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O brilho da metade do céu – Movimento Feminista

Revista - Presença da Mulher, 30 anos

As feministas iniciaram sua organização no estado, mais precisamente em Vitória, nos anos 80, com a criação do CIM-Centro de Integração da Mulher.

Terminava nessa época a ditadura militar e as organizações sociais ressurgiam. O auge dessa retomada deu-se em 1984, quando centenas de mulheres tomaram conta do centro de Vitória, numa manifestação contra a violência à mulher. Viemos em caravana de Cachoeiro, éramos secundaristas e universitárias. Foi o primeiro contato de várias mulheres com as famosas feministas.

Desse dia em diante começaram a surgir várias entidades de base, principalmente nos bairros. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) foram fator de aglutinação de muitas mulheres.

Em São Pedro, surgiu o Musp (Mulheres Unidas de São Pedro), que tinha uma atuação mais centralizada nas questões específicas do bairro.

Aquelas secundaristas e universitárias cachoeirenses, na busca de uma melhor estrutura de vida, mudaram-se para Vitória. Algumas continuaram a militância no movimento estudantil, outras buscaram a opção pelo "movimento" de mulheres. Falamos assim porque a palavra feminismo dava medo. Ser feminista, para algumas pessoas, ainda nos nossos dias, parece ser mulher diferente, agressiva, ameaçadora da paz e boa convivência. Mas foi através desse movimento ridicularizado e ignorado que aprendemos que a opressão não faz parte de um destino fatal.

Descobrimos que a História escondeu as nossas heroínas. Os heróis do Brasil e até mesmo de nossa cidade são do sexo masculino. Maria Ortiz — a revolucionária — é uma das poucas exceções.

Aprendemos que as bruxas não expressavam nenhuma temeridade. Suas bruxarias nada mais eram do que a descoberta de curas através das ervas. As fogueiras que as queimavam foram a luz que abriu o caminho da revolta de muitas mulheres.

No final dos anos 80 arrefeceu bastante o movimento. Em todas as lutas travadas pelas feministas, o fogo e a violência sempre estiveram presentes. E foi a violência que fez ressurgir nos anos 90 um novo reagrupamento. "Feministas" e "Femininas" se juntaram.

Maria Cândida acabara de ser cruelmente assassinada na frente de sua filha por seu marido. Gilsa Barcellos exercia seu mandato de vereadora e, junto com parentes da vítima, convocou uma reunião (as famosas de todos os movimentos sociais) para que pressionássemos a Justiça, como sempre, para que o covarde fosse preso. Muitas lideranças de outros movimentos compareceram, foram inúmeros os atos e reuniões. Como tudo no Brasil, acabou sem punição concreta. Maria Cândida, mesmo sem vida, conseguiu alertar a todas que era preciso uma reviravolta.

Nesse período, os movimentos sociais estavam em descenso. Mesmo assim nasciam várias organizações feministas.

Formamos o Fórum de Entidades de Mulheres Organizadas do Estado do Espírito Santo, que teve um papel destacado junto aos órgãos institucionais e em várias campanhas. Queríamos o Conselho Estadual da Mulher Capixaba.

Não conseguimos. O movimento rachou e um grupo conseguiu junto ao governo do estado a criação de um órgão, que, um ano depois se esfacelou. Entidades que até então não eram juridicamente registradas buscaram se nominar. Surgiram a Amus (Associação de Mulheres Unidas da Serra), a Amucabuli (Associação de Mulheres de Cariacica Buscando Libertação), a UCM (União Cachoeirense de Mulheres), a UBM-ES (União Brasileira de Mulheres do Espírito Santo) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) - MULHER. O Conselho só conseguimos viabilizar em 1995. As organizações de mulheres no município, como em todo o Brasil, contemplam uma grande diversidade, dizem até que somos divididas, mas é importante o respeito a cada concepção e tipo de organização. Muitas militantes ainda rejeitam o termo "feminista", e se dizem "femininas". Talvez porque o feminismo questione as raízes mais profundas das relações de gênero e aponte uma nova maneira de entender o mundo.

Não se trata de um grito histérico e superficial de algumas insatisfeitas com sua própria experiência de vida. Não é a expressão pública da amargura feminina. É a luta para conseguir uma identidade humana a partir do fator biológico de ter nascido mulher. É alcançar nas relações de "gênero" uma nova e superior categoria: a de pessoa.

Existem, como em todo movimento social, pessoas que se utilizam das causas coletivas para benefícios pessoais, mas essas a história não reconhece, desmascaram-se com o tempo.

Nesse tempo não conseguimos avançar muito no campo institucional. Vários conselhos foram aprovados através de leis nos municípios. Mas não saíram do papel. O Núcleo de Atendimento à Mulher da Prefeitura Municipal de Vitória e o Conselho Estadual da Mulher Capixaba funcionam regularmente. Mas precisamos saber diferenciar órgãos institucionais de atendimento à mulher dos movimentos organizados. Este é um processo de descobrimento que só a experiência nos fará alcançar, numa organização superior.

Beijing

O amadurecimento das organizações fez com que conseguíssemos em 1995 participar da IV Conferência Internacional da Mulher promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas) em Beijing, na China.

Fomos doze capixabas, representantes de organizações não-governamentais e de órgãos institucionais. Não foi fácil para as representantes das ONGs conseguirem o apoio necessário, pois nos movimentos sociais o que mais falta é financiamento para viabilizar os projetos. Fizemos inscrições no início de 1995.

Em junho participamos da Conferência Preparatória das Mulheres Brasileiras no Rio de Janeiro. A expectativa era grande, muitas mulheres se haviam inscrito, mas algumas já tinham perdido a perspectiva de viajar. Cada uma se arranjou como pôde. Fizemos festas, rifou-se de tudo um pouco, livros de ouro, apoio de autoridades, contribuição pessoal. Conseguimos.

Embarcamos no final de agosto. Das doze capixabas, pouco mais da metade fez o roteiro Brasil-Johannesburg-Bangkok-Pequim. Já em São Paulo encontramos mulheres do Cone Sul com o mesmo destino. Foram 36 horas de viagem, tentávamos a todo o tempo entender a mudança no fuso horário, afinal estávamos indo ao outro lado do mundo. Uma verdadeira aula geográfica, há tempos esquecida, e não é todo dia que isso acontece.

A ansiedade era grande, pois notícias que chegavam a Pequim não eram boas — repressão, falta de alojamentos, desorganização total. Fátima Couzi, Brice Bragato e eu fomos recebidas pelo assessor da embaixada brasileira. Nessas horas é bom estar acompanhada de autoridades, as outras brasileiras iam direto ao ônibus que levava as delegadas a Huairoi. Ficamos as três em Pequim. A insegurança pelas notícias que tínhamos desapareceu, tudo estava tranquilo e muito bem organizado. Peter, assessor da embaixada, nos colocava a par de toda a realidade chinesa e da Conferência. O que causou espanto foi a comida. Disse ele: "Cuidado, aqui tudo que anda come-se." Realmente a culinária chinesa é muito exótica para nós ocidentais.

O Fórum Paralelo (encontro de ONGs) já havia começado em Huairoi. No primeiro dia, nos credenciamos no Estádio dos Trabalhadores, em Pequim. A vida oriental já nos contaminava. São todos muito tranquilos, mudamos um pouco a rotina dos chineses, mas não muito, afinal 45.000 mulheres numa população de um bilhão de habitantes é um pingo d'água num oceano. Huairoi é uma província da China. De Pequim até lá são 50 km. Fazíamos esse trajeto todos os dias pela manhã e à noite. Já na chegada, a emoção de contemplar tantas mulheres nos contagiou. Clicávamos todas com suas vestimentas típicas. Esquecemos o Brasil. Eram mulheres de todas as nacionalidades, raças e etnias. De vários credos religiosos, línguas e dialetos variados. Opiniões políticas, orientações sexuais, costumes evidenciavam a pluralidade e a riqueza do movimento de mulheres. Mais de três mil ONGs realizaram, em oito dias, cinco mil seminários, workshops, conferências, lançamentos de curta-metragem e atividades culturais. Vitória esteve presente com o vídeo sobre as paneleiras.

Foram levantadas seis tendas regionais — América Latina e Caribe, África, Ásia, Europa, América do Norte e Países Árabes. As africanas eram as mais organizadas e alegres. Houve manifestações de todos os tipos — de jovens, negras, lésbicas, portadoras de deficiências, indígenas e trabalhadoras rurais. Os temas abordados satisfaziam todos os gostos, desde a violência doméstica, gênero, prostituição infantil, passando por aborto, saúde e direitos reprodutivos, miséria e a situação do meio ambiente mundial.

O que mais chamou a atenção foi a diversidade do movimento. Sem disputa de espaço, conseguíamos debater de tudo um pouco. Sem nenhuma grande estrela, éramos todas de uma única constelação. Brilhamos juntas na metade do céu, expressão chinesa que define a mulher, dando a dimensão do nosso tamanho no infinito.

A dificuldade maior foi a língua. Nas tendas tínhamos tradutores, mas fora delas não. Com o tempo entramos no ritmo da subjetividade e o entendimento ocorria através do olhar, dos gestos, sorrisos, da afetividade e da certeza de estarmos todas na mesma luta. Sabíamos que juntas estávamos trabalhando uma única verdade: o fim da opressão de gênero. As mulheres foram a Beijing lutando contra a perda das conquistas sociais e direitos legais, para que não houvesse retrocesso em relação às conferências anteriores. Ainda que a Plataforma de Ação, documento final, tinja de rosa pálido o que as mulheres pintaram de vermelho vivo, temos agora um instrumento para um salto.

Pequim me encantou. Volto um dia para conhecer outras cidades chinesas. A cultura e os costumes orientais transpassam oceanos. Visitei quase todos os pontos turísticos de Pequim. Caminhei quilômetros. Todos os monumentos, templos, praças são imensos. Nada que se consiga visitar em meia hora. Cheguei ao Brasil mais convicta de continuar a militância e mais zen.

Com a certeza de que nada ficará como está e que nada será como antes. Até hoje, um ano depois, ainda fazemos palestras sobre a Conferência. Essa agora é a nossa principal tarefa, divulgar as resoluções para que elas se concretizem.

A nossa participação nas eleições de 1996 com a cota de vinte por cento já é fruto da Conferência. Beijing mostrou que o século XXI pertence às mulheres, sem nenhuma pretensão de excluir os homens.

 

Escritos de Vitória – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.
Prefeito Municipal: Paulo Hartung
Secretária Municipal de Cultura e Turismo: Silvia Helena Selvátici
Sub-secretário Municipal de Cultura e Turismo: Rômulo Musiello Filho
Diretor do Departamento de Cultura: Rogério Borges de Oliveira
Diretoria do Departamento de Turismo: Rosemary Bebber Grigatto
Chefe da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim: Lígia Maria Mello Nagato
Bibliotecárias: Elizete Terezinha Caser Rocha
Lourdes Badke Ferreira
Conselho Editorial: Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Revisão: Reinaldo Santos Neves, Miguel Marvilla
Capa: Vitória Propaganda
Editoração Eletrônica: Edson Maltez Heringer
Impressão: Gráfica e Encadernadora Sodré

 

Fonte: Escritos de Vitória, nº 16 Movimentos Sociais, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – PMV
Texto: Edna Calabrez Martins
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2018

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