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O acordo definitivo do Contestado – Por Eurico Rezende

Governador Chiquinho (ES) e Governador Magalhães Pinto (MG) juntos na região do Contestado

Eleito Senador, tive oportunidade de, algumas vezes, conversar com o Governador Lacerda de Aguiar. Sugeri-lhe que entrasse em entendimento com o Governador de Minas Gerais, Dr. Magalhães Pinto, meu amigo e companheiro de partido (UDN) e homem reconhecidamente do diálogo.

Respondeu-me que iria ter um contato com o Dr. Cícero Moraes, conhecedor profundo da questão e que participara, como informante, dos trabalhos da comissão do Serviço Geográfico do Exército, na qualidade de representante do Espírito Santo.

Esse conceituado engenheiro e escritor capixaba mostrou-se frontalmente contra qualquer acordo. Só aceitaria a solução arbitrada por aquele órgão do Exército ou julgamento pelo Supremo Tribunal. Esta foi a opinião que deu ao Governador, por este a mim transmitida.

Notei que o Dr. Francisco Lacerda de Aguiar perfilhava, aproximadamente, o mesmo ponto de vista do Dr. Cícero Moraes. Dei "tempo ao tempo" e voltei à tentativa de persuadi-lo.

Acredito que tenha havido, depois, a interferência de outras pessoas, pois o encontrei receptivo. Assim aconteceu.

O "sinal verde" surgiu e os dois Governadores passaram a se entender.

Finalmente, mas sem minha participação, o acordo definitivo foi celebrado, em 1965. Boa a sua concretização, porque, acima de tudo, foi a vitória do patriotismo contra o regionalismo.

MEU PONTO DE VISTA

Creio, com isenção total, que o único meio de o nosso Estado resgatar o seu território no "Contestado" extinguiu-se, quando não foi publicado o decreto-lei, objeto deste capítulo.

Seguem-se o exame e o raciocínio, com as suas conclusões. Visando a colocar clareza no tabuleiro da controvérsia, começo por oferecer ao leitor este quadro comparativo:

CONSTITUIÇÃO de 1937

Disposições Transitórias

"Art. 184. Os Estados continuarão na posse dos territórios em que atualmente exercem a sua jurisdição, vedadas entre eles quaisquer reivindicações territoriais.

§ 1° Ficam extintas, ainda que em andamento ou pendentes de sentença no Supremo Tribunal Federal, as questões de limites entre Estados.

§ 2° O Serviço Geográfico do Exército procederá às diligências de reconhecimento e descrição dos limites aqui sujeitos a dúvida ou litígios, e fará as necessárias demarcações".

CONSUMIÇÃO de 1946

Disposições Transitórias

"Art. 6° Os Estados deverão, no prazo de três anos, a contar da promulgação deste Ato, promover, por acordo, a demarcação de sua linha de fronteira, podendo, para isso, fazer alterações e compensações de áreas, que atendam aos acidentes naturais do terreno, às conveniências administrativas e à comodidade das populações fronteiriças.

§ 1° Se o solicitarem os Estados interessados, o Governo da União deverá encarregar dos trabalhos demarcatórios o Serviço Geográfico do Exército.

§ 2° Se não cumprirem os Estados o disposto neste artigo, o Senado Federal deliberará a respeito, sem prejuízo da competência estabelecida no art. 101, n° I, letra "e", da Constituição."

**************

 

O vilipendiado decreto-lei, consagrando o direito do Espírito Santo, foi assinado em 1945, portanto, em plena vigência da Constituição de 1937, cujo artigo 184, (§ 2°) estabeleceu que o Serviço Geográfico "fará as necessárias demarcações." Ressalte-se que em nenhum momento, o referido dispositivo consignou a ressalva que a Carta de 1946 viria a incluir: "... sem prejuízo da competência estabelecida no art. 101., n° I, letra e, da Constituição.. É que de forma absoluta, a Constituição de 1937 entregou ao Executivo Federal a solução dos problemas motivadores do referido artigo 184. Soberano era o Serviço Geográfico do Exército para solucionar a questão.

Assim, se o decreto-lei houvesse sido publicado, tal ato seria perfeito e acabado, com as virtudes da res judicata, isto é, não poderia ser revogado ou sequer alterado pelo Poder Judiciário.

Outra era a situação do Projeto de Resolução, apresentado pelo Senador Jefferson de Aguiar, com a brilhante justificativa, comprobatória de constante dedicação à causa do Espírito Santo.

É que, enquanto o laudo do Serviço Geográfico do Exercício se deu em cumprimento da Carta de 1937, a proposição do eminente representante capixaba surgiu a lume, em 1959, quando em vigor a Constituição de 1946. Por esta, o Senado tinha competência para deliberar sobre a matéria. Mas igual competência tinha também, o Poder Judiciário, estipulada na ressalva constante do § 2° do art. 6° do Ato das Disposições Transitórias: "... sem prejuízo da competência estabelecida no art. 101., n° I, letra e, da Constituição. Este dispositivo rezava:

"Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete — processar e julgar originariamente:

...............................

e) as causas e conflitos entre a União e os Estados ou entre estes;"

 

COMBATE E OBSTRUÇÃO

Surgiram, em conseqüência, duas realidades: uma, de potencialidade inteiramente favorável ao nosso Estado e que nos foifraudulentamente retirada, e a outra, plenamente destituída de viabilidade.

Quanto à primeira, já manifestei minha opinião.

Passo a examinar a segunda.

Desde o início, a tramitação do projeto Jefferson de Aguiar sofreu combate e obstrução da parte da bancada mineira no Senado, que teve como porta-voz o ilustre e prestigioso Senador Milton Campos. Obviamente, é tradicional o peso de Minas Gerais, em termos políticos. Por sua vez, a aparente complexidade do assunto dava ensejo a todas as "operações tartaruga", favorecidas pela excessiva liberalidade do Regimento, o que, aliás, aconteceu, bastando citar estes desdobramentos:

— o projeto foi apresentado em 6 de maio de 1959;

— remetido para a Comissão de Justiça, o relator só ofereceu o seu parecer dois anos depois (julho de 1961);

— o Senador mineiro pediu vista e deu longo voto;

— o autor ofereceu contradita ao pronunciamento do Senador Milton Campos, em extensas razões, evidenciando, mais uma vez, ser atilado e profundo conhecedor da matéria.

— em agosto de 1961, o Senador Milton Campos "voltou à carga", apresentando um substitutivo ao projeto, nestes termos:

"Art. 1° Fica constituída uma Comissão Especial de cinco senadores, que serão designados pela Mesa do Senado e que terão a incumbência de examinar o estado atual da questão de limites entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, oferecendo ao Senado os meios necessários para o conhecimento do caso.

Art. 2° A constituição dessa Comissão e a resolução que, em conseqüência, vier eventualmente a ser tomada, não prejudicarão a competência do Supremo Tribunal Federal (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 6°, parágrafo 2°, e Constituição, art. 101, n° I, letra e).

Art. 3° No curso de seus trabalhos, deverá a Comissão Especial oferecer seus bons ofícios aos governos dos Estados, para que encontrem, pelo acordo direto, solução conciliatória das dúvidas existentes.

Art. 4° A Mesa do Senado facilitará à Comissão Especial as diligências necessárias ao desempenho da sua incumbência."

(Sem qualquer dúvida, a proposição acima reproduzida possuía o sentido e o objetivo de eternizar o andamento do projeto do Senador Jefferson de Aguiar. Este, na qualidade de Presidente da Comissão de Justiça, determinou o arquivamento desta emenda substitutiva, por considerá-la anti-regimental, e realmente era.)

— em seguida, foi requerido e deferido pedido de diligência para que uma Comissão Especial examinasse a exatidão dos documentos acoplados ao projeto; tal diligência foi cumprida de setembro de 1961;

— somente em fevereiro de 1962 foi dado o segundo voto na Comissão de Justiça;

— a partir daí, nada mais foi feito, tendo o projeto sido arquivado.

Vê-se, portanto, que, favorecida por mecanismo regimental propiciador de prolongados retardamentos, a posição mineira, altamente influente, conseguiu "torpedear" a bela peça legislativa do Senador Jefferson de Aguiar.

 

Fonte: Memórias – Eurico Rezende– Senado Federal, 1988
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2018

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