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Empresa difícil, homens de fibra

Vasco Fernandes Coutinho - Primeiro Donatário da Capitania do ES

As dificuldades – nunca é demais repetir – não tinham conta. Mas os homens interessados na empresa possuíam a estatura dos verdadeiros construtores de continentes. Anos mais tarde, frei Vicente do Salvador escreveria, amargurado, que os povoadores “usam da terra ... só para a desfrutarem e a deixarem destruída”,(9) mas isto seria depois, passado o período da lua-de-mel. Seria ingratidão atribuir tais sentimentos aos pioneiros. Mesmo porque é razoável presumir-se que todos, ou quase todos, se encontravam em situação mais ou menos igual à de Vasco Coutinho, isto é, nada mais os prendia a Portugal. Suas propriedades já haviam sido vendidas e o produto investido na capitania. O empenho no desenvolvimento da nova pátria era comum tanto ao capitão como ao último dos subordinados.

Em busca de recursos

Quatro anos após sua chegada à terra brasileira – vencidos os tropeços iniciais, colhidos os primeiros resultados do trabalho geral – Vasco Coutinho deve ter constatado que até então mal conquistara uma posição. O futuro, a riqueza, a glória, escondidos no seio da floresta, pousados na serra de Mestre Álvaro e além, chamavam-no, seduziam-no com o encantamento do desconhecido. Mas para ir até lá, tentar as minas, alargar a conquista, fazia-se mister mais gente, mais recursos materiais.

Já vimos quão reduzida era a população de Portugal. De sua parte, o Brasil ainda não oferecia motivos que atraíssem homens acostumados ou pretendentes ao comércio ou aos saques compensadores. “Os metais, incentivo e base suficiente para o sucesso de qualquer empresa colonizadora”,(10) mantinham-se ocultos na terra. A agricultura, àquele tempo, não era engodo bastante para atrair filhos de um povo aventureiro às mal-afamadas terras do Brasil, principalmente para postos secundários ou de menor expressão social.(11)

O índio provara não ser uma força com que o colono pudesse contar na lavoura, que exige trabalho persistente, disciplinado, quotidiano. No Espírito Santo, sua atuação vinha sendo de franca hostilidade ao branco. As eventuais tréguas entre as duas sociedades nada mais pressagiavam, nesta faixa litorânea, que maior ameaça futura, quiçá golpe mortal, por parte dos belicosos habitantes da floresta.

Se a solução estava em Portugal, isto é, se havia necessidade de maior número de brancos para levar avante a empresa, e esses deviam vir da metrópole, só havia um caminho a seguir: ir buscá-los. Foi o que se presume ter levado o donatário ao Reino, em princípios de 1540.

Vasco em Lisboa, na Rua do Barão de Alvito

Não se conhece a data em que o capitão embarcou. Mas em agosto daquele ano (1540), já estava em Lisboa, hospedado em uma casa da rua do Barão de Alvito, segundo a escritura de doação da ilha de Santo Antônio. Releia-se aquele documento. Logo na introdução, de acordo com a praxe tabelioa, o notário localizou, no tempo e no espaço, a cerimônia a cujo assentamento procedia:

“no anno de Nosso Senhor Jhesu Cristo de mil quinhentos e quarenta anos aos vinte dias do mes de agosto na cidade de Lisboa na Rua do Barão onde pousa o senhor Vasco Fernandez Coutinho capitão e governador da capitania do Espírito Santo”. (12)

Em 1547 Vasco Coutinho ainda continuava em Lisboa. É o que se infere das cartas de Ambrósio de Meira e Fernando Álvares de Andrade.

A primeira, datada “do espirito santo a vinte e seis de setembro de 1545”, diz a certa altura: “ao ouuidor pidy espriuão por não aver capytão na terra”. (13)

Algum assunto de maior relevância poderia ter conduzido o donatário a uma das capitanias vizinhas, pois o simples fato de estar dela ausente não permite concluir que se encontrasse necessariamente em Portugal. A argüição procede em parte, mas é muito prejudicada pelo que se contém na segunda missiva citada – datada “de lisboa a X dias de fevereiro de 1547” – na qual Fernando Álvares de Andrade, “que na Corte entendia nos negócios do Brasil”, (14) refere-se a Vasco Coutinho como sendo portador de informações verbais suas para o monarca.(15)

Provadamente presente em Lisboa nos anos de 1540 e 1547 e ausente do Espírito Santo em 1545, acrescendo a circunstância de haver silêncio sobre suas atividades no Brasil, durante aquele período, a conclusão é que o capitão demorou na metrópole até, pelo menos, 1547 ou 1548.

Difíceis, demoradas e perigosas, como eram as travessias oceânicas àquele tempo, não é de se supor que alguém, alheio às lides do mar, empreendesse tantas viagens em tão curto período.

 

NOTAS

(9) - “E deste mesmo modo se hão os povoadores, os quais, por mais arraigados que na terra estejam e mais ricos que sejam, tudo pretendem levar a Portugal, e, se as fazendas e bens que possuam souberam falar, também lhes houveram de ensinar a dizer como os papagaios, aos quais a primeira cousa que ensinam é: papagaio real pera Portugal, porque tudo querem para lá. E isto não têm só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruída” (Hist. Brasil, 16).

(10) - CAIO PRADO, Formação, 19.

(11) - CAIO PRADO, Formação, 116.

(12) - Chancelaria de D. João III, liv. 6, f l. 512 (apud MALHEIRO, Regimen Feudal, 265).

(13) - Sobrescripto. Pera el Rey noso senhor do brasill.” – Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Corpo Cronológico, parte 1.ª, maço 76, n.º 98 (in Notícias Antigas, 16-7)

(14) - GARCIA, Ementas, 15.

(15) - Notícias Antigas, 15-7.

 

Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, julho/2018

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