Um grito na noite – Por Adelpho Monjardim
O que vamos narrar aconteceu na década de 20, quando Viana era ainda pacato lugarejo de verdes campinas e umbrosos montes.
Na casa do delegado, por aqueles dias se hospedara a nova professora, mocinha de seus vinte anos e recém-formada. A ela devemos o espantoso relato daquela noite.
A casa do delegado ficava sobre pequena elevação banhada por cristalino riacho que se ia enfurnar em apertado vale, encachoeirando-se por entre penhas e íngremes escarpas. Ali tudo era sombrio e pouco tranqüilizador.
Era para os sitiantes, lugar mal-afamado, sujeito a assombrações. Falava-se da existência de um tesouro ali enterrado pelos jesuítas. Verdade ou não, o sítio se prestava às cogitações. Pouco atraente era mesmo temeroso à luz do dia. Escuras locas, agressivas penhas, vegetação aspérrima, com os espinhos substituindo as flores, afugentavam os mais animosos. Cristão algum passava por ali mesmo com o sol a pino.
Corria como certo que, todos os dias, a alma de um frade sentava-se numa grande laje assinalada por uma cruz, talhada não se sabe por quem. Conjecturas porque ninguém foi lá para ver.
Mas tais histórias esquentam a imaginação e a cobiça costuma superar a prudência. De tanto excogitar o Sr. Nascimento, pequeno agricultor das redondezas, sonhou que um frade lhe confiara o segredo do tesouro oculto sob a laje da cruz. Para desencantá-lo precisaria ir sozinho, à meia-noite, em ponto. Rezasse três ave-marias e metesse mãos à obra. Que fosse sozinho voltou a recomendar.
A história se espalhou, mas cadê coragem para o Sr. Nascimento ir às desoras e sozinho ao lugar onde os mais valentes não se arriscavam de dia?
Certa noite de sexta-feira vários homens se reuniram na casa do delegado. Entre eles o boticário Firmino, entendido em coisas de assombração, espírita militante que era. Com o Sr. Nascimento e mais três iriam desenterrar o tesouro.
Para o delegado a presença daqueles homens foi surpresa. Não os esperava em sua casa. Munidos de pás, enxadas e picaretas, estavam prontos para a expedição noturna. Como a casa ficava perto do lugar tomaram a liberdade de usá-la como base da fantástica operação. Caber-lhe-ia parte na divisão do ouro. Homem prudente e sensato nada quis em troca do agasalho. Como católico praticante objetou que tomassem cuidado, em se tratando de coisas do Além.
A professora e a esposa do delegado olhavam aqueles preparativos com muito medo e do canto da sala não arredaram pé até à saída dos expedicionários.
A cobiça encorajara o tímido Sr. Nascimento, que por ouro enfrentaria o próprio demo.
Dali ao vale, um salto. Pelo relógio do boticário faltavam poucos minutos para a meia-noite. Tensos, meteram o pé na estrada, em suave declive até ao rio. Uns passos mais e estavam na entrada do vale. Dentro da escuridão noturna a lanterna mal iluminava o passo e o riacho que espadanava as águas, fugindo à asfixia das rochas. Ante o tétrico cenário, fugindo aos morcegos que esvoaçavam espancados pela luz, o Sr. Nascimento fraquejou. Lá estava a laje, tampa e coberta do ambicionado tesouro. Lá estava a cruz, confirmando a sua presença.
— Mãos à obra! Enfático ordenou o boticário. Todos empunharam as ferramentas e à soturna luz começaram a escavar. Os calhaus de barro voavam em todas as direções e mesmo se chocavam de encontro ao vidro da lanterna. Tudo corria como rezava a lenda: Meia-noite, em ponto, após as três Ave-Marias.
Impressão ou não, as águas do riacho começaram a crescer e turbulentas roncavam entre as penhas. De súbito uma picareta chocou-se com algo que tiniu como ferro. — Um cofre! Foi o grito que se escapou daqueles peitos como uma só voz. Largando as ferramentas ajoelharam-se para alargar a cova, com as mãos, e sondar o terreno. Súbito apagou-se a luz e selvagem grito que nem cem bocas emitiriam igual, tão forte e tão vibrante como se mil diabos estivessem à solta.
Voando nas asas do medo os malogrados cavadores, mais mortos do que vivos, irromperam pela casa do delegado. Os de casa também ouviram o espantoso grito, assim como toda a redondeza.
Hoje o vale é tabu. Quem ousa por ele passar?
Fonte: O Espírito Santo na História, na Lenda e no Folclore, 1983
Autor: Adelpho Poli Monjardim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2015
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