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Os Tropeiros - Por Ormando Moraes

Burro pronto para viajar - Desenho: Sergio Lucio

Enquanto as tropas tinham como objetivo único o transporte de cargas de toda a natureza do interior para os centros comerciais e destes para o interior, os tropeiros (nessa denominação genérica incluindo os arrieiros), além de sua função principal, que era também o transporte, executavam várias outras tarefas de interesse para as populações a que estavam ligados, ou por onde passavam. Eles atendiam a toda sorte de encomendas dos conhecidos e amigos, faziam compras, inclusive de medicamentos, transportavam numerário e valores, porque não havia bancos no interior, levavam cartas e recados, carregavam malas de correio e traziam as notícias mais fresquinhas dos lugares por onde passavam, inclusive das cotações do café e de outros produtos na Capital, tudo sem cobrar qualquer taxa ou comissão, com uma seriedade irrepreensível, daí a confiança de que desfrutavam.

A chegada dos tropeiros aos pontos de parada, era uma festa para os moradores das imediações. Nos ranchos, o fogo estava sempre acesso e, pendurada na trempe, a chaleira com água fervente para o café que era oferecido aos que apareciam para conversar. Nessas ocasiões também se bebia muita cachaça, que os tropeiros carregavam no burro de cozinha. Mas a conversa não podia se estender muito, porque o tropeiro tinha necessidade de dormir cedo, para se levantar de madrugada e seguir com sua tropa. Entretanto, quando a chuva se prolongava por muitos dias, impedindo a continuação da viagem, ou em datas especiais em que o proprietário admitia uma folga, então se improvisava um "arrasta-pé"; mesmo no rancho, ao som e sanfona ou da viola e da cantoria em quadrinhas singelas como esta:

Eu tava cherando um cravo

Que uma morena me deu,

Já ia tomando o chero,

Quando a peroba desceu...

 

E o coro entoava:

Já ia tomando o chero

Quando a peroba desceu...

 

Ou esta:

 

A cana verde no má

Anda a roda do vapô,

Q'inda tá para nascê

Quem vai sê o meu amô...

 

E o coro repetia:

 

Q'inda tá para nascê

Quem vai sê o meu amô...

 

O ambiente nos ranchos era geralmente muito alegre, não só pelas visitas freqüentes dos vizinhos, mas também porque se juntavam nesses locais os arrieiros e tropeiros de 10, 12 tropas ao mesmo tempo. Nessas ocasiões, eles gostavam muito de fazer negócios entre si, de compra e venda de animais, arreios e apetrechos e de barganhas e mantinham a tradição de que não era ilícito dar uma "manta" no adversário. Entretanto, feito o negócio, ninguém podia voltar atrás, sob pena de punição pela comunidade, isolamento e impedimento para novos negócios.

Além desse comércio, eles gostavam também de fazer apostas do tipo de qual tropa conseguiria vencer mais depressa um trecho de caminho íngreme e irregular, qual o tropeiro que carregaria mais rapidamente um lote de 10 animais e nisso José Pretinho era campeão em Santa Leopoldina, pois conseguia fazê-lo em menos de 2 horas. Outra aposta citada por Avelino Perim, mais conhecido como Cebola de Castelo, era a de levantar com um braço uma caixa de cerveja de 50 garrafas, 75 quilos, e bater no fundo com a mão oposta. Quem conseguisse quebrar uma garrafa, tinha direito de beber o líquido sem nada pagar.

Regra geral, o tropeiro era um homem rude e forte que não conhecia a palavra medo em sua faina diária, enfrentando péssimos caminhos cheios de buracos, ou simples picadas de um metro de largura nas matas, precipícios e pirambeiras nas serras, caminhos que melhoravam um pouco apenas nas pastarias e capoeiras. O tropeiro propriamente dito, aquele que tocava os burros, a pé, tinha que ser um verdadeiro atleta, para suportar caminhadas diárias aceleradas de 15, 20 ou mais quilômetros e ainda 3 a 4 horas de serviços no ponto de partida, nos pousos ou no local do destino, carregando e descarregando as tropas e tratando dos animais. Não é exagero: o tropeiro, que era geralmente negro ou da raça negra, trabalhava mais que o próprio burro.

A classe era muito unida e ninguém se atrevia a penetrar em seu meio, a não ser com a devida permissão. O tropeiro andava sempre muito bem armado com revólver Smith 38, garrucha 44 e até carabina, além de facas e facões, cuja principal serventia era abrir picadas ou cortar couros. Tinha carta branca para viajar e nem a polícia se metia com eles. Além disso, as tropas caminhavam a pouca distância umas das outras; como se fossem comboios, e todos estavam juntos nos pontos de pouso, de sorte que não se registravam casos de assaltos às tropas, como ocorre hoje com os caminhões que percorrem as estradas asfaltadas.

 

Fonte: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989
Autor: Ormando Moraes
Acervo: Edward Athayde D’ Alcantara
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016

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