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Inventário de Escravos

Escravo no Brasil

Em 1935, o grande juiz espírito-santense que foi Nilson Feydit, teve a feliz ideia de requisitar de seu colega de Cachoeiro de Itapemirim todos os processos ali arquivados que dissessem respeito à Comarca de Muniz Freire, em que então judicava, a qual estivera ligada, como termo, desde o império, à Princesa do Sul.

Vieram sessenta processos, doze dos quais diziam respeito a inventários, e que, consoante indicação do Sr. Pedro Duarte, Coletor Estadual, examinamos, sendo que três se relacionavam com heranças de escravos.

Vamos transcrever, primeiramente, os principais dados anotados nos três processos, fazendo, logo após, ligeiros comentários.

1)  Inventariado: José Ribeiro Soares.

Data: 13-2-1874

Inventariante: Francisca Clara de Jesus Soares.

Escravos – Domingo, matrícula 1718, avaliado em um conto e trezentos, crioulo, sem indicação de idade. Ana Rita, sua mulher, matrícula 1720, avaliada em novecentos mil réis, crioula, com trinta anos. Francisco, matrícula 1719, avaliado em novecentos mil réis, crioulo de 16 anos. Benedicto, matrícula 1721, avaliado em novecentos mil réis, crioulo de 23 anos. E Miguel, de cor calva, matrícula 1722, avaliado em oitocentos mil réis, brasileiro, com 11 anos de idade.

Outros bens – 3 alqueires, na Fazenda de Santa Bárbara, 1 vaca, porcos, leitões, um colar de contas, um rosário de contas e cruz de ouro, brincos, alfinetes de ouro, etc.

2) Inventariada: Maria Vieira da Rosa.

Data: 13-11-1874

Inventariante: Diniz Gonsalves Bastos, seu filho.

Viúvo meeiro – Francisco Gonsalves Bastos.

Escravos – Vicente, matrícula 5.775, avaliado em oitocentos mil réis, africano, com 53 anos de idade. José, matrícula 5.774, avaliado em quatrocentos mil réis, africano, com 57 anos, Domingos, matrícula 5.773, avaliado em duzentos mil réis, africano, com 62 anos, e outro Domingos, matriculado sob o n 5.776, avaliado em seiscentos mil réis, crioulo, com 34 anos.

3)  Inventariado: Manoel Ribeiro Soares.

Data: 3-5-1883

Inventariante: Rita Teresa de Assumpção.

Escravos – Matheos, matrícula 1712, avaliado em oitocentos mil réis, natural de Minas Gerais, com 39 anos. Raymundo, matrícula 1714, avaliado em seiscentos mil réis, também de Minas Gerais, com 17 anos. Simão, matrícula 1716, avaliado em oitocentos mil réis, ainda mineiro, com 24 anos. Antônia, matrícula 4358, avaliada em seiscentos mil réis, da Província do Rio de Janeiro, com 24 anos de idade. Leocádia, matrícula 1717, avaliada em quinhentos mil réis, mineira, com 29 anos de idade. Filipa, matrícula 1696, avaliada em duzentos mil réis, natural de Minas, com 71 anos. Thomé, matrícula 1689, avaliado em quinhentos mil réis, africano, com 63 anos e Margarida, matrícula 4429, avaliada em quatrocentos mil réis, crioula de 54 anos. João, matrícula 1706, avaliado em oitocentos mil réis, natural de Minas, com 20 anos, e Victorino, matrícula 1708, avaliado em quinhentos mil réis, natural do Espírito Santo, com 12 anos.

Ao todo, 19 escravos, em sua maioria homens com idades numa longa faixa de 11 a 71 anos (a nenhum se aplicava a Lei do Ventre Livre, e só em 85, seriam alguns libertados pela do Sexagenário), cinco de Minas Gerais, quatro africanos (infelizmente, sem designação da terra de origem), seis crioulos, (provavelmente filhos de senhores) um do Estado do Rio, um do Espírito Santo e um chamado genericamente de brasileiro.

No último inventário citado, encontramos relação de escravos, na forma preceituada pelo artigo 2 do regulamento 4835 de 1-12-1871, em que se consignava nome, cor, idade, estado, naturalidade, filiação, aptidão para o trabalho, e profissão. A cor, em geral, era preta, e às vezes, consignada calva. Na aptidão para o trabalho, dizia-se diligente ou regular e aos menores de 7 anos, nenhuma. As profissões eram lavoura, cozinheira, nenhuma, não aparecendo os célebres escravos artífices de outras áreas.

Os preços, por sua vez, variavam, segundo as avaliações citadas, entre duzentos mil réis e um conto e trezentos. Domingo, escravo avaliado por este máximo preço, devera ser excepcional. Os avaliados no mínimo preço deviam ser quase imprestáveis, como a velha Filipa, certamente uma mãe preta, com seus 71 anos. Compare-se o preço de um escravo com um alqueire de terra – trinta mil réis (hoje cinqüenta mil cruzeiros); um pé de café dando – duzentos réis (hoje avaliado em cinco cruzeiros); um boi – trinta mil réis; um burro - cento e trinta mil réis.

Os escravos das três fazendas inventariadas (Santa Bárbara, Nazaré e São Jerônimo) eram em pequeno número, se levarmos em conta que o então município de Cachoeiro de Itapemirim, juntamente com o de São Mateus, eram os que, na Província, possuíam maior número de cativos, catalogados, à época, como semoventes.

Os inventários eram requeridos ao Juiz de Órfãos de Cachoeiro de Itapemirim, o qual, no entanto, à moda dos juízes circulantes norte-americanos, locomovia-se na fase inicial do processo, ao domicílio do inventariado. Com riqueza de pormenores, os avaliadores da época apresentavam seus laudos. Em um dos inventários vemos, por exemplo, um cavalo alazão de nome Reserva, um burro rosado chamado Prata, 1 besta queimada, Jóia, uma vaca parida, Nobreza, e uma vaca solteira. O inventariante prestava juramento sobre os Santos Evangelhos, praxe que se manteve nos primeiros dias da República.

A míngua de dados sobre a escravidão no Brasil, fruto, em grande parte, da célebre e não feliz ordem ministerial de Ruy Barbosa, faz com que o compulsar de inventário (e neste setor o arquivo do Cartório Arnaldo Bastos em São Mateus é preciosíssimo) seja fonte com que tem de se haver o historiador social da nossa terra, inclusive para o estudo da família brasileira das classes média e alta, ao tempo do Império. Remetemos a tais fontes os estudiosos de nossa história e, especialmente, licenciados e alunos do curso de História de nossa Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

 

Livro: Torta Capixaba
Autor: Renato José Costa Pacheco.
Editora Âncora, 1962, Vitória – Espírito Santo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2011

 

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