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Discurso do Venerável Alberto Stange Júnior

Alberto Stange Júnior - Fonte: Acervo do IHGES

Um centenário festivo não é comum, entretanto está acontecendo. A Loja Maçônica União e Progresso assinala hoje, num ambiente alegre e com a presença de distinguidas autoridades civis, militares e maçônicas, o primeiro centenário de sua atribulada existência, cheia de gloriosas realizações e na qual, altos e baixos, unanimidades e divergências, momentos alegres e horas de angústia e desânimo se sucederam inúmeras vezes. Comemorando este centenário podemos cantar um presente muito feliz e depositar, simultaneamente, uma saudade respeitosa sobre as atividades, os sacrifícios e os túmulos de nossos antepassados.

O grupo corajoso que semeou a ideia da fundação desta Loja e enfrentou as naturais e inevitáveis dificuldades dos primeiros anos, jamais poderia sonhar com este esplendor deslumbrante e vitorioso que contou com a colaboração espontânea e desinteressada de tantos.

O Brasil da época em que se instalou esta Loja era um império. Tudo diferente no cenário político, social e econômico. Há bem pouco terminara a prolongada e terrível guerra do Paraguai. A nação se inquietava com a sucessão de D. Pedro II. O clima religioso era sacudido por uma geração de intelectuais influenciada pelo Positivismo. Dominava o país uma economia agrícola sem embasamento sistemático e manipulada pelos processos mais primitivos, inclusive o trabalho escravo. As comunicações com o Espírito Santo se faziam escassamente na orla marítima.

Aqui viviam uns abnegados, dedicados, esforçados e combativos obreiros desta querida Pátria que é hoje uma nação respeitada entre as mais importantes, e está em marcha incontida para um futuro fabuloso. Sonhavam eles, febrilmente, com esse Brasil que agora temos, mas era muito difícil, naqueles tempos, conceber, planejar e comunicar ideias.

A grande paixão de nossos irmãos naquele quadro histórico era o progresso e o nivelamento de nossa Pátria com o resto do mundo civilizado. Ambiente propício para o tema empolgante da abolição da escravatura ainda reinante. Ideal lógico e humanitário diretamente ligado a todos os acontecimentos socioeconômicos e que fora alcançado nos Estados Unidos com uma tremenda guerra civil cujas cicatrizes ainda são sentidas.

O clima brasileiro intelectual e social não suportava mais a escravidão numa nação que desejava se colocar entre os povos civilizados. Pelos jornais, em conversas confabulações e discursos os nossos Irmãos tudo faziam para apressar o desfecho final tão esperado, como já o haviam feito na Proclamação da Independência.

A Maçonaria tomou posição e se destacou pela nobreza dos seus propósitos e pela indisfarçável atitude de seus associados. A religião que poderia ser, pela sua força espiritual, um incentivo inovador na vida política e social, mantinha-se comprometida pela intolerância dum clero dominante e acomodado. Ser maçom naquele tempo era mais de que pertencer a uma associação. Mais do que ter uma ideia. Era ficar socialmente marcado.

A luta pelos ideais da Revolução Francesa, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, como há pouco contra o Fascismo, o Hitlerismo e o Comunismo, congregou na Maçonaria muitos homens livres e de bons costumes, Isso poderia ser, em 1872, a motivação em torno de um ponto de apoio como uma constante entre as numerosas variáveis sociais.

Poucos são os valores e padrões humanos que permanecem num mundo em que tudo parece ser relativo e se transforma. É preciso que os fundamentos das ideias e do comportamento coletivo estejam na própria natureza e na base estrutural da sociedade para que sejam capazes de atravessar os tempos com a mesma tonalidade. O que é superficial e dependente das técnicas e engenhosidade de inteligência é sempre instável.

A maçonaria representa um ideal permanente, uma motivação constante. Por isso suas origens se perdem na noite remota da História, anterior ao templo de Amon-Ra no velho Egito, e podemos hoje comemorar o centenário de uma Loja com igual calor e vibração daqueles irmãos que em 1872 a instalaram. Não me refiro a Maçonaria como solução para interesses pessoais. Esse tipo de sociedade pode ser muito divulgado como se fosse a força criadora e incentivadora da Instituição, mas não é eu vos afirmo, a sua essência imortal. Mais do que a extraordinária e bela Maçonaria simbólica na sua expressão ritualística, há uma Maçonaria no sentimento de todas as criaturas, o sentimento de solidariedade e universalidade. Sentimentos que se conflitam com a agressividade sempre presente, por toda a parte na luta pela sobrevivência da espécie e do indivíduo.

Curvados ante o Supremo Arquiteto do Universo, que é Deus, os maçons sempre foram esse grupo de homens livres que procura instituir um mundo melhor pela solidariedade e universalidade. Irmãos em qualquer parte da Terra se ajudam num esforço contínuo de solidariedade, cada qual na sua Pátria que estremecem e exaltam como a História prova. Reúnem-se habitualmente em templos para vencerem suas paixões e abraçarem ideias de virtude, pondo um freio salutar em seus impulsos de agressividade. Unidos para todas as realizações generosas, trabalham como obreiros da justiça, construindo e defendendo obras de virtude. Estas ideias sempre existiram e jamais poderão ser abandonadas.

Expresso estas palavras recordando irmãos do passado prestando-lhes tosca, mas sincera homenagem ao seu idealismo sadio e altamente patriótico. Assim inspirados eles se reuniram e fundaram, há cem anos a Loja União e Progresso sob os auspícios do Grande Oriente do Brasil, Vale do Lavradio, Rio de Janeiro, sendo Grão-Mestre o Visconde do Rio Branco.

Seria injusto, pelas possíveis omissões, destacar uns poucos dentre muitos Irmãos. Alguns nomes estão gravados em ruas da nossa Capital recebendo as homenagens das novas gerações.

A fase inicial da Loja foi marcada pelo movimento de libertação dos escravos. Constam de nossas atas o trabalho ingente e a batalha contínua que travaram para realizar este ideal. No dia 9 de maio de 1888, quatro dias antes da Lei Áurea, os membros da União e Progresso sob a presidência do Senador Cleto Nunes Pereira, declaravam emancipados todos os seus escravos num convite público para que este gesto fosse imitado. Francisco de Lima Escobar Araújo, o Francisco Araújo de uma das ruas de nossa cidade, discursou dias depois, de uma das janelas de nosso atual templo, para o povo reunido defronte, na antiga Praça de S. Luzia, sobre a emancipação, sendo delirantemente aclamado. Era o final vitorioso de uma longa e porfiada peleja da qual nos orgulhamos pela posição assumida pelos nossos Irmãos da época.

Outro trabalho realizado pela União e Progresso, desde sua instalação, foi a Instrução. Instruir é dar sentido de vida ao povo, despertar compreensão. A Bíblia nos diz que se ensinarmos a uma criança ela não se desviará do que aprendeu até quando for velho. Não me refiro a ensinar a experiências dos mais antigos. Quem se instrui deve aprender a pensar, a compreender e a refletir. Na grande festa de Regularização da Loja no dia 9 de janeiro de 1873 foi inaugurado o Liceu Maçônico que contou, entre seus mestres, com Afonso Cláudio, Aristides Freire, Amâncio Pereira, Peçanha Póvoa, Lélis Horta, Aleixo Neto e muitos outros renomados professores. Já neste século, distinguiu-se como um dos maiores educadores da nossa terra, o eminente professor Diocleciano de Oliveira, continuador da obra de Gomes Cardim, e membro ativo da União e Progresso. Até há bem pouco tempo, mantínhamos a Escola Amenófis de Assis, em prédio próprio no bairro de Caratoíra, cedido gratuitamente depois, ao Estado que ali mantém uma escola oficial.

Outra preocupação dos maçons foi a imprensa livre, capaz de bem orientar a opinião pública nos grandes debates de interesse geral. Membros da União e Progresso muito fizeram, desde a instalação da Loja, pela imprensa. Em 1870 fundou-se o Espírito-Santense que depois foi o órgão oficial da Loja. Seus primeiros diretores foram maçons da União e Progresso: José Marcelino Pereira de Souza, Manuel Ribeiro Coutinho Mascarenhas, Pedro Santana Lopes e Basílio Daemon. Em 1875, José Feliciano de Noronha Feital publicou O Comércio e José Correia de Jesus foi o redator de Atualidades. Em 1876 José de Melo Carvalho Muniz Freire publicou A Liberdade. Em 1887, José Joaquim Peçanha Póvoa, também nosso Irmão, era o proprietário da Gazeta da Vitória. Modernamente todos se lembram da atuação vibrante dos jornalistas, nossos Irmãos, Afonso Correia Lírio e Rosendo Serapião.

Na Justiça, a União e Progresso sempre teve, entre seus membros, desembargadores, juízes, advogados e serventuáriuos. Fazer e exaltar a Justiça dando a ela o máximo do muito que ela merece e faz jus, prestigiando seus instrumentos de ação, tem sido um dos escopos desta Loja desde sua fundação. Basta citar os nomes de Muniz Freire, Espíndula Batalha (Ribeiro), Genuíno de Andrade, Araújo Primo e Cristiano Andrade que foram seus veneráveis.

As obras filantrópicas e assistenciais, sob todos os seus múltiplos aspectos e finalidades, sempre estiveram no objetivo imediato das atividades maçônicas. O dinheiro nunca nos foi abundante. Vivemos períodos de verdadeira penúria, de maneira que, sem a possibilidade de dar, jamais nos faltou a intenção de ajudar.

Vamos concluir:

Cem anos se passaram e estamos comemorando. O panorama político, social e econômico muito se modificou, mas os problemas humanos continuam. A Maçonaria está presente hoje como esteve ontem, e com ela uma plêiade de idealistas prontos a servir à Pátria a ao povo.

Entre júbilos e alegrias desta festa vai nosso agradecimento a todos que nos honraram com sua presença, colaboração, seus aplausos e a confiança de que lutamos por uma humanidade mais compreensível, mais sábia, mais tolerante e mais feliz.

Temos a convicção de que ajudamos a construir uma Pátria cada vez mais gloriosa, segura de seu destino, batalhando por um povo mais instruído e mais capacitado.

Desejamos que a nova geração de maçons saiba manter o estandarte desta Loja União e Progresso e bandeira do Grande Oriente do Brasil defendendo os mesmos ideais de nossos antepassados como foram o Visconde do Rio Branco, Caxias, Deodoro, Rui Barbosa, Floriano, Nilo Peçanha, Cleto Nunes, Muniz Freire e tantos outros.

Que os pretensos e falsos inimigos nos compreendam e vejam a pureza de nossas intenções.

Que o Supremo Arquiteto do Universo nos ilumine com sua luz de sabedoria, clareando a jornada para o Bem, para a Virtude, para a Justiça, para a Verdade e para a felicidade do povo querido desta Pátria Imortal que é o Brasil.

 

Fonte: Esquadro e Compasso em Vitória – Álbum da Loja Maçônica União e Progresso, 2010
Autor: Fernando Achiamé
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2012
Foto: Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do ES - Mural dos Presidentes do IHGES

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