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Rio Doce - As bandeiras

No município de Ressaquinha (MG), na Serra da Trapizonga é onde nasce o Rio Doce

Em plena renascença, a busca por novos mundos tinha dois únicos atrativos: o enriquecimento rápido e a conquista de fiéis para a Igreja, Católica ou Protestante, dependendo do descobridor. Na Terra de Santa Cruz, cujo nome já indica a prevalência religiosa, além dos nativos - sempre possível mão-de-obra gratuita e novas almas para o Reino de Deus -, o litoral revelara apenas abundante vegetação e madeira. Era forçoso, então, enfrentar o desconhecido. Mata adentro, rio acima, ambição à frente e cruz à retaguarda, interesses nem tão conflitantes que não se tornassem comuns: todos são iguais perante o ouro.

A já citada obra de Pero de Magalhães Gandavo mostra que "a esta Capitania de Porto Seguro chegarão certos índios do Sertão a dar novas dumas pedras verdes que havia numa serra muitas legoas pela terra dentro, e trazião algumas dellas por amostra, as quaes erão esmeraldas, mas não de muito preço". A informação era suficiente para despertar instintos aventureiros e sonhos de abastança. Logo 50 ou 60 portugueses e alguns índios, sob o comando de Martins Carvalho, entraram "duzentas e vinte legoas" terra adentro (1.320 km), durante oito meses, retornando pelo Cricaré, hoje Rio São Mateus. Pelo relato de Gandavo, a expedição atingiu, provavelmente, a parte noroeste da bacia do Rio Doce e alguns de seus afluentes da margem esquerda. Mas o final da marcha exploratória, a primeira que se fazia na região, foi frustrante. Segundo Gandavo, "a canoa em que vinhão os grãos douro que trazião pera amostra se perdeu numa cachoeira".

Quatro ou cinco anos depois, por volta de 1572, Sebastião Fernandes Tourinho, conceituado habitante da Capitania de Porto Seguro e aparentado com o donatário, reuniu 400 homens para subir o Rio Doce em busca de pedras preciosas. Essa primeira expedição registrada com entrada pelo Rio Doce foi descrita em detalhes por Gabriel Soares de Souza em Notícias do Brasil (1587), que indicou um inacreditável trajeto de 380 léguas (mais de 2.000 km) pelos rios Doce, Mandi (Guandu) e Ceci (Suaçuí). Segundo Soares, Tourinho encontrou "uma serra quase toda de cristal muito fino, a qual cria em si muitas esmeraldas e pedras azuis". Foi o bastante para criar-se a lenda da Serra das Esmeraldas e da Lagoa de Vapabuçu, "em cujas margens se encontrariam ouro e pedras preciosas em profusão", no dizer dos viajantes Spix e Martius.

As informações trazidas por Tourinho motivaram o governador geral do Brasil, Luis de Brito e Almeida, a enviar, em 1574, Antônio Dias Adorno, fidalgo por parte de pai e neto de Diogo Alvares, o Caramuru, para subir o Rio Mucuri, ou o Cricaré, acompanhado de 150 portugueses e 400 índios mansos. Da expedição participavam ainda dois jesuítas. O retorno de Dias Adorno foi marcado por violentos combates contra os índios e parte da bandeira começou a desertar. Vitimados pela doença e pelo cansaço, Adorno e os companheiros restantes foram ter ao engenho de Jequiriçá, onde a expedição se dissolveu. Trouxeram com eles as pedras tão cobiçadas que, entretanto, no dizer de Ferdinand Denis, eram "de medíocre qualidade". Examinadas no Reino, as pedras não despertaram o interesse da Coroa e isso certamente contribuiu para arrefecer o entusiasmo dos desbravadores por mais de 20 anos.

Somente em 1598, a mando do então governador geral D. Francisco de Souza, nova incursão em busca das esmeraldas foi empreendida. Foi a vez de Diogo Martins Cão, o "Mata-Negros", perambular inutilmente pela região do Rio Doce, com 50 brancos e apoio indígena. De positivo, só as escaramuças entre a expedição e os irrequietos e belicosos índios da bacia do Rio Doce, mestres na arte da emboscada. Por mais nebulosos e incompletos que fossem os relatos das expedições do final do século XVI, e ainda que a qualidade das amostras trazidas pelos exploradores não entusiasmasse, permanecia a certeza de que em algum lugar perdido entre caudais e florestas impenetráveis, no sopé de montanhas resplandecentes, ocultavam-se o ouro e as pedras preciosas. Descobrir essa riqueza era uma questão de tempo. Além de um pouco mais de sorte e da necessária ajuda divina. Em 1611, Marcos de Azeredo Coutinho, um aventureiro intrépido e de distinta família, subiu o Rio Doce com "um único companheiro de fortuna", um índio natural, segundo relatos da época, e provavelmente outros índios escravos, tendo retornado a Salvador com amostras de minerais de prata e verdadeiras esmeraldas.

O governador Gaspar de Souza tentou negociar com o desbravador a revelação do roteiro e do local dos preciosos achados, mas Azeredo Coutinho - ou por pretender nova viagem à fonte das riquezas, ou por achar pouca a recompensa oferecida (Hábito de Cristo e tença de 40$000) - nada revelou. Em silêncio, Coutinho foi metido na prisão, onde morreu sem revelar a preciosa informação. Negociar com o poder, já então como hoje, não era uma coisa fácil.

Por volta de 1634, os jesuítas - "com dívidas que se elevavam a cento e cincoenta mil cruzados" - fizeram uma pausa na evangelização e tornaram-se mais pragmáticos, confiando em que a providência divina não só lhes absolvesse a ambição como também os ajudasse a encontrar a Serra das Esmeraldas. Já era conhecido o fracasso de duas expedições jesuíticas feitas em 1621 e 1624 pelo padre João Martins, a primeira com o sertanista João Fernandes Gato e a outra com o padre Antônio Bellavia. Esses insucessos, entretanto, não desanimaram Inácio de Siqueira. Em 1634, o jesuíta pediu licença ao governador Diogo Luis de Oliveira para aventurar-se em busca das esmeraldas e, com um bom guia, partiu sertão adentro. Assim como foram, voltaram, apenas com "algumas pedras escuras, cheias de jaça" e muitas dívidas acumuladas.

O segredo que Marcos de Azeredo Coutinho levara para o túmulo continuava aguçando a curiosidade dos governantes. Na esperança de que, talvez, o pai tivesse revelado o local de suas descobertas aos filhos, Antônio e Domingos de Azeredo Coutinho, o próprio monarca convidou-os para organizar uma expedição. Os filhos de Azeredo Coutinho não só aceitaram imediatamente como se ofereceram para custear a jornada, certos de serem os únicos encarregados da diligência. Não foi bem assim.

Logo os jesuítas, que continuavam influenciando nos Conselhos do Governo, acabaram na chefia da expedição para desalento e frustração dos filhos de Azeredo Coutinho. Essa foi uma das mais importantes Entradas criadas por ordem do rei. Em 1646, subiu o Rio Doce com 25 grandes canoas e mais de 200 participantes, brancos e índios. Após quatro meses, fosse pelas dificuldades de abastecimento ou do caminho, pelas intempéries e ou inundações, a expedição retornou deixando mortos pelo sertão e muitos daqueles que a iniciaram na mais extrema pobreza. Resultado? Dispêndio de 4$000 cruzados, uma soma considerável na época.

De menor repercussão foram as entradas de 1660, de João Correia de Sá, e as de 1665 e 1667, de Agostinho Barbalho Bezerra que, segundo Cunha Matos (1837), pagou caro a ousadia, "morrendo nos doentios sertões da Capitania com a maior parte das pessoas que o acompanhavam". Também fracassada foi a tentativa de José Gonçalves de Oliveira, capitão-mor da Capitania do Espírito Santo, em 1675.

Um ano antes, Francisco Gil de Araújo comprara a capitania visando unicamente às minas de esmeraldas. Chegou a promover e custear nada menos que 14 Entradas pelos sertões à procura da Serra das Esmeraldas. Duas tiveram como rota o Rio Doce. Tal obstinação merecia melhor sorte, porém não teve nenhuma. Relatório do provedor Manoel de Moraes (1682) registra que nessas tentativas investiram-se 12$000 cruzados. Sem obter sucesso, o donatário revendeu a capitania à Coroa Portuguesa por 40$000 cruzados, pagos em dez prestações anuais. No mesmo ano em que Gil de Araújo comprou a Capitania do Espírito Santo, Fernão Dias Paes partia de São Paulo para penetrar, pelo sul, os sertões de Minas Gerais. A mais importante de todas as entradas estabeleceria a rota definitiva do ciclo do ouro. Depois de quase dois séculos de malogradas tentativas em busca do ouro, prata e pedras preciosas a partir de sua foz, foi na cabeceira do Rio Doce, num córrego junto ao Rio Casca, seu afluente, que o paulista Antônio Rodrigues Arzão encontrou as primeiras pepitas de ouro. Na verdade, com 50 homens na sua comitiva, varava os sertões à procura de índios para escravizar. Num lugarejo denominado Casa da Casca, atual Abre Campo, "vendo por aquelas veredas alguns ribeiros com disposição de ter ouro, pela experiência que tinha das primeiras minas que se tinham descoberto em S. Paulo, Curitiba e Paranaguá, fez algumas experiências com uns pratos de pau ou de estanho" e assim colheu o primeiro ouro em terras da capitania, que seria depois a de Minas Gerais.

Chegando a Vitória pelo Rio Doce, Arzão entregou ao capitão-mor João Velasco de Molina três oitavas de ouro, das quais foram feitos dois anéis: um para o capitão-mor e outro para o próprio Arzão. Rodrigues Arzão morreu logo depois, mas deixou com seu cunhado, Bartolomeu Bueno de Siqueira, informações que permitiram o prosseguimento das descobertas auríferas nas áreas próximas a Ouro Preto e Mariana, em especial numa área denominada Itaverava, distante oito léguas de Ouro Preto e que deu origem ao nome Minas Gerais de Itaverava.

Começava assim o ciclo do ouro, com sucessivas e febris incursões, sertão adentro, pela rota Campanha-São João del-Rei, na busca desesperada do "fulvo metal". Algumas expedições ainda tentaram subir o Rio Doce, como a de Francisco Monteiro Moraes, em 1701, mas, a essa altura, o caminho do enriquecimento passava pela Mantiqueira. Dois séculos depois do "descobrimento" de Cabral, o alto Rio Doce era vedete da história.

O ciclo do ouro traria à bacia do Rio Doce, nas cabeceiras de seus afluentes, um surto de progresso e desenvolvimento tão espantoso e rápido que, logo em 1721, surgiu a nova Capitania de Minas Gerais.

A princípio pensou-se que o Ribeirão do Carmo, que corre entre Ouro Preto e Mariana, fosse o manancial formador do Rio Doce. Mais tarde esse papel foi atribuído ao Rio Xopotó, no município de Desterro de Melo. Só a partir de 1950 é que se concluiu que o braço formador do Rio Doce é o Rio Piranga, que nasce na Serra da Trapizonga, no município de Ressaquinha. Desse ponto, o rio corre 897 km até desaguar no Oceano Atlântico. No século XVIII, dois terços de seu percurso continuavam praticamente desconhecidos e despovoados.

 

Fonte: O Vale do Rio Doce, CVRD, 2002
 

Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2016

Concepção, pesquisa e coordenação/Conaption, research and coorelination
 

Romeu do Nascimento Teixeira

Texto/text
 

Jota. Dangelo

 Pesquisa bibliográfica e iconográfica./ Bibliographical and iconographic research

 

Henrique Lobo
 

Edgar. N. Teixeira

Miriam Prado T. de Oliveira

Elias Botelho Coelho Dos Santos

Produção, projeto gráfico e diagramação/Proarzection, graphic desegn and layout

Ampersand Comunicação Gráfica

Reproduções forográficas/ Photogrertphic reproductions

Zela Guimarães

Aquarelas/Watercolors

Nona Salmen

Copydesk/Copydesk

Marilia Pessoa

Revisão/Revised by

Tereza da Rocha

Versão em Inglês/transiated to English by

Patrick James David Gardner Finn

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