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Primeira notícia sobre tropas e tropeiros

Foto Ilustrativa - Caminhada dos Tropeiros de Ibatiba

A importância das tropas, lembrada por João Dornas Filho, em ensaio apresentado ao 1º Seminário de Estudos Mineiros, o valor do anônimo burro, construtor esquecido de grande parte da riqueza material do Brasil de ontem, tem sido às vezes esquecida pelos historiadores econômicos e sociais de nosso país.

Em Muniz Freire, Estado do Espírito Santo, as tropas são, ainda hoje (escrevo em 1957), muito usadas. Ligeira pesquisa em cocheira local e demorada entrevista com o Sr. Guilhermino Lopes da Rocha permitem que dê esta primeira notícia sobre tropas e tropeiros.

Dá-se o nome de tropa a qualquer grupo de animais de carga, em geral burros ou bestas. A cada grupo de 10 animais dá-se a denominação especial de lote.

Cada lote conta com um responsável, chamado arrieiro que, como distintivo de seu “status”, viaja sempre a cavalo, podendo, excepcionalmente, tomar conta de até três lotes, com auxílio de um tocador, a quem compete não deixar a tropa parar, na estrada.

O arrieiro usava paletó, calçado, em geral botinas, chapéu de abas largas, de lebre, e às vezes, um lenço amarelo ou preto ao pescoço. Quando o arrieiro está carregando a tropa, para não se sujar, usa um avental, o guarda peito.

O tocador veste-se apenas de calça e camisa, mas tem de ir se caprichando a fim de aprender a pregar a ferradura, fazer arreios e retrancas, ocasião em que, em processo tipicamente de corporação de ofício medieval – está em condições de ser promovido a arrieiro.

Cada animal é preparado com um cabresto, que se enfia em sua cabeça para amarrá-lo (o qual por sua vez é composto de argola, cabo e focinheira); uma cangalha, que é o arreio, colocado em seu lombo para receber a carga, a qual é composta de retranca, rabicho, sobrecarga, cabresteira, arrocho e peitoral. Retranca coloca-se na anca do anima para ajudar a segurar o arreio. Rabicho e peitoral são as peças que ficam, respectivamente, por baixo do rabo, e sob seu peito, para firmar o animal. Sobrecarga é uma correia para apertar a carga, cabresteira é uma argola para segurar o cabresto, quando o animal está em movimento, e arrocho é pau que aperta a sobrecarga. Cada animal possui também seu embornal, para comida; bolsas ou sacos onde se põe a mercadoria, variando de oito a dez arrobas (15 quilos cada) e as ferragens que são ferraduras, no casco, a testeira, espécie de cabresto e o peitoral de cincerro, para fazer barulho, ambos enfeites com que os arrieiros procuram valorizar suas tropas.

Um lote possui seu burro de guia e outro de coice – ambos cargueiros – um na frente e outro ao final da fila indiana de costume; além destes a madrinha é o cavalo ou égua que vai à frente, sem carregar carga.

Colocada a carga dentro da bolsa, o arrieiro a trava e pendura no animal. Café, feijão, milho e arroz eram os produtos, antigamente, transportados em tropas para fora de Muniz Freire, que importava sal, querosene, carne seca, peixe, e, às vezes, cargas mais pesadas: filtros, máquinas desmontadas para pilar café, etc.

De três em três horas a tropa realizava uma marcha. A seguir descansava-se o resto do dia. De Piaçu a Castelo ia-se em três marchas, que equivaliam a três dias. De Muniz Freire a Baixo Guandu, maior percurso feito por meu informante, 12 dias.

Os tropeiros levavam a mobília para cozinhar: trempe, caldeirão e pratos. Os alimentos costumeiros eram feijão, arroz e carne. Quando sobrava comida era guardada. No dia seguinte, dizia-se “vamos comer o velho”, isto é, a comida da véspera requentada.

À noite ficavam arranchados em barracões, à beira da estrada, pagando o aluguel de 2 mil réis por lote. Como muitas tropas se reuniam para pousar bebiam muito, tocavam sanfona ou harmônica, viola, violão, e se enxovavam mutuamente. De raro em raro, surgiam brigas e crimes de morte. A emulação entre as tropas decorria do maior luxo que seus arrieiros lhes davam. Um lote muito bom era chamado de “alinhado”; um muito ruim de lote de “palhaço” ou lote de “barbado”.

Ganhavam, à época, faz mais ou menos cinqüenta anos, os arrieiros três mil réis por dia, e os tocadores dois mil réis. Uma arroba recebia de frete 1.800 réis de Piaçu para Castelo, o que, se fizermos as contas, mostrará que o lucro do dono do lote ia a mais de cem mil réis por viagem.

Como sabemos, os cavalos se distinguem pelos diversos andares: marcha, trote, galope, andadura, guinía, etc. No caso dos animais de carga tais especializações não são necessárias – os burros andam no comum ou à vontade.

Estas notas primeiras não deverão ser continuadas, em virtude da tese que defendo da profissionalização da pesquisa. Todavia, talvez sirvam aos futuros estudantes de ciências sociais, ou aos atuais denodados pesquisadores amadorísticos, como incentivo a que se aprofundem no estudo do assunto, de tão rica tradição na história pátria. (1)

 

Nota: (1) Entre os que deveriam fazer estudos correlatos, no Espírito Santo, podemos citar o Professor José Leão Nunes, especialista em cores de animais, e o Sr. Aldércio Aquino, que, sobre o mesmo tema, deu-me interessantes notas.

 

Livro: Torta Capixaba (Ensaios, crônicas, poesias...), Editora Âncora S/A, Vitória, ES-1962.
Por: Renato José Costa Pacheco 
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2011

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