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Gardênia Azul, Clube Olímpico e seus frequentadores

Gardênia Bar

Gardênia Azul

Na rua 23 de Maio, esquina com Luciano das Neves, estava localizado o Bar e Restaurante Gardênia Azul, de propriedade de Cloris Ferreira Corrêa e José Luiz de Freitas. Ambos eram muito simpáticos e exploravam a vida boêmia da cidade com profissionalismo. O Gardênia Azul funcionava até altas horas da noite, principalmente nos fins de semana. Os seresteiros ali faziam ponto, emendando a noitada, cantando acompanhados nos seus violões e outros instrumentos, contribuindo para que a noitada fosse prolongada. As vozes afinadas desses cantores eram seguidas por outras desafinadas, numa mistura infernal de sons em que todos se confraternizavam, enquanto cerveja e outras bebidas rolavam e a caderneta de Cloris e de Zé Luiz crescia em anotações cobradas e recebidas no final de tudo ou mesmo penduradas. As portas semicerradas anunciavam a hora do acerto das despesas.

Ali fazia ponto também a rapaziada depois de deixarem suas namoradas ou noivas em casa. No último bonde chegavam aqueles de noitadas mais furtivas para a saideira, que acabava não sendo a última. Muitos chegavam de táxi, às vezes bem acompanhados, e solicitavam o reservado para ficarem mais à vontade nas suas conversas, bebericando e fazendo refeições.

Assim era o Gardênia Azul. Impossível conceber um estabelecimento mais democrático e alegre.

Clube Olímpico

O Gardênia Azul, sendo um bar e restaurante bem montado àquele tempo, bem asseado, com mesas de pés de ferro e tampo de mármore, e onde as refeições eram feitas em reservado próprio, era ponto de referência para os encontros noturnos. De animado passava a animadíssimo quando a sede social do Clube Olímpico, que funcionava em cima do mesmo bar, promovia noites dançantes ao som de orquestras, que entrava pela madrugada adentro.

Várias famílias vila-velhenses, incluindo as filhas, participavam dos bailes. Algumas moças chegavam acompanhadas de parentes ou pessoas de confiança que voltavam no final do baile para buscá-las. Haviam também aquelas que lá iam com seus namorados e mais alguém que "segurava a vela". Dama alguma se apresentava sozinha em festas ou bares e apesar dessa restrição, era evidente a descontração de todos no papo, nas contradanças, conseguindo-se alguns instantes a sós para que se estabelecessem amizades mais duradouras.

Muitos freqüentavam simultaneamente o Gardênia Azul e o Olímpico. Dentre eles, com grata a saudosa recordação, lembremo-nos do amigo Luiz Fernando Rodrigues. Elegante dançarino, bem apessoado, sabia conduzir uma dama pelos quatros santos do salão, e Carminha com quem se casou que o diga. Era um dos que, como nos, freqüentavam o bar durante os intervalos de descanso da orquestra. Atleta halterofilista, ele exibia seu físico na Praia da Costa com José Felipe, João Cruz e outros. Enquanto esteve nas lides forenses, destacou-se com petições bem elaboradas, pena não tenha prosseguido a carreira. Através de concurso público veio mais tarde a ocupar cargo de inspetor fiscal do Trabalho. Apostavam ele e José Luiz de Freitas, amigos de longa data, sobre qual deles assistiria a virada do século. O assunto terminava com um rindo do outro, mas no fundo eles queriam estar juntos quando isso acontecesse, mas ambos perderam a aposta e ganhou-a a adversidade.

Temos Átila Botelho de Freitas e seu irmão Heráclito (Nenê), Carino Duarte de Freitas Filho (Pingo) e os seus irmãos César e Tetete, Roberto Duarte e Cassiano, Alegal (já falecido), João Cruz (um atleta até hoje), Douglas Queiroz e seu irmão Djalma.

Com Djalma desfilávamos nos blocos de sujo do Carnaval de Vila Velha, seguindo mais tarde, de bonde, até Vitória. Como uma coisa puxa outra, lembramos também de dono Neneca, mãe desses nossos amigos, e que nas ocasiões dos festejos de Momo nos acolhia com paciência e atenção maternais. A sua casa era o ponto de apoio para as nossas saídas extravagantes, porém divertidas.

Não podemos esquecer também do elegante Ari Brás de Barros. Aloísio de Freitas (Aloisinho), sempre sorridente, comunicativo e atencioso. Atenção que certa ocasião nos custou um penoso preço, pois por causa dela tivemos que acompanhar três moças de Cachoeiro de Itapemirim até Argolas, à casa de parentes que estavam hospedadas. É que um primo que as tinha levado à domingueira do Olímpico não voltou a tempo para apanhá-las como tinha prometido. Aloísio e eu, pegando com elas o bonde das onze horas, saltamos em Paul sob o viaduto, subimos a ladeira até o alto de Argolas, local em que as deixamos. Para nossa decepção, na volta, ao chegarmos a Paul, sob o viaduto, notamos que o último bonde já estava descendo para Vila Batista, rumo a Vila Velha. O jeito foi caminhar pela noite a dentro, com a lua minguante aparecendo e desaparecendo em meio às nuvens, ora entre trilhos e dormentes, ora à margem da linha, até chegar a Vila Velha.

David Queiroz, o espirituoso e engraçado David, filho do casal Otávio Queiroz e dono Neneca, dava uma risada estridente e inimitável. Onde quer que estivesse – bonde, barca, cinema, clubes, bares ou ruas – , sua risada denunciava sua presença alegre e entendiam o seu espírito. Mas também sabia ser sério e bem comportado quando a ocasião isso exigia. Assim, em certa ocasião idealizaram uma comunhão de homens que se realizaria na Igreja do Rosário, na qual deveriam tomar parte principalmente os jovens. Concitados, como tantos outros, comparecemos à cerimônia. David era, sem dúvida, o mais compenetrado, fervoroso e contrito dos pecadores na preparação para receber a hóstia consagrada. Enquanto todos na fila estavam mãos abanando, carregando na mente os pecados que confessariam ao padre, David, na mesma fila, tinha o olhar fixo ao confessionário e carregava, não um catecismo, mas uma Bíblia que ora abria e La para si, ora fechava  e carregava embaixo do braço. E assim, como confitente, chegou até o confessor e colocou a Bíblia cuidadosa e respeitosamente no chão, ao seu lado, para que pudesse persignar-se. Os seus murmúrios junto ao sacerdote não demoraram muito, e ele recebeu a penitência, levantando-se, pegou a Bíblia e lá se foi como bom cristão e católico cumprir a penitência que lhe fora passada. O livro santo não mais foi aberto e David estava assim preparado para a comunhão do dia seguinte.

Também compareciam ao Olímpico Ely Machado Ribeiro, o Nonô, que, apesar de aqui ter uma legião de admiradoras, interessava-se mais pelos clubes de Vitória, como o Saldanha da Gama e o Álvares. Walner e o seu irmão Walcílio Botelho, sendo este último um excelente companheiro e amigo com quem trabalhamos lado a lado, ele na Prefeitura e nós na Câmara Municipal. Era uma pessoa muito determinada e tornou-se funcionário do Banco do Brasil, estando aposentado atualmente. Alberto Carlos de Queiroz, o Betinho, de vereador chegou a presidência da Câmara Municipal de Vila Velha.

Antônio Carlos Cavezan Barcellos, respeitado advogado, era também um de seus freqüentadores, assim como Luiz Carlos Bernardes da Silveira. Lulu, como era conhecido, além de amigo e companheiro de infância, nos acompanhou durante a vida escolar e adolescência participando também de nossa vida adulta. Foi um forte, na expressão da palavra. Destemido, nunca rejeitou parada, sendo por isso respeitado. Motorista instruído e com espírito aventureiro, dirigia o seu próprio caminhão  e com ele viajou por esse Brasil afora para depois se aquietar-se, exercendo com competência e respeitabilidade o cargo de fiscal de rendas deste Estado, falecendo repentinamente antes da aposentadoria.

José Felipe da Silva é irmão do saudoso Dominguinho. Com ele e Oswaldo Novaes, ambos ainda vivos, por um bom período de nossas vidas percorremos Vila Velha. Quebrando a rotina da Praia da Costa, de caíque a remo fazíamos a travessia do canal que demanda a baía de Vitória, para aportar na então famosa Praia do Canto, misturando-nos aos seus freqüentadores. Mais tarde fizemos esse mesmo percurso no veleiro do Dominguinho acompanhado do amigo Gilberto Barros Faria. Experimentamos a dificuldade dos velejadores no troca-troca de um lado para outro nas bordas da embracação, numa constante mudança de posiçãp das velas, ao sabor do vento e da direção forçada do leme.

 

Autor: José Anchieta de Setúbal
Livro: Ecos de Vila Velha, 2001
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fev/2011



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