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Tropas: um tema para poesia – Por Ormando Moraes

Peitoral com cincerros - Desenho: Sergio Lucio

As tropas e os muares, sobretudo representados na figura do burro, constituíram, em seu tempo, um tema poético bastante utilizado, tanto em âmbito nacional quanto regional.

Seria preferível reproduzir aqui apenas a poesia capixaba, porém, não se consegue resistir à tentação de transcrever, por exemplo, "A festa do burro", do Padre Antônio Vieira: —

— Quanto deves sofrer! que vida a tua!

Falou uma cabra a um burro, certa vez.

— Com cabresto eu não durava um mês!

— Oh! — diz o burro — a gente se habitua.

Depois, quando, aos domingos, o patrão

Põe-me o penacho, que é uma raridade,

Para levar-me à feira da cidade,

Esqueço tudo. Que felicidade!

 

De um clássico da língua portuguesa, Guerra Junqueiro, existe um poema, "A moleirinha", de uma beleza comovente e do qual vão aqui alguns versos:

Pela estrada plana, toc, toc, toc,

Guia o jumentinho uma velhinha errante.

Como vão ligeiros, ambos a reboque,

Antes que anoiteça, toc, toc, toc,

A velhinha atrás, o jumentinho adiante!...

Toc, toc, a velha vai para o moinho,

Tem oitenta anos, bem bonito rol !...

E contudo alegre como um passarinho,

Toc, toc, e fresca como o branco linho,

De manhã nas relvas a corar ao sol

.......................................

Toc, toc, toc, lindo burriquito,

Para minhas filhas quem m'o dera a mim!

Nada mais gracioso, nada mais bonito!

Quando a Virgem pura foi para o Egipto,

Com certeza ia num burrico assim.

.......................................

Toc, toc, como o burriquito avança!

Que prazer d'outrora para os olhos meus!

Minha avó contou-me quando fui creança,

Que era assim tal qual a jumentinha mansa

Que adorou na palha o menino Deos.

 

Da produção poética capixaba vale a pena citar e transcrever o bonito poema, "Madrinha da tropa", de autoria do saudoso Elmo Elton, assim como "Os tropeiros", do poeta Carlos Campos:

Madrinha da tropa

Lá vem, num galope,

madrinha da tropa.

Vem toda enfeitada

de fitas vermelhas,

douradas e roxas:

Vem toda bonita,

com arreios de prata,

madrinha da" tropa! "

Perfume da Serra"

vem vindo, ligeira,

fazendo barulho, sineta batendo

aldeia acordando

do sono da tarde.

 

Madrinha da tropa

entrou no arraial.

Que tanta algazarra

na voz dos meninos!

As donas de casa

se põem às janelas

e atiram-lhe flores.

"Perfume da Serra",

num trote garboso,

nem olha os meninos,

nem vê a homenagem

das donas de casa.

 

Madrinha da tropa,

assim colorida,

com fitas vermelhas,

douradas e roxas,

com arreios de prata,

sineta batendo,

é a nota mais linda,

a nota encantada

das tardes da aldeia.

 

Madrinha da tropa,

"Perfume da Serra"!

Rainha das tardes,

rainha matuta

das longas estradas

do nosso Brasil !

 

Os tropeiros

 

Num paralelo formado,

entre o presente e o passado,

quanto aos meios de transporte,

veremos em nossos dias,

que as modernas rodovias

nos trouxeram melhor sorte.

 

Antigamente, o transporte,

fosse do sul ou do norte,

pelo sertão brasileiro,

era mantido sem falha,

pelos burros de cangalha,

comandados por Tropeiro.

 

Os lotes eram formados

por dez burros adestrados,

para as pelejas do dia...

Esses muares tangidos

levavam peso aos gemidos,

seguindo a mula de guia...

 

Atravessando atoleiros,

os caldeirões, os bueiros,

com muita dificuldade;

mas a tropa ia rompendo,

com seus cincerros batendo,

para alcançar a cidade!

 

Cremos que a mola real

da vida comercial

dos centros interioranos

tinha como pioneiro,

o transporte do Tropeiro,

nos passados longos anos!

 

Seria muito expressiva

a feliz iniciativa,

para a estátua do Tropeiro!

Ele foi, nesses setores,

um dos grandes propulsores

do comércio brasileiro!

 

Fonte: Por Serras e Vales do Espírito Santo – A epopéia das Tropas e dos Tropeiros, 1989
Autor: Ormando Moraes
Acervo: Edward Athayde D’ Alcantara
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016

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