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Pacto de Honra

Revista Chanaan criada em 1936 por iniciativa de grupo econômico que apoiava o governador e comungava da sua ideologia liberal democrata, de forma a concorrer com a tradicional Vida Capichaba, cada vez mais alinhada com as idéias integralistas, apesar de

Ata da reunião realizada no Palácio do Governo do Estado do Espírito Santo.

“Aos dez dias do mês de abril de 1935, presentes os exmos. senhores Capitão João Punaro Bley, Interventor Federal neste Estado, e os demais deputados à Constituinte Estadual abaixo assinados, presentes, ainda, os capitães Wolmar Carneiro da Cunha, Waldemar Kitzinguer, Milton Pio Borges, professor Jorge Kafuri e Brício Mesquita, ficou estabelecido que, atendendo à situação delicada em que se encontra o caso político do Espírito Santo, para a eleição do primeiro Governador Constitucional, os signatários do presente, com pleno assentimento dos exmos. senhores Capitão João Punaro Bley e dr. Jerônimo Monteiro Filho, adotaram, sob palavra de honra e reafirmação solene do compromissos assumidos perante o partido e a opinião pública, a seguinte fórmula para a solução definitiva do referido caso político:

1 – Fica desde já estabelecido que, no primeiro escrutínio da Assembléia, receberá o dr. Jerônimo Monteiro Filho, como satisfação e homenagem aos compromissos assumidos para com a sua candidatura, o sufrágio de onze apenas dos treze deputados signatários do presente, sendo que os dois votos restantes, respectivamente do capitão Carlos Marciano de Medeiros e do dr. Jerônimo Monteiro Filho serão dados, sob palavra de honra, ao capitão João Punaro Bley.

2 – No segundo escrutínio, todos os signatários desta se comprometem a sufragar o nome do digno Capitão João Punaro Bley, em homenagem aos elevados propósitos de S. Exa. nesta hora histórica da vida política do Espírito Santo, como foram as de renúncia à sua candidatura e a da escolha do nome ilustre do seu ex-300adversário político dr. Jerônimo Monteiro Filho, certos de que a opinião pública capixaba, após o histórico que se fará de tais acontecimentos, verá nesta solução o espírito elevado de patriotismo e paz, a fim de que o Estado possa continuar no período de desenvolvimento material e de confraternização da sua vida política”.

Ass: João Punaro Bley, Ciro Duarte, Jerônimo Monteiro Filho, Mário Rezende, João Soares, Astolfo Lobo, Álvaro de Castro Mattos, Carlos Marciano de Medeiros, Luiz Tinoco da Fonseca, Paulino Müller, Carlos Gomes de Sá, Wolmar Carneiro da Cunha, por procuração verbal do deputado Feliciano Garcia, Francisco Clímaco Feu Rosa, Christiano Vieira de Andrade, Milton Pio Borges, Brício de Morais Mesquita, Jorge Kafuri, e Waldemar Kitzinguer.

Com as eleições marcadas para 12 de abril, a vida do Estado parou.

Os meus deputados não tinham sossego. A Ciro Duarte, rapaz pobre, ofereceram cem contos para ele “virar”. Mário Rezende era intensamente trabalhado pelo filho, Christiano Rezende, ex-prefeito de Muqui. Para mal dos pecados, Feliciano Garcia, já velho, quebrou o braço. A situação era tal, que fui obrigado a recolher quase todos eles ao Palácio.

Dois dias antes da eleição, recebi um convite da oposição para uma entrevista. Seu porta-voz foi Pedro Vivacqua, com plenos poderes para decidir.

Encontramo-nos, com conhecimento de Jerônimo, no Instituto Maruípe. Pedro Vivacqua propôs-me, entre [outras coisas], minha eleição para o Senado, em troca do meu apoio à eleição de Asdrúbal Soares.

Recusei imediatamente, dizendo-lhe que não estava à venda. Aproveitei a oportunidade para informar que nós venceríamos, mas que, se por qualquer circunstância perdêssemos a eleição, aconselharia ao vencedor que não saísse diretamente da Assembléia para o Palácio, pois dele não sairia como negro fugido.

Realizada a eleição debaixo de grande expectativa, a Assembléia guardada por uma companhia do 3º B. C., nosso esquema funcionou como estava previsto. No primeiro escrutínio Jerônimo teve 11 votos, Asdrúbal 12 e eu, 2.

Verificou-se o que havia dito a Jerônimo: nenhum deputado da oposição “furou” a chapa.

Como nenhum dos candidatos tivesse alcançado maioria, foi realizado o segundo escrutínio. A votação, faltando apenas a apuração de um voto ficou empatada: 12 a 12.

O último voto seria o decisivo e foi dado a mim. Era a vitória ansiosamente esperada.

Eis como um jornalista do Rio viu a realização desse escrutínio:

“A certo momento o número de votos estava igualado: o último voto para quem será? Ânsia, Expectativa, Aflição, Dúvida. Nos rostos dos deputados oposicionistas vislumbravam-se ligeiras contorções nervósticas; outros, mais calmos, apareciam com ligeiro sorriso”.

“Para governador, capitão João Punaro Bley, arremata o presidente Carlos Medeiros”.

“Como se estivesse estourado uma granada, ouve-se vivas e aplausos. Entusiasmo absoluto pela vitória do capitão Punaro Bley”.

“Um como alívio invade o espaço. Os deputados da oposição entreolhavamse... baldados os seus esforços”.

Depois da partida dos nossos deputados para a Assembléia Legislativa, fiquei no meu gabinete acompanhado dos secretários e de alguns amigos mais chegados, a fim de acompanhar a marcha das apurações. Neste meio tempo, o palácio foi se enchendo de outros amigos e correligionários.

Quando foi conhecido o resultado final, meu gabinete foi invadido para os abraços e só aí percebi que quase todos estavam armados. E, fato mais grave, meu colega, capitão Kitzinguer havia assestado uma metralhadora pesada no terraço do palácio, apontada para a saída da Assembléia.

Que poderia ter acontecido se Asdrúbal tivesse vencido? Só Deus sabe.

Mas, eis como novamente o jornalista Martins da Fonseca viu minha eleição:

[...].

Continuando os seus trabalhos o PSD elegeu Jerônimo Monteiro Filho senador por 8 anos, deixando de eleger Brício Mesquita, por traição de um dos seus deputados.

A oposição, inconformada, interpôs recurso contra a minha eleição perante o Tribunal Regional, acabando por perdê-lo.

Dizem que quem mais se surpreendeu com minha eleição foi Getúlio Vargas.

Daí, talvez, a apreciação que se segue de Alzira Vargas no seu livro Getúlio Vargas, meu pai.

Espírito Santo.

14.11.1930 – Interventor João Punaro Bley. Militar (Exército), foi inicialmente nomeado Delegado Militar e interventor federal. Candidato a governador, após algumas dificuldades de caráter político, elegeu-se com relativa facilidade.

14.4.1935 – eleito governador, exerceu seu mandato em ambiente político quase sem oposição.

23.11.1937 – Com o advento do Estado Novo, foi novamente nomeado interventor. Foi dos poucos chefes de executivos estaduais a atravessar incólume as várias fases do período revolucionário, sem a menor interrupção. Chamado por sua moderação e habilidade na época das eleições estaduais “discípulo com louvor de Getúlio Vargas”. Pediu demissão em 1943.

Antes de virar esta página negra da história política do Espírito Santo, desejo dizer das minhas relações com a Igreja, sempre boas, apesar da distinção com que sempre tratei Loren Reno, americano, chefe da Igreja Batista.

Quando assumi a primeira interventoria, Dom Benedito Alves de Souza era o Bispo do Espírito Santo.

Paulista. Era vigário da Sé de São Paulo, quando, muito moço, em 1916, foi escolhido para Bispo do Espírito Santo. Saindo de um ambiente requintado e elegante, para uma “roça”, dizem que sempre considerou Vitória como um desterro.

Inteligente, erudito, grande orador sacro, gostando de boa conversa e de boa mesa, fazendo poucas viagens ao interior, não era, evidentemente, um pastor, pouca importância dando aos negócios do bispado. A catedral de Vitória, em eterna construção, era considerada “sinfonia inacabada”.

Logo no começo do meu governo convidou[-me] para almoçar no convento da Penha, almoço demasiadamente conhecido em Vitória, pelas iguarias finas e bons vinhos. Logo no primeiro prato serviu-nos “Liebfraumilk”, famoso vinho branco do Reno. Perguntou-nos se sabíamos o significado do seu nome e, antes de qualquer resposta, dando gostosa gargalhada foi dizendo: “Leite da mulher amada”.

Protegido de Dom Leme renunciou em 1932, em favor de Dom Luiz Scortegagna. Quando escolhido bispo, Dom Luiz era um vigário obscuro e anônimo da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Convidou a mim e a João Neves para padrinhos de sagração.

Pelo fato de João Neves ter aderido à Revolução de São Paulo, desembarcou em Vitória, em 1932, sob suspeita injusta de “ser emissário de João Neves”.

Verificou-se para logo que Dom Luiz era a antítese de Dom Benedito, que o gozou enquanto o teve como coadjutor, tal o seu despreparo intelectual para tão importante missão.

Simples, humilde, de poucas letras, péssimo orador sacro, fez, de fato, má impressão aos seus primeiros contactos com a diocese, que, pouco mais tarde passou a admirá-lo por verificar que era um bom administrador e dedicado pastor.

Logo que se viu livre de Dom Benedito, pela sua renúncia, viajou seguidamente para o interior do estado, fazendo suas crismas. Em pouco tempo conhecia o estado tanto quanto eu.

Tomou de empreitada acabar a catedral, cujas obras ficaram paradas durante a gestão do seu antecessor.

Além de auxílios de particulares, contou com 300 contos de auxílio do meu governo, que lhe permitiu reiniciar as obras com grande vigor.

Embora claudicando algumas vezes por covardia, sempre fomos amigos. Foi ele quem celebrou o casamento Ivete-Hélio, falecendo quando já eu havia deixado o governo.

Outro bispo amigo foi Dom Helvécio Gomes de Oliveira, salesiano, Arcebispo de Mariana, Minas Gerais, irmão de dom Emanuel, Arcebispo de Goiás, ambos de Anchieta.

Altamente relacionado nos meios sociais e políticos, prestigiado por ser titular de um dos mais antigos arcebispados do Brasil, trabalhador infatigável, sempre se preocupando com obras sociais, notadamente com as que realizou, com meu auxílio, na sua cidade natal, Anchieta: escola normal, hotel de turismo, patronato de Olivânia, para menores abandonados. Junto fundamos o Colégio Diocesano de Vitória. Político dos mais hábeis chegou a ser consultado e aceitou ser o Governador Constitucional do Estado, na crise política que precedeu minha eleição.

Era, por assim dizer, o prefeito de Anchieta.

Surpreso com a escolha de Dom Luiz para Bispo do Espírito Santo, perguntou ao Núncio Apostólico de então “como Dom Luiz fora escolhido bispo”, obtendo a seguinte resposta: “Meu filho, só no céu saberemos como Dom Luiz chegou a ser bispo”.

As minhas relações com a Igreja Católica eram tão boas, que numa saudação um padre chegou a dizer: “Capitão Bley, a Igreja Católica vos ama”, frase hipócrita e mentirosa, quando mais tarde, fora do governo, estes mesmos padres, na sua maioria, haviam trabalhado contra mim, quando disputei uma cadeira no Senado.

GOVERNADOR CONSTITUCIONAL

Tomei posse do cargo de Governador Constitucional perante a Assembléia Legislativa no dia 15 de abril, a oposição ausente do plenário em sinal de protesto.

Com a eleição de Jerônimo Filho para o Senado e a convocação do seu suplente, Abner Mourão, fiquei, novamente, em minoria.

A oposição inconformada, valendo-se desta circunstância, anunciou que na nova constituição a ser elaborada meu mandato seria de 3 meses em lugar de 4 anos e que meus vencimentos não ultrapassariam de 300 mil réis mensais.

Não dei maior importância a tais boatos. Sabia, por experiência própria, que “Governo era Governo”, com grandes poderes de sedução.

Sabia, também, que, em face do acordo realizado com Jerônimo, iria ter grandes dificuldades iniciais pelo fato de ter que contemplar com duas secretarias correligionários seus, no caso Jorge Kafuri e Carlos Sá. Isto significava que teria que sacrificar amigos meus, entre os quais Mário Freire, que mais tarde aproveitei na presidência do Banco do Espírito Santo.

Teria, também, que vencer antagonismos que vinham de longa data, principalmente em Cachoeiro do Itapemirim.

Urgia trazer para o governo pelo menos dois deputados da oposição, a fim de que tivesse maioria na Comissão Especial de Constituição, aquela que iria organizar o anteprojeto da futura Constituição Estadual.

Foi neste clima que reconstruí meu novo secretariado.

Sabendo que o deputado Monteiro Torres, eleito pelo município de Guaçuí, alimentava veleidades de ser deputado federal, convoquei-o secretamente dizendo-lhe que sua futura sorte política estava em minhas mãos, diante das medidas que poderia tomar para enfraquecer sua posição de líder municipal. Rendeu-se à evidência dos fatos e comprometeu-se a votar conosco, solicitando apenas que o nosso acordo ficasse em segredo até o dia da referida eleição.

Outro ambicioso era Sólon de Castro, eleito por Santa Teresa. Embora repugnando-me tratar com um traidor, com ele entrevistei-me trazendo[-o] novamente para as fileiras do nosso partido.

Fiquei, assim, com 14 deputados e a oposição com 11, muitos deles, por morarem no Rio, nem comparecendo às sessões ordinárias.

Ignorando as providências que havia tomado, o traficante Gabeira julgou-se habilitado a ganhar mais algum dinheiro, negociando seu voto.

Mandou dizer pelo Carlito, presidente da Assembléia, que por 30 contos daria seu voto. Judas, vendendo-se por 30 dinheiros!

Como tinha velhas contas a ajustar com este venal e velhaco, cozinhei-o em água fria, deixando sem resposta sua indecorosa proposta.

No dia da eleição, “ainda no ar”, sem a certeza se receberia ou não os 30 contos, foi baixando seu preço para 20 e, finalmente, para 10 contos.

Faltavam 15 minutos para a reunião da Assembléia Legislativa quando fui notificado que um seu emissário necessitava urgentemente falar comigo. Ao recebê-lo, informou-me que Gabeira havia resolvido baixar o seu preço para 5 contos de réis. Respondi: “Diga ao Gabeira que nem por quinhentos réis aceito sua proposta”.

Desse modo a Comissão de Constituição foi organizada com 4 deputados do governo e 3 da oposição.

Havia, nos termos da Constituição Federal, prazo fatal para que os estados promulgassem suas constituições, sob pena do Governo Federal outorgá-las. Como os trabalhos da constituição estadual se arrastassem, devido a ligeiras discrepâncias entre pontos de vista da oposição e do governo, fui forçado a intervir, convocando a Comissão para deliberar em Palácio, ficando, assim, como árbitro de suas decisões.

Assim, como uma espécie de “poder moderador” consegui que o anteprojeto fosse organizado e a Constituição do Estado votada no prazo legal. Embora minha formação política viesse do regime ditatorial, sempre fui um liberal, convencido da necessidade de uma oposição vigilante, honesta e operante, pronta a apontar erros ou desmandos do Poder Executivo.

Dessa forma, esquecendo mágoas, tratei a oposição com o respeito que merecia, ouvindo suas críticas quando justas, seu líder era convidado para todas as cerimônias e inaugurações, fato inédito na história política do Estado.

Ao se realizarem, mais tarde, as eleições de deputados classistas, nossa representação na Assembléia Legislativa passou a contar com mais 4 [?] deputados e a Câmara Federal com mais dois.

Nas eleições municipais, a oposição completamente desarvorada, nossa vitória foi completa. Dos 52 [sic, 32] municípios apenas perdemos 3 prefeituras, sendo uma para o Partido da Lavoura e duas para o Partido Integralista. Ficou, assim, definitivamente organizada a ordem constitucional, o ano de 1935 [foi] fecundo em realizações, como se segue.

 

Nota: Em 2010, foi lançado o livro “Espírito Santo na Era Vargas 1930-1937”. Em 2012, o professor e historiador capixaba Fernando Achiamé foi o vencedor do Prêmio Pedro Calmon, concedido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O Instituto, fundado em 1838, é considerado a mais antiga instituição cultural do país.

 

Autor: Fernando Achiamé 
Título: Elites Políticas Espírito-Santenses e Reformismo Autoritário (1930-19378) 
Fonte: Trabalho de Pós-Graduação em História - Mestrado em História Social das Relações Políticas, 2005

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