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Entrevista com Edward DAlcantâra - Por Mônica Boiteux em 07/11/2006

Edward DAlcântara

Confira a entrevista com o Sr. Edward D'Alcântara, pesquisador com o melhor acervo de fotos de Vila Velha, fundador e membro da Casa da Memória 

Site: O senhor é de Vila Velha mesmo?
Edward: Eu nasci em Guarapari e vim para cá com menos de 3 anos, nasci em 1929 (dezembro de 29) e estou aqui há 74 anos, no mesmo endereço, na Toca. Antigamente os terrenos eram muito compridos e os irmãos todos construíram. Aqui tem mais 3 irmãos. 

Site: O senhor veio para Vila Velha e trabalhou aqui durante sua vida toda?
Edward: Eu vim ainda muito pequeno, vivi sempre aqui, cresci em Vila Velha, peguei a época do bonde, peguei 3 enchentes em Vila Velha, inclusive eu tenho foto das 3 enchentes. Teve uma 4ª enchente que não chegou aqui, foi há poucos dias.

Aqui eu constitui família (5 filhos, 3 homens e 2 mulheres). Eles se formaram aqui. Um está morando em Brasília e uma filha está em Aracruz. Os outros estão aqui por perto mesmo.

Site: O senhor foi trabalhar em que área?
Edward: Logo que cheguei e me formei, uma pessoa de Vila Velha que não tivesse recursos para ir para outro estado tinha que fazer Direito ou ser funcionário do Banco do Brasil. Vaga para Banco do Brasil não tinha e estudar Direito... Eu nunca gostei de Direito. Então fiz um curso de Topografia, fiz um concurso no Estado em 1949 e fui aprovado.

Em 1950 fui designado para as florestas do norte do Estado. Lá em Linhares, São Mateus e Conceição da Barra. Ainda não existia a ponte, ela foi construída em 1954. Em 1950 eu já estava trabalhando e só existia mesmo a rua principal de Linhares. As outras ruas ainda não tinham. Era uma única rua. Ali os animais selvagens se aproximavam, tinha araras... A alimentação básica da gente na mata (a gente ficava acampado por 40 dias para medir as terras que o Estado estava vendendo) era caça. A gente levava tocinho para fazer banha, um pedaço de carne-seca e quando acabava a gente comia mesmo eram os animais de lá. Porque também até as mercadorias eram carregadas no lombo de gente e não no lombo de animais. Era tudo mato. Só existia uma estrada de Linhares a São Mateus que acompanhava a Lagoa Juparanã por 40 quilômetros mais ou menos.

Site: Como era a hospedagem?
Edward: Quando a gente chegava em Linhares tinha a pensão do Garcia, a pensão Capixaba, o Lempê e o Benedito Rosalem. Eu ficava no Benedito Rosalem e estava começando a entrar moradores, gente de Castelo, do sul do Estado para comprar terras em Linhares, desmatar aquelas terras para plantar café.

Foi assim que fiquei lá por alguns anos, depois fui transferido para Afonso Cláudio. De Afonso Cláudio, no governo de Francisco Aguiar eu participei da tomada da Fazenda Monte Líbano, que era da família de Carlos Lindemberg e tinha uns 300 posseiros. Uma parte era remanescente do Estado. Essa parte foi preservada e fiz o trabalho de legalizar os terrenos dos 300 posseiros.

Naquele tempo eu era chamado sempre em medições administrativas porque na realidade agrimensor era para fazer qualquer medição, mas quando era administrativa era paga pelo governo do Estado.

No governo de Carlos Lindenberg ele resolveu trazer 40 famílias japonesas para implantar a risicultura no estado do ES, no chamado Vala do Orogol, que começa em Piúma, sobe o rio e vai até o Frade e a Freira. O Frade e a Freira pertenciam a Rio Novo do Sul e já estava cultivado. Dali para baixo era tudo alagado, era brejo. Trabalhei mais de 1 ano e meio, 2 anos, com água na cintura, estudando aqueles brejos para poder ser dragado.

Foram dragados e aquela água empoçada, hoje em dia, estão há 4, 5 metros de profundidade, desceu. A água secou tudo. Hoje em dia o governo reconhece que tirando as curvas dos rios e córregos, as águas deixam a terra e vão mais rápido para o mar. É por isso que tem essas secas, os mananciais já secaram.

Foram passando os anos e eu fui encarregado da capital, das compras dos lotes da cidade de Vitória, que foram loteadas pela Capitania dos Portos e aterrado, como Bento Ferreira. Eu participei da medição dos lotes de Bento Ferreira, Praia do Canto, que ainda tinha bonde.

Site: O senhor viu a evolução toda da cidade... No aterro da Prainha o senhor participou?
Edward: O aterro da Prainha foi depois de 1960. Eu estava como encarregado da capital. Não participei. Antes de 1967, no governo de Américo Bernardes ele me requisitou para ser encarregado da Engenharia da Prefeitura de Vila Velha. Foi o primeiro governo de Américo Bernardes. Eu jurei que nunca mais iria querer saber de repartição pública. É a pior coisa que pode existir, infelizmente. É preciso ser assistente social para poder trabalhar em repartições públicas. Tem que ter muito estômago para agüentar.

Ainda estava para ser fundada a Aracruz Florestal. No governo de Castelo Branco foi criado o IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal). Com a criação do IBDF, a empresa ECOTEC, que funcionava no Rio de Janeiro, veio para o estado. Rodaram todo o país, procurando um local adequado onde tivesse uma área maior onde pudessem comprar. O estado do ES estava em demanda com a Ferro e Aço de Vitória, pois em 1942 o interventor Jones dos Santos Neves fez um contrato com a Ferro e Aço em Vitória: para que ela fosse instalada em Vitória, ela precisava da matéria-prima que era o carvão vegetal.

O estado fez uma concessão de 20 anos para extrair o carvão vegetal num raio de 100 km de Vitória, em todo sentido, uma circunferência. Aquilo atingia Aracruz, que tinha uma grande área em mata do governo do Estado. O Estado vendeu 6.000 hectares de terras para Ferro e Aço e eles começaram a explorar madeira. Depois eles tinham que reflorestar para entregar ao Estado reflorestado. Terminou o contrato, eles não reflorestaram, ficou a demanda do estado com a Ferro e Aço.

Veio um representante da empresa em Vitória e o governador Cristiano Dias Lopes ofereceu a área de 6.000 hectares para a ECOTEC. A proposta era que eles comprassem a área da Ferro e Aço e se comprometessem a plantar eucalipto. Então a empresa aceitou. Mas a Ferro e Aço não sabia fazer o carvão, não tinha gente para trabalhar em carvoaria aqui no estado. Vinha gente da Bahia, de Minas e empreiteiros de São Paulo que trabalhavam para a Belgo Mineira e Acesita. Vieram para cá e começaram a desmatar. Quando terminou o contrato da Ferro e Aço com o Estado, os carvoeiros ficaram como posseiros, pois a Ferro e Aço não pagou a eles.

Eles ficaram sem poder ir embora, era gente muito pobre, com muita dificuldade. Ficaram uns 300 proprietários. Foi criada a Aracruz Florestal, se responsabilizando em reflorestar essas terras que a ECOTEC tinha comprado e indenizar os posseiros.

Então procuraram o governo do Estado para saber quem poderia identificar essas terras e me indicaram. Eu fui trabalhar na ECOTEC. Quando chegou em junho foi criada a Aracruz Florestal, eu estava lá. Precisavam marcar a área para fazer um viveiro-represa e eu fui ficando até me aposentar em 1992, já com 25 anos de Aracruz. Eu nunca mais quis saber de estrada. Me aposentei e vim para Vila Velha.

Site: E daí o senhor começou a se dedicar a história de Vila Velha?
Edward: Sim, eu fundei a Casa da Memória, participo ainda hoje ativamente.

Site: Como o senhor conseguiu catalogar todas as fotos do seu acervo?
Edward: Eu comecei a procurar em bibliotecas daqui, de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, em livros com terceiros. Meus filhos moraram em Salvador, Brasília, São Paulo eu faço as visitas e já trago ou pesquiso um livro.

Site: O que o senhor tem de mais valioso na sua coleção de fotos?
Edward: Eu dou valor a tudo, até a fotografias recentes.

Site: Tem alguma raridade?
Edward: Um amigo meu pegou um documentário que foi feito em Vila Velha em 1924, ele trabalhava no cinema. Naquele tempo arrebentavam as fitas, cortavam e emendavam novamente. Passavam a primeira parte e depois a segunda parte do filme. E ele apareceu com esses negativos de 1924. Eu então revelei esses negativos e tem uma foto inédita, da Prainha. O mar batia no fundo das casas.

Site: O senhor pretende fazer alguma exposição, colocar em museus?
Edward: Sim, no Museu do Jair (Santos).

Site: O senhor fez algum curso de fotografia?
Edward: Não, sou péssimo em fotografia, não tenho mais paciência para estudar não.

Site: O senhor trata as imagens no computador também?
Edward: Mais ou menos ... (risos). Talvez menos do que mais. Tenho uma máquina digital que me libera do trabalho pesado. Para pesquisa é a melhor coisa que tem. Mas eu tenho ainda alguma coisa inédita. O resto eu já passei para a Prefeitura de Vila Velha.

Site: Qual foi a primeira foto que o senhor começou a colecionar?
Edward: Como todo canela-verde que adora Vila Velha, em vez de rezar para qualquer Nossa Senhora, acha que o nome dela deveria ser Nossa Senhora da Penha, então a primeira foto é o zepelim passando sobre o Convento da Penha, o dirigível.

Site: O senhor vai colocar todas essas fotos no museu do Jair?
Edward: Sim.

Site: Quando o museu deve estar pronto?
Edward: Olha, eu estou até em dívida com o Jair, pois não tenho tido tempo de visitá-lo. A gente mais se telefona. Mas o museu está muito interessante, muito bonito. Eu tenho um desenho do portão antigo do Convento feito pelo Jair. (N.R.: Estava no local da entrevista).

Site: Estou vendo que está sem o santo...
Edward: Ele desenhou na época da reforma, então tiraram o santo.

Site: Que santo é aquele?
Edward: São Francisco de Assis. Outra coisa que tenho raro são os livros. Tenho livro de 1902.

Site: Qual é o título do livro?
Edward: É do Eduardo Prado – Os Primeiros Povoadores do Brasil. Tenho também da viagem de Pero Martins de Souza, que acompanhou Martim Afonso de Souza, então ele fez o diário de bordo, eu tenho ele aí com os mapas todos.

Site: O senhor pretende algum dia doar à pesquisa pública?
Edward: Olha, sempre vem gente aqui da UFES, o pessoal que estuda história. Eu passo as coisas para eles, inclusive eu tenho interesse em provar que o Forte São Francisco Xavier foi feito muito antes, mais de 20 anos antes do que o que está na inauguração. Eu tenho o documento, do arquivo ultramarino. Eu já mandei para o Exército uma vez, mas ninguém deu importância, ninguém quer mudar a história, ela foi escrita desse jeito, então não querem mudar.

É uma pena, pois Vila Velha é a cidade mais antiga do ES. Além das belas praias, a gente tem que trabalhar o turismo em cima da nossa história.

Eu também acho que nossa história deve ser melhor divulgada. Depois da primeira foto do Convento, foi a vez da Prainha e depois eu me dediquei com afinco a restaurar aquele portão antigo do Convento da Penha, porque eu tinha fotografia do portão inteirinho. Até que o IPHAN resolveu restaurar. Mas quiseram restaurar sem saber fazer a massa de antigamente, por que ninguém tem idéia de como foi feita a massa que foi usada na construção do Convento da Penha, que não caiu o reboco. Você não vê cair o reboco.

No portão, as árvores caiam em cima e começou a derrubar. Em vez de inserir o cimento forte e depois fazer o reboco, mas não, eles querem repetir, usar o cal, que não é o cal puro, pois não existe mais, pois hoje em dia o cal é pulverizado. Naquele tempo, tinham pedaços de ostra. Era uma cal forte.

Então eles remendaram, mas não está agüentando nada, está caindo tudo porque querem fazer do mesmo jeito mas não conseguem aquela massa. Porque não introduzir um pouco do cimento para segurar a construção? Já que não sabem fazer, não devem fazer.

Site: Se o senhor fosse o prefeito da cidade, o que o senhor faria pela região da Prainha?
Edward: Desmanchava tudo. Vila Velha não tem uma área de lazer igual Vitória tem a Pedra da Cebola, o Parque Moscoso e transformaria aquilo ali de fato em um parque. Desaterrar é bobagem, acho que é utopia pensar assim. E restaurava o que está enterrado. Por exemplo: aquele cais de Vila Velha, que eu tenho foto de como era, tirava um pedaço, igual tem no Rio de Janeiro, na Praça XV. Lá eles mantiveram as coisas como na época de D. Pedro, uma coisa linda, bem conservada. Então deixava mostrando que a água bateu ali..

Site: Atualmente as pessoas têm se dedicado a escrever sobre Vila Velha e temos tido bons lançamentos. O que o Senhor acha dessas novas produções?
Edward: Eu não tenho vontade de escrever, mas você pode ver que existe meu nome em todos esses livros, como fonte de consulta. Eu sou pesquisador, gosto disso. Eu tenho muita saudade dos carros de boi. Eles chegavam no beco do Salamin, com lenha para abastecer as padarias e a fábrica que não pertencia ainda ao Henrique (Meyerfreund).

O Salamim era uma medida de terra portuguesa. Então no morrinho ao lado da região dos Ayres era chamado de Salamim. Aqui em Vila Velha, todo mundo se conhecia por apelido. Se a pessoa morava atrás do cemitério, onde tinha o pessoal de cor, era chamado de rua da Absínia, porque na Absínia só tem negro. Ali as engomadeiras que trabalhavam com ferro de engomar era Maxambomba. Quem morava no Salamim, morava também no beco dos Canecos, porque dava muito caneco. Outra rua que era do sítio do Batalha, era a rua do Lixo. Tem a rua do Matadouro, que é a Dom Jorge de Menezes. Eu tenho até a fotografia do Matadouro.

Site: A fábrica era de bala?
Edward: Não, era de rebuçado ou então daquelas que eram aquelas balas com açúcar cristal. Você passava o dedo e sujava tudo de açúcar. Vendia dentro dos vidros (baleiros). Você chegava lá e tirava. O rebuçado eram as balas enroladas na mão também, mas tinha de frutas, era mais sofisticado.

Vendia também chupeta. Tinha até um colega nosso que o apelido dele era Rui Chupeta, pois o pai dele fazia chupeta para vender. Chupeta bala.

Hoje eu vi uma reportagem sobre os tabuleiros. As senhoras, para ter uma renda melhor, faziam os doces, botavam tudo no tabuleiro, botavam na cabeça e saíam. No portão do Convento, lá estavam elas. Inclusive na porta do Melponeme, que era o Carlos Gomes, tem lá numa foto, um vendedor de cuzcuz. Tinham umas coisas interessantes.

Nós tínhamos também o amolador de facas. Tinha o soldador que ia de porta em porta. Pegávamos os vasilhames de azeite pata botar orelha e fazíamos lamparina. Quando cheguei aqui não tinha luz não. Tinha para poucos. Aqui onde moro era chamado Toca.

Site: O que o senhor gostaria de ver em Vila Velha na área cultural?
Edward: Eu acho que o município precisa colocar na Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal um secretário que tenha vivido em Vila Velha, conheça Vila Velha, porque gente de fora não dá valor para Vila Velha.

Eles acham que cultura de Vila Velha é banda de congo somente. O que me revolta é isso. Nós temos muita cultura. A Glorinha, que faleceu há pouco tempo, resgatava as modinhas. Os rapazes frequentavam as danças de roda, porque não tinha iluminação, não tinha distração, não tinha televisão, poucas casas tinham rádio, não existia geladeira. Ali na Absínia, quase todas as noites tinha dança de roda. Em Maxambomba demais. Entrava por uma porta da casa, saía por outra.

Principalmente as cantigas de roda, podiam tentar resgatar, gravar, apresentar nas escolas. Acho que as cantigas de rodas são muito típicas da cultura de Vila Velha.

 

Mônica Boiteux entrevistou o Sr. Edward D'Alcântara, em 07/11/2006

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