões dessa capitania para por eles passarem às minas, e como Sua Majestade, que Deus guarde, tem mandado por repetidas e apertadas ordens se não consinta abrir-se semelhantes caminhos, ordeno a Vossa Mercê que em recebendo esta faça toda a diligência por saber se se deu princípio ao tal caminho e quando assim tenha sucedido o mandará Vossa Mercê logo fechar e prender as pessoas compreendidas nessa culpa, as quais remeterá Vossa Mercê a este Governo Geral para se castigarem como Sua Majestade manda, e sucedendo não ter aberto o tal caminho Vossa Mercê impeça se não abra e ponha nisso toda a vigilância e cuidado para que a sua omissão não seja causa da incorrer também nas penas das ordens – Bahia e abril, primeiro de 1710. Luiz César de Menezes” (DH, LXX, 68).

(35) - Apud SIMONSEN, Hist. Econômica, I, 361. Sobre a repercussão, no Brasil, da “tradição portuguesa das más estradas”, ver ARINOS, Desenvolvimento, 82-3.

(36) - DH, LXX, 40-2; 79-81; DH, XI, 383-4,

(37) - DH, LXX, 70-1.

(38) - Documento de vinte e cinco de setembro de 1710, na cota II-34, 11, 3, da Seção de Mss da BN.

(39) - DH, LXX, 71-2.

 

Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, agosto/2017

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