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Maria Ortiz não é uma lenda - Por Eurípedes Valle

Escadaria Maria Ortiz, local onde ocorreu o episódio, na manhã do dia 10 de março de 1625

Maria Ortiz já não é na História do Espírito Santo uma figura de lenda. O seu nome não mais aparece envolto nas dobras da dúvida ou recoberto pelo véu da incerteza. Já agora se sabe, com segurança, quem eram os seus pais, quando nasceu, que idade tinha quando ocorreu o episódio célebre, como vivia e quando afinal faleceu.

O Espírito Santo deve esses esclarecimentos a um de seus filhos ilustres, infelizmente desconhecido do grande público. Referimo-nos ao Barão do Guandu, Cel. João Bernardes de Souza que foi, no Estado, o segundo portador desse título.

O Barão do Guandu era um apaixonado das cousas do Espírito Santo. Grande parte de sua fortuna particular empregou ele na aquisição de documentos relativos à história espírito-santense. Chegou mesmo a custear a viagem de um amigo a Portugal a fim de colher no célebre arquivo da Torre do Tombo daquele Pais elementos de elucidação para muitos dos episódios do nosso passado ainda não esclarecidos.

Possuía devidamente catalogado um precioso inventário. O acaso aproximou-me de sua Viúva a Baronesa do Guandu falecida, há pouco, em Cachoeiro de Itapemirim. Desposei em primeiras núpcias uma sua neta. Esse fato permitiu que conhecesse de perto a figura austera daquele ilustre titular através dos informes de sua veneranda Viúva.

A Baronesa do Guandu, que viveu o último quartel da vida em Cachoeiro de Itapemirim, era uma dessas velhinhas encantadoras. Embora já septuagenária, possuía excelente memória Espírito atiladíssimo, era um prazer ouvi-la rememorando cousas e fatos do passado fixando-os no tempo e no espaço com precisão admirável. Era um período vivo da nossa História, costumava dizer o saudoso político Dr. Pinheiro Junior.

Não era, como em geral são as pessoas de sua idade e da sua hierarquia. Não menosprezava o presente por amor as cousas do passado. Espírito arejado e evoluído, achava perfeitamente naturais todas as conquistas da civilização.

Foi por intermédio dela que tomei conhecimento da existência do precioso documentário que a paixão do velho Barão, seu esposo, acumulara durante vários anos sobre cousas, homens e fatos do Espírito Santo. Falecendo, foi toda aquela valiosa documentação cuidadosamente encaixotada e destinada segundo seu próprio desejo ao Arquivo Público do Estado. Ficara, porém, na Fazenda Santa Helena, em Castelo, onde falecera, aos cuidados de seu digno filho Cel. Jayme Bernardes de Souza até que pudesse ser enviado à Capital. Mudando-se este para Cachoeiro de Itapemirim, fora o arquivo confiado à guarda do Administrador Geral da Fazenda. Uma serie de circunstancias e incidentes fez com que ele ali permanecesse por vários anos.

Um dos amigos íntimos do velho Barão, o Cel. Antonio Marins, conhecendo o valor daquele documentário e sabendo da existência do mesmo ainda na Fazenda pediu o obteve do Cel. Jayme Bernardes permissão para fazê-lo chegar ao seu destino. Infelizmente, dois dos três caixotes estavam completamente inutilizados pela traça e cupim. Somente de um deles ainda se podia aproveitar alguma cousa. Desgraçadamente muito pouco. Com esse pouco o Cel. Antonio Marins, estudioso também do nosso passado, escreveu o seu hoje apreciado livro “Minha terra e meu Município”. Pela precisão dos dados e pela riqueza dos informes bem se pode avaliar o que era o arquivo do velho Barão do Guandu.

Com a morte do Cel. Marins e mudança de sua família para Rio de Janeiro desaparecia infelizmente o que restava daquela preciosa coleção. Tentei ainda, por intermédio de sua ilustre filha, a senhora Lola Marins, obter informes sobre o mesmo. Muito pouco consegui. A bem dizer quase nada, mesmo em relação ao que se conseguira salvar.

Em todo caso não foi totalmente em vão o nosso esforço. Alguns dados foram obtidos ainda preciosos e capazes de esclarecer, entre outros o episodio histórico relativo a figura de Maria Ortiz e do naufrágio do navio Imperial Marinheiro em que tanto se distinguira o velho Caboclo Bernardo.

Dessa forma e com o relato que de viva voz nos fazia a velha Baronesa, que fora auxiliar prestimosa de seu marido na organização e catalogação do documentário, pudemos anotar e registrar alguma cousa de útil a nossa História.

Já agora é possível reconstituir, com segurança, o episódio célebre no qual se distinguiu aquela jovem heroína espírito-santense.

Maria Ortiz era filha de espanhóis Juan Ortiz y Ortiz e de Carolino Davíco (ou Daríco) que aqui chegaram em princípio de 1601.

Maria nasceu nesta Capital, dois anos depois, isto é, em 20 de fevereiro de 1603. Tinha, portanto, 22 nos completos quando ocorreu o episódio histórico. Aos 16 anos ficara órfã da Mãe que falecera de “febres”. Filha única, passou a substituir a progenitora no governo e misteres da casa, auxiliando ainda o Pai no pequeno comércio que mantinha.

Os encargos de dona de casa, que tão cedo lhe pesaram, desenvolveram-lhe as virtudes e qualidade enrijando-lhe o caráter e a vontade. Muito habilidosa, exercia, nas horas de lazer, o mister de costureira e doceira, habilidades que herdara da progenitora. De sua mãe espanhola possuía ainda o físico e a robustez.

O episódio célebre em que tomara parte não ocorreu como em geral se supõe. Realmente. Não seria com simples baldes d’água, mesmo ferventes, que se havia de desbaratar um grupo de homens aguerridos e habituados a luta como os holandeses corsários da época.

O fato se deu de modo diverso. Maria Ortiz, aproveita-se da posição do pequeno sobrado em que habitava à ladeira do Pelourinho (hoje Escadaria Maria Ortiz) e procurou impedir a passagem dos invasores por aquele ponto. De fato o pequeno sobrado ficava no centro da ladeira e exatamente na parte mais estreita desta, com pouco mais de 4 metros de largura.

A ladeira era, no tempo, o ponto de mais fácil acesso á Cidade Alta onde se encontrava, como ainda hoje, a sede do Governo. Na manhã do dia 10 de março de 1625 os holandeses desembarcaram. Amanhecia obscura a Vila, Maria Ortiz sente de perto o perigo. Bem sabia o que fora a invasão anterior. Convoca a vizinhança e combina a moção. Deveriam pelo menos dificultar a passagem dos invasores por aquele ponto. Tudo seria utilizado para o fim já que não havia tempo de pensar em outros meios. O desembarque se dá.

Como se esperava o grosso dos invasores rumou para aquele ponto. Ao atingirem o meio da ladeira são surpreendidos. Uma forte reação parte das janelas das casas altas de ambos os lados da ladeira. E sobre eles toda a vizinhança animada e dirigida por Maria Ortiz lançava não só água fervente como pedras, paus, brasas e tudo que naquela emergência pudesse fazer algum mal aos invasores. O efeito foi imediato. Surpreendidos e com alguns fortemente queimados e contundidos, sem nada poder fazer, retrocederam. E retrocederam diretamente e às pressas para bordo porque já a esse tempo chegavam os soldados da milícia regular que, animados ainda por Maria, perseguem os inimigos.

O fato teve larga repercussão. Governava o Espírito Santo Francisco de Aguiar Coutinho. Este, em longa exposição, leva o fato ao conhecimento do Governador Geral Diogo Luiz de Oliveira exaltando “a ação exemplar e destemida da brava moça”.

Essa carta exposição constitui hoje um precioso documento. Ele veio a esclarecer entre outros a data exata do episódio e detalhes outros tão úteis à perfeita elucidação do fato. Uma cópia autentica desse documento foi oferecida em 1897 pelo velho Barão ao seu amigo Cel. Reynaldo do Souto Machado depois Prefeito de Cachoeiro e grande curioso da nossa História. Este, por sua vez, para melhor guardá-la, oferece ao Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, onde deve se encontrar.

Cercada, desde então, da consideração geral das autoridades e do povo da então pequena vila de Vitória veio a destemerosa espírito-santense a falecer no dia 18 de Setembro de 1646. Tinha então 43 anos.

 

Vitória, 20/12/947

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. N 65, 2011
Autor: Eurípedes Queiroz do Valle
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2013 

 


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