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O comércio de muares – Ormando Maraes

Mulo, indivíduo híbrido resultante do cruzamento de um asno com uma égua

Para atender às necessidades de transporte da crescente produção de café com destino aos centros comerciais e exportadores e de toda sorte de suprimentos em sentido contrário, a partir do final do século XIX intensificou-se o comércio de muares, vindos preponderantemente de Minas Gerais, sendo vários os pontos de entrada em nosso Estado, como Baixo Guandu, Ibatiba, Pequiá, Dores do Rio Preto, etc.

Os comerciantes de muares eram chamados muladeiros e eles vendiam tanto animais chucros para serem adestrados pelos compradores, quanto muares já preparados e arreados, assim como, separadamente, arreios, equipamentos, apetrechos e decorações miúdas para tropas. Aproveitando os animais, os muladeiros também costumavam trazer fumo, queijo e toucinho, mas, nesse comércio, existiam especialistas, que retornavam a Minas com sal, querosene e tecidos.

A respeito de preços, a notícia mais antiga foi dada pelo excelente informante Paulo José do Carmo: em 1922, um burro arreado custava 150$000 (cento e cinquenta mil réis). Para se ter uma idéia desse valor, acrescentou que, na mesma época, no interior do Espírito Santo, uma arroba de café valia 5$000 (cinco mil réis) e um carro de milho em palha (carro de boi) era cotado a 20$000 (vinte mil réis). Já no final da década de 30, um burro estava valendo o dobro, isto 300$000 (trezentos mil réis).

Por força da época em que se desenvolveu, nas primeiras décadas deste século, essa atividade de compra e venda de muares ficava estritamente dentro do sistema da livre iniciativa, sem qualquer intervenção do Estado, nem para cobrar impostos sobre o ato de comércio em si, nem tampouco para oferecer proteção ou estímulo, ao contrário do que ocorreu nos primórdios de nossa colonização, quando a Coroa portuguesa interferiu ostensivamente na atividade de importação e produção de muares e cavalos. Mas era uma livre iniciativa pura, séria e solidária, sem os artifícios e as fraudes de hoje e sem exacerbação na busca de lucros excessivos e descabidos.

Entre os comerciantes de muares das décadas de 30 e 40, os nomes citados com destaque especial pelos informantes foram os de Eloy Espíndula, da região de Santa Leopoldina, tido como o "homem mais prateado do Brasil", pela prataria que enfeitava suas tropas, Antônio Souza e Silva, o Bilu, hoje, proprietário da Fazenda Fim do Mundo, em Castelo, e Epiphanio Zamprogno, estabelecido, na época, no município de Santa Teresa.

Bilu é de Jiquiri, perto de Viçosa, Minas, e começou-a vender muares no Espírito Santo em 1932; trazendo-os das regiões de Conceição do Mato Dentro e Itabira, em lotes de 200 a 300 animais, entrava no Espírito Santo e vendia-os em lúna, Muniz Freire, Alegre, Castelo, Conceição, Afonso Cláudio, Cachoeiro, Alfredo Chaves, Iconha e Rio Novo. De animais arreados chegou a trazer lotes de até 100 de cada vez e, neste caso, vinham também carregados de ferraduras, fumo, queijo, etc., tudo para ser comercializado no itinerário que exigia cerca de 30 dias. Bilu recorda que o último lote que vendeu foi para o fazendeiro Luiz Cola, de Castelo.

Epiphanio Zamprogno, pelo menos 4 vezes por ano, saía de Tabocas, no município de Santa Tereza, atravessava os municípios de Itaguaçu e Afonso Cláudio e entrava em Minas, passava por Laginha e São Manoel do Mutum e ia até Figueira do Rio Doce, passando na maior parte do trajeto por picadas abertas na mata. Levava toda a sorte de mercadorias para vender e comprava lotes de muares que trazia na volta e nesse comércio atraiu alguns mineiros vendedores de animais, entre os quais Orlando Ramalho, que se casou com sua irmã Augusta.

Além desses três, um nome citado com destaque foi o de Marcondes Alves Fonte Boa, a respeito de quem o poeta Elviro de Freitas, de Cachoeiro de ltapemirim, conta uma história muito curiosa. Marcondes costumava vir de Minas Gerais para vender seus muares no Espírito Santo. E tantas vezes veio ao nosso Estado que, em Cachoeiro, se tornou grande amigo e admirador do Capitão Souza, dono da Fazenda Monte Líbano e pai de Jeronymo de Souza Monteiro e Bernardino de Souza Monteiro (que foram presidentes de nosso Estado). Tão admirador e amigo do Capitão que adotou o nome Souza para substituir Fonte Boa. E outra curiosidade: seus filhos adotaram-lhe o prenome como sobrenome. E todos os seus descendentes ostentam, até hoje, o nome Marcondes ao invés de Fonte Boa, o que seria mais certo. Acrescenta Elviro, fazendo trocadilho, que colheu estas informações de boa fonte, isto é, de um irmão do vendedor de burros e mulas. O Coronel Marcondes Alves de Souza (já com este título) foi colocado no governo do Espírito Santo por Jeronymo de Souza Monteiro, tendo sido alvo de muitas piadas e anedotas durante o tempo em que permaneceu no Palácio Anchieta, mas, na realidade, embora simples e de pouquíssima instrução, era um homem de bom senso e intuição para governar.

 

Fonte: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989
Autor: Ormando Moraes
Acervo: Edward Athayde D’ Alcantara
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016

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