Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Praia do Suá, antes e depois do aterro - Por José Carlos Mattedi

Praia do Suá anos 1960

Pois é, e com o novo aterro, lá se foram a prainha e também a brisa marinha que tanto acariciava os rostos dos habitantes do Suá. Os barcos, velhos amigos dos olhos dos nativos e que enfeitavam as noites de luar, foram expulsos dali e levados para o outro lado do aterro, sendo agora atracados no canal, próximo ao Trapiche — armazém de pescado construído pela prefeitura de Vitória. As casas, que tinham suas janelas voltadas para as águas mansas da praia, viram-se forçadas a ter uma paisagem de concreto armado à frente, na Enseada do Suá, até que tempos depois também foram engolidas pelo progresso, dando lugar a outros empreendimentos.

Dizem os antigos do bairro, e com razão, que a Praia do Suá pode ser dividida em dois períodos: antes e depois do aterro da maré. O "antes" significava a vida pacata, de convivência familiar. O "depois" seria a correria do dia-a-dia, e perda de parte da identidade pelos "filhos do Suá". As palavras simples do pescador José Pedro dão uma conotação do tempo passado: "Antigamente, as pessoas recebiam a gente na prainha quando voltávamos do mar. Hoje, as famílias já não esperam mais. Desde que tudo foi aterrado, sempre sinto uma vazio quando entro com meu barco na boca da barra. Sei que lá no cais não tem mais aquela alegria como antes".

Para Maria Leonor, o aterro provocado pelo progresso fez a Praia do Suá perder algumas de suas características: "A gente já não tem mais a praia para ver o pescador chegar, uma tradição local. E o vento sul, que soprava forte e nos dizia que os homens estariam voltando do mar, agora sopra tão fraco que nem se nota. Ficou fraco aqui porque levaram o mar para longe, e por causa dos prédios da Enseada, que dificultam a circulação do vento". Depois, conformada, ela retruca: "Mas alguém pode deter o progresso? É coisa irreversível".

As mudanças promovidas na ex-colônia com a entrada do dinheiro e de novos proprietários, fizeram o bairro ficar cada vez mais distante de aspectos próprios, como o bucolismo e o romantismo cotidianos. Quase tudo que inspirou poetas e amantes do passado do Suá, foi tragado pelas areias vindas do canal. Só restaram boas lembranças, como a de Maria Assumpção, que quando criança "sonhava com as aventuras dos velhos marujos". Hoje, de sua janela (ou quadro?), ela busca, em vão, marcas daquele tempo. Agora, tirar a velha portuguesa de sua moldura e levá-la, a passos lentos, até o local onde existia o mar de sonhos, foi de arrepiar.

Pobre Maria, no lugar da areia da praia, encontrou a dureza do asfalto. "Empurraram o mar para longe daqui", disse engasgada. Esticou o pescoço na esperança de ver, uma pontinha que fosse, do velho mar. Ledo engano. O que viu foram as paredes altas e modernas da Enseada do Suá. Com um sorriso maroto, apontou em riste como se tivesse feito uma grande descoberta: "Só não nos tiraram a vista do Convento da Penha. Olha lá ele!". E entre os prédios aparecia, lá longe, imponente, o castelo cristão. "Sei que o bairro perdeu muita coisa, mas ninguém perde a memória. Entende?", finalizou Maria, voltando a ocupar o parapeito de sua janela, um quadro vivo do Suá.

O Suá sempre foi assim, uma mistura de poesia e lamento, um tempero de amor e ódio. Mar e terra se confrontaram, e as areias embeberam as águas. As memórias e os sonhos, porém, não foram soterrados. Permanecem ali, impregnados nas ruas e nas almas daquela gente, centelhas de um passado rico e que ainda vive...

 

Fonte: Praia do Suá – Coleção Elmo Elton nº 9 – Projeto Adelpho Poli Monjardim, 2002 – Secretaria Municipal de Vitória, ES
Prefeito Municipal: Luiz Paulo Vellozo Lucas
Secretária de Cultura: Luciana Vellozo Santos
Subsecretária de Cultura: Joca Simonetti
Administradora da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim: Lígia Mª Mello Nagato
Conselho Editorial: Adilson Vilaça, Condebaldes de Menezes Borges, Joca Simonetti, Elizete Terezinha Caser Rocha, Lígia Mª Mello Nagato e Lourdes Badke Ferreira
Editor: Adilson Vilaça
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Cristina Xavier
Revisão: Djalma Vazzoler
Impressão: Gráfica Sodré
Texto: José Carlos Mattedi
Fotos: Raquel Lucena
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2020

Bairros e Ruas

Os Bairros de Vitória - Por Adelpho Monjardim (1949)

Os Bairros de Vitória - Por Adelpho Monjardim (1949)

Dos edifícios importantes que a circundam, notam-se os da Alfândega e do Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo S/A. A face para o mar defronta-se com o Cais do Porto, seus guindastes e os grandes navios atracados

Pesquisa

Facebook

Leia Mais

Arrabaldes de Vitória - Os 10 mais frequentados por Eurípedes Queiroz do Valle

Primitivamente a expressão significava o habitante desse arrabalde. Passou depois a significar os que nascessem em Vitória. Hoje é dado a todo espírito-santense

Ver Artigo
Centro de Vitória

Palco de batalhas ferrenhas contra corsários invasores, espaço para peladas de futebol da garotada, de footings de sábados e domingos, praças, ladeiras e ruas antigas curtas e apertadas, espremidas contra os morros — assim é o Centro de Vitória

Ver Artigo
Cercadinho – Por Edward Athayde D’Alcântara

Ao arredor, encosta do Morro Jaburuna (morro da caixa d’água), ficava o Cercadinho

Ver Artigo
Avenida Jerônimo Monteiro (ex-rua da Alfândega)

Atualmente, é a principal artéria central de Vitória. Chamou-se, antes, Rua da Alfândega, sendo que, em 1872, passou a denominar-se Rua Conde D'Eu

Ver Artigo
Poema-passeio com Elmo Elton - Por Adilson Vilaça

“Logradouros antigos de Vitória” sempre me impressionou. Mais de década depois, eu faria a segunda edição desta obra pela Coleção José Costa, dedicada à memória e história da cidade, e que foi por mim criada na década de 90

Ver Artigo