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Tardes Amarelas no Futebol - Por Xerxes Gusmão Neto

Xerxes Gusmão Neto prestigiando a sua comunidade de São Torquato, 12/08/1982 - Fonte: APEES

Futebol pra mim combina com sol e luz. E com tardes amarelas, de céu azul com esparsas nuvens brancas. E mais gente fazendo algazarra, pessoas correndo, grupos gritando, a guerra das torcidas. Por causa do sol e do amarelo das tardes e mais o azul do céu, futebol do meu jeito é jogado durante o dia. E o jogo noturno nunca tem o mesmo gosto do jogo vespertino.

E que ninguém venha me dizer que sou atrasado ou que isso é coisa de velho. Uma coisa não sou e outra posso até ser, mas ninguém vai me tirar o direito de ter minhas combinações preferidas, ou até, se quiserem, minhas rabugices. Sei que vão me dizer que não existem tardes amarelas, mas não admito de maneira nenhuma que impliquem com a cor de minhas queridas tardes. Desde menino, nos campinhos irregulares do Córrego do Patrimônio, quando um dos times chutava morro abaixo e outro acima (os terrenos naquela região são de curtas várzeas), gosto de viver aquela emoção de ver a bola correr de pé em pé, de um lado a outro, campo afora. E gosto daquela sensação única de ver o sol ir perdendo devagarinho o seu calor, escondendo-se atrás dos morros.

Ainda rapazinho fui apresentado ao melhor futebol de Vitória, numa bela tarde. Estava acompanhado de meu tio Adonias, que morava em São Torquato, onde subimos num ônibus da Viação Celeste, que portava um letreiro esquisito sobre seu itinerário: São Torquato-Cruzamento. E no cruzamento dos bondes, em Jucutuquara, saltamos já no meio daquele alarido da torcida chegando com pressa.

Entramos no Estádio Governador Bley com o coração queimando de ansiedade, afinal era o meu primeiro grande programa na capital, que me recebia terna, pacífica e saborosa, com gosto de lençol novo ou de brinquedo recebido no Natal. Nos alojamos na arquibancada e nos preparamos para processar as emoções de um sensacional clássico capixaba: o encontro entre os times do Rio Branco A. C. e do Vitória F. C.

Naquele momento me vinha a lembrança do primeiro receptor de rádio que me ensinara um novo mundo, com música, romance, viagens, humor, aventuras e futebol. Nesse rádio movido a bateria, em tardes de vento e monotonia, passei a admirar o futebol brasileiro e adquirir a preferência pelo Vasco da Gama, São Paulo, Atlético Mineiro, Vitória (da Bahia) e Internacional de Porto Alegre.

Ali, eu estava transformando em realidade aquela miragem barulhenta das transmissões do Oduvaldo Cozzi e do Jorge Curi, mesmo havendo uma grande distância entre o Maracanã e o Governador Bley. Agora eu me via em meio ao futuro, em plena aventura do descobrimento. E, enquanto transcorria uma partida preliminar, eu me dava conta de que estava tomando posse de mais um pedaço de vida.

Terminada a preliminar, tudo vira espera, a espera de coração batendo de uma emoção maior. Alguns bebem cerveja, outros ficam no guaraná, tem aqueles da água, os da pipoca e até os inveterados roedores de unhas. O suspense geral só é resolvido quando entram em campo as duas equipes, uma toda azul e outra no tom alvinegro, rivais que se preparam para a pugna na arena. E o jogo terminou empatado.

Anos mais tarde, fiquei triste quando o Rio Branco não pôde manter o Governador Bley, que para mim significava a lembrança de um futebol alegre e vivo. De um futebol que juntava Rio Branco, Vitória, Santo Antônio, Valeriodoce, Americano, Caxias, Recreio, Jabaquara, União, Itaúnas, Atlético, Santos e outros e mais.

A cidade continua amável, mesmo sem os bondes e sem a Viação Celeste, da qual só me resta o consolo de encontrar o Julinho Biancucci. Jucutuquara não me oferece mais as tardes esportivas, trocando-as pelas noites de bares movimentados. Já não frequento tanto as tardes amarelas, mas a cidade mantém o seu encanto e continua sendo uma vitória que me conquistou.

 

ESCRITOS DE VITÓRIA — Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.

Prefeito Municipal - Paulo Hartung

Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar

Diretor do Departamento de Cultura - Rogerio Borges De Oliveira

Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici

Conselho Editorial - Álvaro Jose Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco

Bibliotecárias - Lígia Maria Mello Nagato, Elizete Terezinha Caser Rocha, Lourdes Badke Ferreira

Revisão - Reinaldo Santos Neves, Miguel Marvilla

Capa - Remadores do barco Oito do Álvares Cabral, comemorando a vitória Baía de Vitória - 1992 Foto: Chico Guedes

Editoração - Eletrônica Edson Malfez Heringer

Impressão - Gráfica Ita

Fonte: Escritos de Vitória, nº 13 – Esportes- Prefeitura Municipal de Vitória e Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996

Autor: Xerxes Gusmão Neto

Nascido em Guaçuí (ES)

Advogado e publicitário.

Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2020

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