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Outras revistas & jornais, Big Beatles

Capa do Álbum Abbey Road, banda Beatles - ano 1969

Edu Henning Jornalista e da Banda Big Beatles

Quando os editores da Série Escritos de Vitória me convidaram para participar com um texto fiquei extremamente honrado. Principalmente por ser a música o tema desse décimo nono número. Isso sem mencionar a importância do projeto para a história e cultura da nossa cidade. Logo comecei a me preocupar com o tema. O que tinha inicialmente me encantado começou a se transformar numa tortura. Isso porque os organizadores me pediram para que colocasse no papel minha paixão pelos Beatles e também contasse a história da Banda Clube Big Beatles. Não conseguia encontrar uma desculpa que justificasse a inclusão nesse livro de um grupo estrangeiro que existiu, do outro lado do oceano, há quase 40 anos. Muito menos visualizei um gancho que pudesse justificar a inclusão, em um projeto que recebe o título de Escritos de Vitória, da trajetória de um grupo capixaba que reproduz a sonoridade musical de uma banda inglesa que começou a fazer sucesso nos anos 60.

Foram os próprios moradores de Vitória que acabaram me ajudando a encontrar essa justificativa. Na verdade foram quase 30 mil capixabas que diretamente avalizaram a inclusão da nossa história nos Escritos de Vitória. Apesar das minhas dúvidas — que ainda permanecem — a presença de uma multidão prestigiando a apresentação da Banda Clube Big Beatles, ao lado de Ivan Lins, na noite de 15 de fevereiro de 2000, me faz acreditar que somos parte da história da nossa cidade. Foi uma noite impecável. Memorável. Cerca de 30 mil pessoas nas areias de Camburi, em plena terça-feira, aplaudindo o trabalho de uma banda capixaba. Quem sou eu para discutir com o público ou muito menos contestar uma solicitação do Conselho Editorial da Série Escritos de Vitória.

Profissionalmente a música na minha vida começou cedo. Aos 15 anos, já participava de equipes de som que animavam as matinês de domingo nos clubes da Tijuca, Rio de Janeiro, aonde por descuido do destino eu vim a nascer. Paralelamente trabalhava no departamento de audiovisual do Metrô. O Metrô não tinha sequer aberto o primeiro buraco. Minha função era projetar slides nas exposições montadas nos bairros cariocas que seriam atingidos pela sua chegada. Era um trabalho cansativo, triste e monótono. Isso sem mencionar a reação e rejeição de alguns moradores com a chegada do progresso que destruía ruas e desapropriava casas.

Pouco antes de completar 16 anos comecei a prestar atenção na música dos Beatles. Comecei a ouvir Beatles por causa de um radialista chamado Newton Alvarenga Duarte. Ele era a grande estrela na primeira emissora de rádio que trabalhei Rádio Mundial do Rio de Janeiro. Entrei na Mundial em 1974. Eu era um operador. Um simples operador na madrugada. Do tipo que faz tudo e topa qualquer parada. Newton era conhecido como Big Boy. No ar mantinha um estilo agressivo, americanizado. Foi o primeiro a trazer jovialidade e ironia para o então esquecido público jovem. Big Boy produzia e apresentava dois programas de muito sucesso na época. Ritmos de Boate e Cavern Club.

Ritmos de Boates entrava no ar à meia-noite. Tinha uma hora de duração e lançava os grandes sucessos internacionais da época. Cavern Club entrava no ar no final da tarde. Uma hora antes da Voz do Brasil. Nesse programa ele mostrava as músicas dos Beatles. Eu, literalmente, babava. Muito mais pela capacidade de comunicação e improviso do apresentador do que pelas melodias e ritmos do grupo inglês. Na verdade descobri, anos depois, que tive a oportunidade de conhecer de perto o talento e o trabalho de Big Boy, um dos mais importantes nomes da recente história do rádio brasileiro.

Aos 18 anos surgiu a oportunidade de trabalhar em Vitória. Nessa época eu tinha feitos pequenos trabalhos de sonoplastia para a TV Globo e para a TV Educativa do Rio de Janeiro. O mínimo de experiência que me permitiu ser aprovado na jovem equipe que montou a TV Educativa do Espírito Santo. A TVE era ligada à Fundação Cultural, que por sua vez também administrava a Rádio Espírito Santo. E aproveitando a aproximação dos dois veículos comecei investir na possibilidade de apresentar um programa jovem na Rádio Espírito Santo. Foi Luiz Eduardo Nascimento, então homem forte da extinta Fundação Cultural, que convenceu o Adam Emil, diretor da Rádio Espírito Santo, a dar uma chance para aquele jovem cabeludo. Ou o caro leitor achava que aos 18 anos eu já era careca?

Seguindo os mesmos passos do Big Boy acabei apresentando dois programas. Um era o Discotape, que entrava à meia-noite. Eu, sem vergonha nenhuma, tentava imitar Big Boy. No começo, até encontrar meu próprio estilo, fui uma caricatura, sem graça, desse importante radialista. Mesmo assim o Discotape foi um grande sucesso. Costumava dizer que o programa não tinha para ninguém. Até porque a nossa maior concorrente, Difusora de Cariacica, terminava suas transmissões justamente na hora em que o programa Discotape começava. A rádio Espírito Santo era a única que, na época, ficava 24 horas no ar.

O Clube Big Beatles foi o outro programa que eu produzia e apresentava na Rádio Espírito Santo. Começou inicialmente aos sábados, com uma hora de duração. Entrava no ar às 19:00 horas.

Mais uma vez utilizei os caminhos traçados pelo mais popular comunicador jovem da época.

O nome Clube Big Beatles foi uma alusiva homenagem ao trabalho de Big Boy. Isso porque descaradamente retirei o Club do nome de seu programa na Radio Mundial (coloquei o "e" no final para dar um toque mais brasileiro) e pequei também o Big de seu nome artístico. Hoje o Clube Big Beatles de Vitória, Espírito Santo, lançado em 1978, é reconhecido oficialmente pela EMI, gravadora dos Beatles, como sendo o mais antigo programa de rádio do Brasil. Esse reconhecimento aconteceu depois de uma minuciosa pesquisa realizada pela gravadora junto aos seus representantes estaduais.

O que eu não posso esquecer é que se Big Boy, meu ídolo e inspirados, não tivesse morrido prematuramente, seria dele o título de programa mais antigo do Brasil na divulgação das músicas da banda que revolucionou o mundo. Acredito, plenamente, que o destino acabou me pregando uma boa peça, pois ao colocar parte de seu nome artístico no título do programa Clube Big Beatles tive a oportunidade de prestar a minha homenagem particular a esse radialista que mexeu com a estrutura do rádio no país.

Mas rádio é uma grande fantasia. Promove, divulga, dá credibilidade, mas também cobra caro por isso. Paga mal. Muito mal. Principalmente quando damos os primeiros passos na profissão. Era o meu caso no tempo do Discotape e do Clube Big Beatles na Rádio Espírito Santo.

Poucos são os radialistas que recebem salários compatíveis com sua audiência, importância e talento.

Para faturar um dinheirinho a mais tive que outra vez enfrentar as matinês de domingo. Rodei quase todos os clubes da Grande Vitória e no interior do Estado. Tinha baile toda a semana. Som mecânico. E a divulgação era fácil e simples. Avisava através do microfone. O som da Espírito Santo ajudava. A emissora tinha um alcance invejável. Cobria todo o estado e boa parte do mundo. Não existe exagero nessa afirmação. Cansei de receber cartas da Austrália, Japão e até mesmo da Inglaterra elogiando o Clube Big Beatles. Numa época em que fax era algo de ficção científica e se alguém falasse em rede mundial de computadores poderia ser internado como lunático.

O rádio me deu credibilidade. Os bailes me deram popularidade. Essa química me permitiu receber o título de Cidadão Capixaba, um dos momentos mais importantes da vida. Mais do que resultado do trabalho realizado, aquele diploma representava — e até hoje tem a mesma importância — que dali para frente eu poderia dizer "sou capixaba" sem que alguém duvidasse.

Mas em certo momento o som mecânico começou a perder espaço para a música ao vivo. Foi então que os bailes e as festas do programa de rádio Clube Big Beatles precisavam ser renovados. Pensei em formar uma banda que tocasse as músicas do quarteto inglês. Alimentei esse sonho por anos. Tinha já desistido da idéia. Clubes, bailes e equipes de som já tinham se transformado em algo do passado. Dedicava-me com afinco e determinação às noites perdidas e mal dormidas por causa do meu trabalho nas casas noturnas. Durante anos, me enfiei em discotecas e boates. Sempre lembrava da antiga idéia de trocar o velho vinil por uma banda que tocasse tudo aquilo ao vivo.

Um dia tive a oportunidade de conhecer Babi Vaccari. Inicialmente tive a chance de vê-lo em ação. Cantando maravilhosamente bem e, ao mesmo tempo, tocando uma bateria segura e cheia de personalidade. Foi num show realizado no Teatro Carlos Gomes. A música dos Beatles era o tema principal. Eu atuava como apresentador. Fiquei impressionado com o talento daquele músico. Um artista completo. Não sei se cantava mais do que tocava ou tocava melhor do que cantava. Só sei que tive a sensação de que o velho sonho estava se tornando realidade.

Falei com Babi sobre a criação de uma banda para tocar Beatles nas festas do programa de rádio. Ele imediatamente abraçou o projeto. Babi ficou responsável por agrupar os demais membros da banda. Chamou o então jovem guitarrista Saulo Simonassi para dividir com ele a voz principal. Uma escolha mais do que acertada. Saulo se transformou, sem exagero algum, no melhor guitarrista de Vitória. O "olheiro" Babi também convocou o determinado e incansável Mark Fernandez para a guitarra e teclado. Eu fiquei com a percussão e com a responsabilidade de tocar a bagunça. O contrabaixo ficou com Rubinho, que pouco mais de um ano depois estava fora do grupo. Rubinho, que é reconhecidamente um atuante e completo professor de música, tinha pouco tempo para se dedicar a uma banda que tirava seus primeiros acordes. Em seu lugar entrou o jovem talentoso e seguro Léo Teixeira.

O cantor e compositor Paulo Branco, que conhece como poucos a história e as músicas dos Beatles, costuma brincar com Rubinho o chamando de Pete Best capixaba. Pete Best foi o baterista que antecedeu Ringo Starr. Só foi ele sair para o grupo estourar. Rubinho absorve com bom humor a brincadeira de Paulo Branco, pois desconheço língua mais irônica e ácida do que a do ex-baixista da Big Beatles.

O primeiro ensaio da nossa formação original foi no final de 89. Nossa primeira apresentação aconteceu em março de 90. Resolvemos inovar estabelecendo que faríamos shows sempre às quintas-feiras na boate Krypton, que ficava na Rio Branco, Praia do Canto. Poucos acreditaram no sucesso. Wellington Pina, proprietário da casa, deu crédito ao nosso trabalho e apostou na tentativa de abrir um novo dia na semana do capixaba. Nada acontecia, às quintas, em Vitória. A Krypton foi o nosso Cavern Club. Sempre casa lotada. Naquele momento eu sequer imaginava que em pouco tempo a banda seria bem mais popular do que, o programa de rádio.

Foi ali na boate Krypton que começamos a crescer e a sonhar mais alto. Fizemos diversos projetos e planos que acabaram se transformando, em palpáveis e consistentes realidades. Olhando para trás, fazendo um levantamento desses últimos 10 anos, me vem à memória às conversas que nós cinco (Saulo, Babi, Mark, Léo e eu) tínhamos, nas tardes de quinta, depois da passagem de som, jogados nos sofás daquela boate ainda vazia, esperando por mais uma agitada e disputada noitada. Muitos planos e projetos que se tornaram realidade e que transformaram também nossas vidas. A vida dos cinco integrantes daquela banda que começou na intenção de animar festas de um programa de rádio e que acabou ganhando reconhecimento, inicialmente do capixaba, e depois dos beatlemaníacos do mundo inteiro.

Lembro que, dois anos depois do lançamento da banda, fizemos o nosso primeiro projeto especial. Depois disso organizamos e executamos, diversos eventos que acabaram se tornando uma espécie de marca registrada da Banda Clube Big Beatles.

Em 1992, comemorando os 30 anos do lançamento da música "Love Do", que foi o primeiro compacto oficial dos Beatles, promovemos três exibições especiais do desenho animado Submarino Amarelo, no auditório da Rede Gazeta. As músicas originais foram apagadas na fita que estava sendo projetada. Nós tocamos a trilha sonora ao vivo, no escurinho do cinema. A entrada foi um livro, em boas condições. Entregamos todos para uma campanha das bibliotecas estaduais. Arrecadamos quase dois mil livros.

Nesse período promovemos o lançamento no Espírito Santo do filme "BackBeat", que conta a história do primeiro baixista dos Beatles, Stu Sutcliffe. Quem quisesse assistir a pré-estréia era obrigado a deixar na porta do Cine Metrópoles, na Ufes, um quilo de alimento para as famílias carentes. Entregamos 800 quilos de alimentos não perecíveis para os organizadores da campanha do Betinho.

No dia do décimo quinto ano da morte de John Lennon, 8 de dezembro de 95, realizamos nosso grande primeiro concerto no Ginásio do Álvares Cabral. A entrada foi, mais uma vez, um quilo de alimento para ajudar instituições de caridade. No palco, a participação da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo, Maurício de Oliveira e Evandro Mesquita, platéia, cerca de 9 mil pessoas.

Depois disso, voltamos ao Ginásio do Álvares Cabral com outros convidados e com o mesmo espírito filantrópico. Dividimos o palco com da Polícia Militar, Banda de Congo da Barra do Jucu e grupo Boca Livre. Outra vez ficamos surpresos com a participação do público, Nos apresentamos para uma casa cheia. Um público estimado em 9 mil pessoas entregou seus donativos na porta.

Pelos palcos da vida, além dos nomes anteriormente citados, tivemos a honra e o prazer de trocar informações musicais com artistas, como, o eterno roqueiro Serguei, Léo Gandelman que é considerado um dos mais talentosos saxofonistas do Brasil, Stevie Holly que tocou bateria no grupo Wings de Paul McCartney, Liverpool Samba School que é uma escola de samba formada por moradores da cidade de Liverpool, Kátia Rocha que é dona de uma afinadíssima voz e que consegue tirar sons mágicos de seu saxofone, Paulo Branco que é considerado o maior bluesman capixaba, Grupo Taiko de Vitória que é formado por membros da colônia japonesa, Nelson Ayres festejado competente maestro e arranjador e também Ivan Lins que dispensa comentários e adjetivos...

Em janeiro de 99, tivemos a rara emoção de prestar um tributo especial para Lars Grael na arena montada na Praia de Camburi. O iatista, nesse show que contou com a participação da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo, não pôde comparecer, pois estava em plena recuperação do acidente no qual foi vítima. Mesmo assim fez questão de gravar uma mensagem ao público capixaba, que foi exibida em telão.

No telão também temos as mensagens de Pelé e Emerson Fittipaldi. Depoimentos que antecipam as apresentações internacionais da Banda Clube Big Beatles. Pelé fala do dia em que os Beatles tentaram conhecê-lo e foram barrados na concentração do Brasil, em Liverpool, durante a Copa de 66. Emerson Fittipaldi, emocionado, comenta sobre a sua amizade com George Harrison. Esses depoimentos são considerados raros pelos fãs dos Beatles.

Foram os projetos especiais que nos fizeram conhecidos entre os diversos fãs clubes dos Beatles espalhados pelo mundo. Foram eles, admiradores como nós, que avisaram aos organizadores do tradicional International Beatle Week, festival que acontece sempre no fim de agosto, na cidade de Liverpool, da existência de uma banda, no Espírito Santo.

Em junho de 94, recebemos o primeiro convite para participar do Festival de Liverpool. Todas as despesas seriam por nossa conta. O convite chegou dois meses antes do evento. Tempo curto para arrumar algum possível patrocinador. Sem apoio, ficamos por aqui.

E, extremamente, decepcionados. Foi uma frustração geral. Aquele foi um momento difícil para todos nós. A Banda Clube Big Beatles poderia ter acabado. Tínhamos apostado todas as fichas nessa viagem. Estávamos empolgados com a possibilidade de tocar Beatles, em Liverpool. Por alguns meses me afastei, literalmente, dos meus companheiros. Voltei apenas com uma intenção: levar a Banda Clube Big Beatles até a cidade natal dos Beatles.

No ano seguinte, um novo convite foi feito. Dessa vez tínhamos mais tempo para encontrar parceiros que acreditassem na possibilidade de uma banda capixaba tocando Beatles na terra dos Beatles. Arrumamos patrocínio, fizemos as malas, juntamos os instrumentos e realizamos mais um sonho.

Em agosto de 2000, vamos embarcar, pela sexta vez consecutiva, para apresentações em Londres e Liverpool. O mais gratificante é constatar que os nossos patrocinadores são exatamente os mesmo da primeira viagem. São fiéis porque trazemos provas do que conseguimos por lá. Há cinco anos estamos obtendo destaque num festival que reúne 350 mil pessoas para assistir 150 grupos do mundo inteiro tocando os clássicos dos Beatles. São matérias em jornais ingleses, são capas de revistas estampando nossas fotos, são cópias de entrevistas para emissoras de televisão do mundo todo e são entrevistas para programas especiais da rádio BBC de Londres. Registros que nos permitem solicitar o mesmo apoio para o ano seguinte. Principalmente por se tratar de um festival de demonstração e não de competição. Não existe premiação em dinheiro e muito menos primeiros colocados.

Não só trazemos informações como levamos para o International Beatle Week um pouco da história do nosso estado e principalmente da nossa cidade. Há cinco anos carregamos junto com nossos instrumentos um peso extra. São, exatamente, 6 mil prospectos contando nossa história e mostrando nossa cidade e suas potencialidades turísticas e econômicas. Um material distribuído para a imprensa internacional e para os fãs clubes.

Sempre existiu da nossa parte uma preocupação de levar para o Festival de Liverpool a mesma criatividade que mostramos para o capixaba. Além dos prospectos que ajudam a divulgar a nossa imagem, nossa história e de que cidade somos, incluímos na bagagem uma vasta cenografia e idéias. Algumas idéias aparentemente malucas.

Certa vez surpreendemos a imprensa inglesa, quando, em uma de 11 nossas apresentações, subimos ao palco acompanhados pela bateria da Liverpool Samba School no clássico "Give Pace A Chance". Exatamente, nesse instante, nossos prospectos eram distribuídos entre os presentes e centenas de camisas com a logomarca da banda eram lançadas para a platéia. Para mexer ainda mais com o público, um boneco gigante de John Lennon aparecia no fundo do palco. No dia seguinte só se falava na banda do Brasil. Muitos passaram a saber, graças às informações contidas em nosso prospecto, que vínhamos da cidade de Vitória, capital do Espírito Santo.

Em 98, tivemos uma grande surpresa. Surpresa de perder o fôlego e o rumo de casa. Fomos convocados para participar de um projeto especial dos organizadores do Festival de Liverpool.

A Banda Clube Big Beatles foi convidada para a gravação de um disco no estúdio 2 de Abbey Road, em Londres. No mesmo local onde os Beatles registraram a maioria de seus grandes sucessos. Fazer parte de um cd, gravado no lendário, Abbey Road, contendo as bandas de maior destaque no festival, estava acima de qualquer sonho. Começamos despretensiosamente e tínhamos agora chegado onde nem o mais otimista de nós poderia imaginar: E olha que a gente sonhava grande naqueles tempos de Krypton.

Depois disso, subimos no telhado. A gente não queria deixar passar em branco os 30 anos da última vez que os Beatles tocaram ao vivo, juntos. Isso aconteceu no dia 30 de janeiro de 69. Três décadas depois, reproduzimos aquele show que aconteceu num telhado no centro de Londres. Dessa vez foi no centro de Vitória. O, repertório foi basicamente o mesmo. As reações é que foram um tanto diferentes. Em 69, a polícia subiu no telhado e impediu que os Beatles continuassem tocando. Em 99, o Ecad resolveu cobrar alto para que a Banda Clube Big Beatles pudesse se apresentar em cima do telhado: Não adiantou argumentar com o pessoal do direito autoral. Pouco interessou o fato que ninguém iria pagar ingresso para nos assistir e que se, por acaso, aparecesse alguém na calçada não teria como nos ver lá em cima no telhado. Acabamos subindo, tocando e não pagando.

E quando tudo parecia tranqüilo, quando nada poderia nos surpreender mais, surge um telefonema inesperado. Do outro lado da linha estava Lins. Ele, juntamente com o maestro e arranjador Nelson Ayres, estava acabando de escrever a trilha sonora do filme Dois Córregos, do diretor Carlos Reichenbach. Uma das músicas foi composta inspirada numa canção de John Lennon.

Ivan Lins veio com o inacreditável papo que queria que a Banda Clube Big Beatles gravasse a música "Flying Free" para ficar ainda mais parecida com a sonoridade dos Beatles.

Seu pedido era uma responsabilidade grande demais. Mesmo assim, encaramos. Corremos para o Scalla Studio, em Jardim da Penha, e gravamos. Tudo num fim de semana apenas. Depois mandamos para que Ivan Lins, Nelson Ayres e Carlos Reichenbach ouvissem. Ficamos esperando a aprovação. Foram dias de muita expectativa. Mas finalmente veio uma posição da produção do filme. Eles tinham adorado nossa gravação. Entramos assim para uma trilha sonora assinada por Ivan Lins.

O filme Dois Córregos foi exibido pela primeira vez, no Espírito Santo, na noite de encerramento do Vitória Cine Vídeo 99. Fomos convidados pela organização para tocar a música de Ivan Lins e Nelson Ayres ao vivo. A festa de encerramento aconteceu no Teatro Glória. Na platéia estavam, além do próprio Nelson Ayres, o diretor Carlos Reichenbach e a atriz Ingra Liberato, que faz um dos papéis principais no filme.

Somente na hora da cena da chuva, que a nossa gravação da música "Flying Free" entra como pano de fundo, é que deu para medir a importância de participar de um projeto envolvendo profissionais do nível de Ivan Lins, Nelson Ayres e Carlos Reichenbach. Fiquei impressionado com respeitoso silêncio da platéia que assistia àquela exibição de Dois Córregos. Todos pareciam prender a respiração durante a cena. Tenho certeza de que nós cinco da Banda Clube Big Beatles deixamos de respirar por alguns minutos.

Foi uma sensação parecida com a que passamos no Intenational Beatle Week 99. No último dia do festival, a gravadora EMI montou um grande palco em formato de Submarino Amarelo, Foi o acontecimento mais importante de todo o evento. Toda aquela promoção foi criada para marcar o lançamento em DVD de uma nova versão do clássico desenho animado dos Beatles. Para esse momento convidaram apenas 5 bandas, entre as 150 que participavam do festival.

Abrimos oficialmente as apresentações do palco Submarino Amarelo. Presença da direção executiva da gravadora, do prefeito de Liverpool, de George Martin e de toda a imprensa internacional credenciada para cobrir o International Beatle Week 99. Nós começamos a tocar no exato e cronometrado momento determinado pelos coordenadores do show. Essa nossa apresentação foi transmitida ao vivo para os Estados Unidos e foi alvo de reportagens em quase todos os grandes telejornais da Europa. No dia seguinte, o jornal Echo, o mais importante do norte da Inglaterra, estampou uma foto da Banda Clube Big Beatles na primeira página.

Fechando o ano de 99, estivemos mais uma vez, ao lado do inglês Gary Gibson, que é considerado o mais perfeito cover de John Lennon do mundo. Só que agora, cruzamos os bigodes, no Rio de Janeiro. A apresentação aconteceu no dia 15 de novembro, num parque que fica no final da praia de Ipanema, bem em frente ao mar. O local, não poderia ser mais perfeito. Por diversas vezes, lá em Liverpool, dividimos o palco com Gary Gibson, que realmente impressiona por sua semelhança com John Lennon e pela falta de simpatia. A semelhança é tanto física quanto vocal. Yoko Ono ficaria apaixonada. Mas Gary Gibson, que em alguns momentos acredita ser realmente Lennon, procura ter uma postura de grande astro. Mantém uma certa distância das outras bandas. Consegue sempre, na Inglaterra, os melhores horários para suas apresentações e seu nome fica em primeiro planos nos cartazes. Gary Gibson pode fazer qualquer tipo de exigência aos organizadores do festival. Ele, realmente, faz muito sucesso quando se apresenta em Liverpool.

Aqui no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, Gary Gibson teve de se superar.

Nós tocamos primeiro. Choveu muito ao final da nossa apresentação. Estávamos inspirados e o público, cerca de 3 mil pessoas, não arredou o pé do lugar. Quando saímos do palco, no pé da escada, os músicos do grupo Fevers, que estavam curtindo o show, nos recepcionaram com carinhosos elogios. Quando Gary Gibson subiu encontrou a platéia carioca encharcada e impaciente. O tecladista de sua banda teve problemas técnicos. Gary ficou irritado e abandonou o palco antes do tempo. O público reclamou. O organizador do encontro, Carlos Chaves, foi ao microfone e obrigou que Gary Gibson voltasse. O clima ficou mais pesado do que a tromba d'água que desabava. Os cariocas não levaram desaforo para casa. Agora, quando a gente cruzar com Gary Gibson, em Liverpool, tenho certeza de que ele vai lembrar daquela noite chuvosa no Brasil. Lavamos a alma.

O verdadeiro John Lennon certa vez disse que o sonho tinha acabado.

Ele tinha total razão. O que fazemos hoje, com paixão e amor, não é uma melancólica tentativa de recuperar o tempo perdido ou voltar ao passado. O que o Clube Big Beatles faz, o que nós cinco realmente pretendemos, é não deixar cair no esquecimento a mensagem — que está numa canção de Lennon — que diz "que tudo o que precisamos é amor".

Eu, Babi, Saulo, Mark e Léo passamos juntos alguns dos mais emocionantes e representativos momentos de nossas vidas. Crescemos juntos. Tivemos fortes experiências pessoais que se transformaram em amizade e respeito. A trilha sonora dessa aventura é a música dos Beatles. Uma verdadeira missão, impossível, que acabou se materializando. E a gente só está percebendo isso agora. Dez anos depois dos primeiros acordes na Krypton.

 

Fonte: Vitória de Todos os Ritmos, coleção Escritos de Vitória, Nº 19, ano 2000
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2014

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