Linhares – Por Monsenhor Pedrinha, em 1891
"Do norte ao lado, em direita margem
Está risonha vila de Linhares,
Vistas para desenhos da paisagem,
Oferecem por ali todos os lares:
Suas matas são lindas de roupagem".
(Poemeto descritivo — Padre Antunes de Siqueira)
O mais belo, alteroso e plano terreno que nos oferece o Rio Doce, e a que por isso mesmo denominei poeticamente Hiteçá, Ihe fica ao lado do norte e à margem esquerda do rio Juparanã, onde este se encontra e afoga nas grossas águas do Rio Doce. Aí se recreavam mais especialmente os índios bravios, aí se concertavam para as brigas, aí celebravam suas vitórias, aí se desabafavam e desenfadavam-se de seus transes e correrias.
Tão grande era a riqueza e importância do sítio que em 1792, houve-se de estabelecer um destacamento aparatoso e influente, cujas algumas ruínas lembram e confirmam ainda a história.
O primeiro comandante desse destacamento deu ao sítio e gentios o nome de Coutinho, recebido de um couto em Portugal, pertencente à casa de D. Rodrigo, ministro e secretário do Estado. Elevado, porém, D. Rodrigo não muito depois a Conde de Linhares, tomou o nome de seu protetor e amigo, que até hoje conserva a vila.
Ia já Linhares desenvolvendo-se e elevando-se à altura do seus naturais merecimentos, quando lhe rouba a morte seu admirador e amigo, seu protetor entusiasta e poderoso: com a morte de D. Rodrigo, foi-se lhe toda a fagueira esperança de grande prosperidade.
Se o governo em 1838 a elevou à categoria de vila, que muito merecia Linhares pelo seu bem suficiente e distintíssimo pessoal, nunca mais a generosidade e justiça puderam movê-lo a uma eficaz proteção. Pródigo das horas que lhe não saíram dos cofres o necessário à mesma hora, que aliás tanto prezava.
Nisso é coerente essa República! Defrauda os cofres, cassa certos títulos honoríficos, ainda que justos: prodigaliza indiretamente honras e honrarias, que caem logo no ridículo; mas, ao menos, a honra para ela é um som, que pouco significa.
Hoje Linhares pouco mais é que Hiteçá dos índios e menos talvez que o destacamento Coutinho.
O governo atual do Espírito Santo não tem acudido nem às grandes e urgentes necessidades de Linhares.
Por isso, nem é também de estranhar — dizer-se que Linhares não tem boas vias de comunicação, quando a Intendência funciona em uma choupana de palha pequenina, velha e alugada, e por cadeia tem a praça pública, ou o próprio leito do culpado!...
Mas Linhares, deixada e desprezada assim dos homens, é das larguezas e graças do autor da natureza riquíssima e opulenta, como já de passo toquei e agora desenvolverei, com a brevidade prometida e não escusada.
Senta-se Linhares com garbo e majestade em lindíssima e elevada planície vendo aos seus pés o rio Juparanã entestar e sepultar-se no Rio Doce. Parece que o Rio Doce, desde muito longe até muito abaixo, endireita acintemente as margens, alarga mais o leito, enfeita-se de agradáveis ilhas, alvorota as águas e despenha-se caudal e temeroso, prometendo tudo acabar e arrasar; e, em recebendo o tributo do Juparanã, acomete forte e orgulhoso a vila, defendida por alta barreira de argila vermelha em forma de meia lua: poderoso baluarte entre gládio da fúria e o riso da inocência. Linhares, banhando-se nas suas águas, ri-se de sua braveza e apascenta os olhos no imponente do seu curso.
Do lado oposto, e à sua esquerda, as lagoas de Juparanã e Aviso, lobrigando-a com gosto, erguem suas águas, como para lhas oferecer generosas.
As matas virgens que a circundam, com todo o ameno de sua verdura e toda riqueza de sua voracidade, serenando-lhe o aspecto, estão aventando um futuro próspero e lisonjeiro.
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De seu digníssimo pessoal, que me é tão raro e simpático, escreverei somente aqui uma estância do talentoso Padre Antunes de Siqueira, porque me não taxe alguém de exagerado ou suspeito. Assim cantou o meu inteligente patrício no seu Poemeto descritivo:
"As pessoas da vila são tratáveis;
Famílias alem de educadas
Alegres, esbeltas, muito amáveis;
Em graças, facécias delicadas,
São mais que as outras invejáveis;
Pois se mostram em trato consumadas
Onde reina e afaga a inocência,
A honra obtém mais excelência".
Pati do Alferes, Setembro de 1891. (Publicado no Brasil)
Nota: O Monsenhor Pedrinha (1864-19I9), autor do texto acima publicado, foi poeta, ensaísta, orador sacro e parlamentar por mais de uma legislatura. De família tradicional de desbravadores, nascido às margens do rio Doce, foi um dos maiores intelectuais de sua época. Patrono da cadeira 18 da AEL.)
(Rio de Janeiro: Tip. de O Apóstolo, 1896. CAPÍTULO XIII.)
Fonte: Revista da Academia Espírito-Santense de Letras – Comemorativo ao 86º aniversário da AEL, ano 2007
Autor: Monsenhor Eurípedes Pedrinha
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2015
Juparanã, Juparanã, deu-te tudo a natureza, só te não deu lágrimas para chorares o desprezo dos teus!...
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