Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Frei Vicente do Salvador , O.F.M. e a Penha do Espírito Santo

Escultura de Vasco Fernandes Coutinho, obra de Hippolito Alves

Frei Vicente do Salvador, OFM, 1564-1639 (?), natural de Matuim-BA e doutor em ambos os direitos pela universidade de Coimbra, ordenou-se de padre por volta de 1590. Foi Cônego de Vigário Geral na Bahia. Em 1599, tomou o hábito seráfico, sendo depois da profissão religiosa destacado na catequese dos Potiguara na Paraíba e em 1607 no Rio de Janeiro para aí fundar o Convento de Sto. Antônio. Lecionou filosofia em Olinda, foi guardião da Bahia e custódio de todos os 8 conventos do Brasil (1614-16170). Escreveu a “Crônica da Custódia do Brasil” e a “História do Brasil”. Voltando em 1624 do Rio de Janeiro, caiu nas mãos dos holandeses que o soltaram apenas um ano depois. Como primeiro brasileiro que escreveu a história pátria é intitulado PAI DA HISTÓRIA DO BRASIL.

 

Como Custódio (1614-1617) Frei Vicente do Salvador não instaurou apenas o processo informativo de beatificação do servo de Deus Frei Pedro Palácios. Incluiu também a origem da Penha nas suas obras “Crônica da Custódia do Brasil” (1618) inédita e perdida em Portugal, e a “História do Brasil 1500 – 1627”. Reproduzimos abaixo todo o capítulo IV do 2º livro da História do Brasil para mostrar a fama do santuário, desde os seus princípios (1).

“Não teve menos trabalhos com a sua capitania Vasco Fernandes Coutinho, a quem el-rei, pelos muitos serviços que lhe havia feito na Índia, lhe fez mercê de cinqüenta léguas de terra por costa, o qual a foi conquistar e povoar com uma grande frota à sua custa, levando consigo a D. Jorge de Menezes, o de Maluco, e D. Simão de Castelo Branco e outros fidalgos, com os quais, avistando primeira a serra de Mestre Álvaro, que é grande, alta e redonda, foi entrar no Rio do Espírito Santo, o qual está em vinte graus; onde logo à entrada do rio, da banda do sul, começou a edificar a vila de Vitória, que agora se chama a Vila Velha em respeito da outra vila do Espírito Santo que depois se edificou uma légua mais dentro do rio, em a ilha de Duarte de Lemos, por temos do gentio.

E, como o espírito de Vasco Fernandes era grande, deixando ordenando quatro engenhos de açúcar, se tornou para o reini a aviar-se para ir pelo sertão a conquistar minas de ouro e prata de que tinha novas, deixando por seu locotenente D. Jorge de Menezes, ao qual logo os gentios fizeram tão cruel guerra que lhe queimaram os engenhos e fazenda, e a ele mataram às flechadas, sem lhe valer ser tão grande capitão e que na Índia, Maluco e outras partes tinha feitas muitas cavalarias.

O mesmo fizeram a D. Simão de Castelo Branco, que lhe sucedeu na capitania, e a puseram em tal cerco e aperto que, não podendo os moradores dela resistir-lhes, se passaram para outras, e tornando-se Vasco Fernandes Coutinho do reino para a sua, por mais que trabalhou e possível para remediar e vingar do gentio, não foi em sua mão, por estar sem gente e munições de guerra, e o gentio pelas vitórias passadas muito soberbo; antes viveu muitos anos mui afrontado deles em aquela ilha, até que depois pouco a pouco reformou as duas ditas vilas.

Mas enfim, gastados mil cruzados que trouxe da Índia, e muito patrimônio que tinha em Portugal, acabou tão pobremente que chegou a lhe darem de comer por amor de Deus, e não sei se teve um lençol seu em que o amortalhassem.

Seu filho, do mesmo nome, também com muita pobreza viveu e morreu na mesma capitania. E não se atribuía isto à maldade da terra, que é antes uma das melhores do Brasil, porque há muito bom açúcar e algodão, gado vacum, e tanto mantimento, frutas e legumes, pescado e mariscos que lhe chamava o mesmo Vasco Fernandes o meu vilão farto.

Dá também muitas árvores de bálsamo de que as mulheres, misturando-o com a casca das mesmas árvores pisadas, fazem muita contaria que se manda para o reino e para os outras partes. Mas o que fez mal a estes senhores, depois das guerras, foi não seguirem o descobrimento das minas de ouro e prata, como determinavam. E parece que herdaram deles este descuido dos seus sucessores, pois, descobrindo-se depois na mesma capitania uma serra de cristal e esmeraldas, de que tenho feito menção em o capítulo quinto do primeiro livro, nem disso se trata, nem de fortificar-se a terra para defender-se dos corsários, sendo que, por ser o rio estreito, se poderá fortalecer com facilidade. Antes levando-o pelo espiritual, me disse Francisco de Aguiar Coutinho, senhor dela, que disse a Sua Majestade que tinha uma fortaleza na barra da sua capitania que lhe defendia, e não havia mister mais, e que esta era a ermida de Nossa Senhora da Penha que ali está, aonde do mosteiro do nosso padre São Francisco, que temos na vila do Espírito Santo, vão dois frades todos os sábados a dizer missa, e a temos a nossa conta (2).

E na verdade a dita ermida se pode contar por uma das maravilhas do mundo, considerando-se o sítio, porque está sobre um monte alto um penedo que é o outro monte, a cujo cume se sobe por cinqüenta e cinco degraus lavrados no mesmo penedo, e em cima tem um plano em que está a igreja e capela, que é de abóbada, e ainda fica ao redor por onde anda a procissão, cercado de peitoril de parede, donde se não pode olhar para baixo sem que fuja o lume dos olhos (3).

Nesta ermida esteve antigamente por ermitão um frade leigo da nossa ordem, asturiano, chamado Frei Pedro, de mui santa vida, como se confirmou em sua morte, a qual conheceu alguns dias antes, e se andou despedindo das pessoas devotas, dizendo que, feita a Festa de Nossa Senhora, havia de morrer. E assim sucedeu, e o acharam morto de joelhos e com as mãos levantadas como quando orava, e na trasladação de seus ossos  desta igreja para o nosso convento fez muitos milagres, e poucos enfermos os tocam com devoção que não sarem logo, principalmente de febres, como tudo consta do instrumento de testemunhas que está no arquivo do mesmo convento (4).

 

NOTAS:

1 – Frei Vicente do Salvador, O.F.M. História do Brasil 1500 – 1627, S. Paulo 1965 p. 188 – 120.

2 – Os dizeres de Aguiar Coutinho provam quão alto conceito ele formava da Penha. 3.

3 - O texto recuado provém da Crônica constando também de Ilha fls. 283v.

4 – A trasladação realizou-se aos 18 de fevereiro de 1609. Cf. Ilha fl. 283 v. – Durante o custodiato de Frei Vicente do Salvador, instaurou-se, aos 27 de julho de 1616, o processo informativo sobre a vida e as virtudes de Frei Pedro Palácios (+1570). Cf. Jaboatão I, 2 pág. 33. O “instrumento de testemunhas” perdeu-se.

 

Fonte: Antologia do Convento da Penha, ano 1974
Autor: Frei Venâncio Willeke O. F. M.
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2015

Folclore e Lendas Capixabas

Festejos de Vila Velha - Por Edward Alcântara

Festejos de Vila Velha - Por Edward Alcântara

Lembro da “Lapinha” de origem pernambucana, aqui introduzida nos fins do século XIX pelo Desembargador Antonio Ferreira Coelho, grande incentivador dos festejos canela verde de então

Pesquisa

Facebook

Matérias Relacionadas

O Pregador do Evangelho – Por Frei Antônio de Sta. Maria Jaboatão, OFM

Frei Antônio de Sta. Maria Jaboatão, OFM (1695-1779), compôs a sua famosa obra NOVO ORBE SERÁFICO BRASÍLICO, em meados do século XVIII

Ver Artigo
Carta de Pe. Anchieta sobre Frei Pedro Palácios

Ao pé do Convento fez uma casinha pequenina à honra de São Francisco, na qual morreu com mostras de muita santidade

Ver Artigo
O Penitente Frei Palácios – Por Frei Manuel da Ilha, OFM

Tendo recebido do menino a vela acessa, ajoelhou-se na sua sela perante o altar do Pai São Francisco que lá se achava construída

Ver Artigo
As maravilhas da Penha – Por Joaquim José Gomes da Silva Neto

A imagem de Nossa Senhora da Penha, encomendada por Frei Pedro Palácios em Portugal e inaugurada em 1570

Ver Artigo
Um autor corrige outro – Por Frei Apolinário da Conceição, OFM

Nascido em Lisboa a 23 de julho de 1692, emigrou com a família para o Brasil, onde tomou o burel seráfico aos 3 de setembro de 1711

Ver Artigo
Pe. Jorge Cardoso trata de Frei Palácios

Pe. Jorge Cardoso (1606-1669), dedicou-se publicando a sua imortal obra “Agiológio Lusitano dos Santos e varões ilustres em virtude do reino de Portugal e suas conquistas.”

Ver Artigo
A Serra da Arrábida - Frei Agostinho da Cruz, OFM

Descubra o segredo porque Frei Palácios escolheu o morro da Penha para nele prosseguir a vida contemplativa

Ver Artigo
Jesuítas em Romaria à Penha – Por Pe. Fernão Cardim, S.J.

Acompanhado de alguns confrades, o Pe. Fernão Cardim, S.J subiu à Penha aos 30 de novembro de 1584, relatando suas impressões

Ver Artigo