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Viana, O Convento, O retorno ao Rio de Janeiro – Por Saint-Hilaire

Morro do Moreno e Rio da Costa

Regressei de modo feliz à Vila da Vitória e fui recebido pelo Capitão-mor Francisco Pinto com tanta amabilidade quanto da primeira vez. Logo fui visitar o Governador. Recebi novos testemunhos de interesse e benevolência e ele me prometeu um pedestre para acompanhar-me até a nova Aldeia de Viana, que eu desejava conhecer. E foi ainda o bom camarada Luís da Silva que o Governador me enviou para guia. Vim a cavalo de Jucutaquara, residência do Sr. Francisco Pinto, até Vitória, onde tomei um barco do Governo, conduzido pelo patrão-mor da barra. Os indígenas, que ordinariamente serviam de remadores neste barco, estavam empregados fora e foram requisitados outros marinheiros. Costeamos as ilhas chamadas do Penedo e do Príncipe, passamos diante da foz do Rio Jecu e desembarcamos no fundo da Baía do Espírito Santo. O Governador dera ordem para que neste lugar eu encontrasse um cavalo, e percorri, montado, cerca de três léguas de uma região muito desigual, coberta antigamente de grandes matas virgens, mas, que hoje, na maior extensão, apenas é capoeira. Nas cercanias de Viana, distante cerca de 3 léguas e meia de Vitória, as matas virgens são muito mais comuns e a região se torna montanhosa.

Há 7 ou 8 anos (escrito em 1818) havia neste lugar, que se chamava Sto. Agostinho e onde fica hoje Viana, apenas 2 ou 3 cabanas. Durante muito tempo o governo havia proibido qualquer comunicação entre as Capitanias de Minas Gerais e Espírito Santo, visando a tornar assim mais difícil o contrabando do ouro. Após a chegada do Rei D. João VI ao Brasil, os olhos se abriram e viu-se quanto era absurdo sacrificar a mesquinhas precauções os interesses que deviam resultar do comércio de dois povos limítrofes, um dos quais é vizinho do Oceano, podendo o outro fornecer ao primeiro ferro e outros artigos úteis. O Governo tomou, portanto, a louvável resolução de fazer uma estrada que fosse da Vila da Vitória à Vila de Mariana. O caminho teve começo do lado da Província do Espírito Santo, na Aldeia de Sta. Maria, junto ao ribeirão do mesmo nome, ribeirão este que, como já disse, desemboca na Baía de Vitória.

Sendo necessário, contudo, viajar 6 léguas por água, de Sta. Maria à Vila da Vitória, e como os mineiros, cavaleiros hábeis, recusam embarcar, teve-se a idéia de abrir segundo caminho, sem, entretanto, renunciar ao primeiro. Preferiu-se o que levava a Sto. Agostinho e que se prolongou até alcançar o de Sta. Maria, devendo, como já se viu, chegar perto de Vila Rica. Começou-se a abrir entre as florestas virgens uma picada que ia até a Capitania de Minas; quando de minha viajem, o verdadeiro caminho estava totalmente terminado, numa extensão de 10 léguas.

Viajavam por este caminho pedestres e índios e, para que os muladeiros encontrassem durante a viagem víveres e abrigo, havia o projeto de colocar, de 3 em 3 léguas, soldados que seriam retirados logo que os colonos se instalassem, à beira da estrada. Santo Agostinho, embora muito perto de Vitória, era, entretanto, o ponto mais afastado em que se encontra terra cultivada.

Tomei a resolução de dar importância a esta povoação e eis por que meios o consegui. A população dos Açores, como se sabe, é muito considerável e grande número de seus habitantes vive em miséria extrema.

O Governo havia trazido dos Açores para o Brasil cerca de 50 famílias, prometendo-lhes terras; mandaram-nas para Sto. Agostinho, que então tomou o nome de Viana, que era o do intendente geral da polícia.

Cada família tinha sua casa, uma área considerável de terra, alguns animais e instrumentos agrícolas. Havia necessidade de dinheiro para custear essas despesas; tiraram-no, então, dos fundos destinados à polícia, negócio estranho que só se pode explicar pelas ligações de amizade e parentesco existentes entre o Governador da Província e o Sr. Paulo Fernandes Viana, Intendente Geral da polícia.

Numa escala que os ilhéus fizeram em Cabo Verde, alguns apanharam (dizem) germes de perigosa doença; por outro lado, o ar de Viana, antes dos desbravamentos, que tiveram início logo depois, estava longe de ser salubre; os colonos não se achavam acostumados a trabalhar sob o céu ardente dos trópicos, e cometeram, logo ao chegar, a imprudência de formar arrozais nos alagadiços, próximos de suas moradias. Muitos homens adoeceram e morreram. As mulheres foram menos sacrificadas; saíam menos que os maridos, e assim não tinham as mesmas ocasiões de beber águas más, e nem iam aos lugares pantanosos. Hoje, que a região está muito mais coberta e é também mais saudável, não me parece que haja em Viana mais doenças que em qualquer outro lugar.

Assim que viram morrer alguns patrícios os ilhéus se apavoravam e pretenderam retirar-se. A isto, o governo se opôs, alguns fugiram, mas foram trazidos à força armada para Viana; quando de minha viagem, era ainda proibido aos novos colonos irem estabelecer-se em outra parte.

Queixavam-se eles de tal medida, mas, ao que me parece, o Governo tinha perfeitamente o direito de impor quaisquer condições a homens que havia retirado da miséria e cumulado de benefícios. As queixas dos ilhéus se baseavam na razão única de lhes terem sido prometidos terras em Minas Gerais, Rio Grande, Sta. Catarina e não na Província do Espírito Santo.

Viana se compunha de cerca de 60 casas, que não se reuniam num só grupo. Algumas, construídas de barro e cobertas de palha, foram feitas dentro das próprias posses, e outras numa colina separada. Ao redor das casas, a mata foi derrubada e substituída por plantações de milho, arroz, feijão e mandioca. No extremo de toda a zona cultivada há uma leve elevação tendo no alto uma larga plataforma, onde a igreja, o presbitério e também uma grande casa destinada ao governador foram construídas.

Deste ponto avista-se a leste uma parte das casas de Viana e, do lado oeste, uma grande caserna destinada aos soldados que protegem os colonos contra os ataques dos indígenas. Por toda parte, menos a leste, montanhas bem elevadas e cobertas de espessas florestas dominam o horizonte e dão-lhe estreitos limites. Este conjunto tem algo de simples e majestoso que eleva a alma, transportando-a ao recolhimento.

A igreja de Viana não é muito grande, mas é bem iluminada e ornada com muito gosto. Certamente, é das mais bonitas que vi desde que estou no Brasil. Não poderei fazer igual elogio à casa do Governador, grande construção de janelas perfeitamente quadradas, pesada, mal distribuída, com entrada ao lado e à qual nem mesmo se pensou em juntar um jardim. O Governador Rubim, que foi o criador de Viana, passava tempos nesta casa, à qual se dava o pomposo nome de palácio, mas é de crer que ela haja sido abandonada por seu sucessor.

A administração de Viana estava confiada a um tenente de linha, que comandava o destacamento aquartelado perto da nova colônia e os da vizinhança. Era quem dirigia os trabalhos, sendo obrigado a prestar conta de tudo ao governador, que em seguida dava suas ordens pormenorizadas. Quando de minha viagem, estava-se acabando a torre da igreja. Os índios transportavam terra e faziam todos os trabalhos pesados. O tenente Bom Jardim, comandante de Viana, me contou que um dos seus homens tocava guitarra todas as noites, cantando na sua língua as palavras seguintes: "É bem contra minha vontade que estou aqui; quando verei os lugares onde nasci?". Sendo muito raro que os índios civilizados cantem em sua própria língua, pedi ao tenente que me escrevesse a canção que me tinha repetido. Ele o fez com complacência, mas, temendo comprometer-se, pôs sob o texto a tradução seguinte, que diferia da primeira e é evidentemente infiel: "Estou bem aqui, porém gostaria mais de estar nos lugares em que nasci."

As terras de Viana são favoráveis a qualquer gênero de cultura; mas as grandes formigas (saúvas), infelizmente, são muito comuns neste distrito e fazem estragos terríveis. Tem-se procurado adotar aqui algumas plantas da Europa, como o linho e o fermento (espécie de trigo). Estas tentativas não têm sido felizes; creio, todavia, que isto se deve menos ao clima e a natureza do solo que à inexperiência dos colonos, acostumados à agricultura das regiões equinociais.

Os agricultores de Viana são felizes por terem, nas cercanias um pequeno rio, que, embora estreito, é navegável por pirogas, da colônia até à Baía de Vitória, facilitando a exportação das mercadorias locais.

Todas as numerosas vantagens usufruídas pelos habitantes de Viana eram, na época de minha viagem, compensadas tristemente pelo temor que sem cessar causava a vizinhança dos índios inimigos.

Estes, aliás, se mostravam tão bárbaros que o pavor era bem justificado. Mais ou menos 20 dias antes de minha chegada ao lugar, o tenente Bom Jardim soube que eles haviam massacrado um colono e raptado um de seus filhos. Pôs-se a perseguir os selvagens, seguindo dia após dia suas pegadas no meio das florestas; ao fim do terceiro dia, descobriu barracas de folhas de palmeira, onde eles deviam passar a noite.

Escondeu-se ali com a sua tropa e, ao nascer do dia, caiu sobre os inimigos, que nem tiveram tempo de apanhar suas flechas. Homens e mulheres foram mortos a facadas pelos luso-brasileiros, sem se poder defender; pouparam-se apenas duas crianças muito pequeninas, um menino e uma menina, que o tenente Bom Jardim levou consigo. Encontraram nas barracas numerosos objetos pertencentes aos portugueses, principalmente facas, machados e chapéus, descoberta que causou admiração tanto maior quanto, desde algum tempo, não se ouvia dizer que os selvagens houvessem pilhado algum lugar. Observou-se muito, também, que os dois meninos aos quais o tenente conservara a vida se chamavam Antônio e Ana, que são nomes portugueses.

O tenente Bom Jardim teve a bondade de me dar de presente um bonito colar que havia sido tomado a uma índia selvagem e se compunha de duas voltas ou ordens de pequenos grãos negros, separados por dentes de cabiai.

No Rio Doce, também me haviam dado 2 instrumentos de música roubados aos selvagens e que atestavam bem a barbaria deles; eram apenas cordões no meio dos quais se prendia um enorme atilho de cachos de pecaris entremeados com alguns pedaços de pele de veado bem ressecada.

Como os indígenas que foram mortos nas florestas de Viana pela tropa de Bom Jardim tinham o lábio inferior e as orelhas furadas, era evidente que pertenciam à nação dos Botocudos. Mas este nome é pouco conhecido na Província do Espírito Santo, onde os selvagens são geralmente designados pelo nome de Bugres, ou Gentios.

Recebera-me em Viana o tenente Bom Jardim, que me acompanhou por toda parte e respondeu com extrema complacência às minhas perguntas. Sendo muito tarde quando acabamos nossos passeios e não estando bom, o tempo, decidi passar a noite na nova colônia.

Pus-me a caminho cedo, no dia seguinte, chegando logo à margem da Baía do Espírito Santo e soube que o patrão-mor da barra viera procurar-me na véspera e me esperara até 11 horas da noite. Lastimei muito ter perdido esta ocasião, por ser-me necessário agora perder todo o dia antes de encontrar uma barca. Depois de ter esperado por muito tempo na praia, entrei numa casa para me abrigar do sol e encontrei diversas pessoas que, como eu, queriam voltar para Vitória. Falou-me muito dos índios selvagens; era naquela região um assunto inesgotável de conversação e nunca se iniciava sem mostrar contra esses desgraçados um ódio que chegava até ao delírio. Um pedestre que ali se achava não se cansava de testemunhar sua admiração pelo oficial que conservava em casa um filho de Gentio e jurava que, em lugar do tenente Bom Jardim, estrangularia a criança. Tentei em vão fazer estas bravias criaturas compreender que tais sentimentos não estavam perfeitamente de acordo com a religião que pretendiam professar. A seus olhos, os gentios não pertenciam à espécie humana; eram animais ferozes.

Ao anoitecer apareceu, afinal, uma pequena canoa de índios e apressei-me em tomá-la. Mas todos os homens que estavam comigo na venda quiseram aproveitar o mesmo ensejo. O barco ficou muito carregado; começou a ventar e foi com grande prazer, confesso, que cheguei à Vila da Vitória.

Antes de regressar ao Rio de Janeiro, quis ver Vila Velha e o famoso mosteiro de Nossa Senhora da Penha, na entrada da Baía do Espírito Santo, do lado sul.

O Capitão-mor Pinto, que me cumulava de todas as gentilezas possíveis, ofereceu-se para meu guia. Embarcamos em uma piroga e, indo primeiro ao Sítio de Santinhos, onde alguns afazeres me chamavam, tivemos o prazer de contemplar a vista magnífica que eu havia admirado ao chegar a Vila da Vitória e que já descrevi. Pouco depois, tomamos nossa canoa e nos dirigimos para a entrada da baía; após haver contornado as montanhas que a circundam do lado sul, chegamos a um ancora-douro dominado pela montanha da Penha e no fundo do qual se situa a cativante Aldeia de Vila Velha, onde desembarcamos.

Como já disse, Vila Velha foi o primeiro estabelecimento que os portugueses fundaram na província e se chamou primitivamente Vila do Espírito Santo.

Os ataques dos selvagens, originariamente muito repetidos, forçaram em breve os europeus a se retirarem para a Ilha de Duarte Lemos. Mas, outras razões contribuíram ainda para impedir que a Vila do Espírito Santo, ou Vila Velha, adquirisse alguma importância: as águas são ali de má qualidade; o ancoradouro, à beira do qual a vila foi construída, é raso e as embarcações não podem navegar nele; por último, as terras da vizinhança são arenosas por demais para ser cultivadas. Vila Velha se manteve como sede de uma paróquia e de um termo administrado por 2 juízes ordinários e um senado municipal (câmara). Contudo, esta pretensa vila é apenas um aldeamento formado quase exclusivamente de cabanas semi-arruinadas. Embora, vizinhas das montanhas, essas cabanas são construídas num terreno plano e chegam só a cerca de quarenta. As menos danificadas se alongavam, mais ou menos juntas, até o mar e o lado oposto a este é tomado pela igreja.

Não podendo utilizar suas terras, os habitantes de Vila Velha vivem apenas da pesca; são muito pobres e seu número diminui dia a dia. A paróquia de Vila Velha, disse Pizarro, se prolonga para o norte, numa extensão de três léguas, até a da Vila da Vitória; para o oeste, tem menos de 1/4 de légua; a leste mais de 5 léguas, ao sul quatro e, nesta extensão de território, tem apenas 700 a 800 adultos.

A pouca distância de Vila Velha, do lado leste, acha-se a montanha da Penha, que termina por um rochedo enorme sobre o qual se construíram o convento e a igreja consagrados à Virgem, sob o nome de Nossa Senhora da Penha. Vista dos arredores, esta montanha apresenta pitoresco aspecto.

O rochedo nu, o mosteiro e a igreja que a encimam parecem, de longe, uma fortaleza e contrastam com as espessas matas que cobrem os flancos da montanha.

Para chegar à igreja, passa-se primeiro por um arco e galga-se depois um caminho ladeado por dois muros, calçado com pedras grandes e chatas e sombreado por copadas árvores. Na extremidade deste caminho, exatamente embaixo do rochedo, encontra-se uma plataforma sobre a qual se ergueu uma construção estreita, baixa e comprida, dividida em pequenos aposentos destinados aos peregrinos que a devoção atrai para a montanha. Desta plataforma se sobe uma escada estreita cortada no rochedo e, alcançando o convento, descortina-se uma vista de imensa extensão. Vêem-se o mar, a parte oriental da baía com suas ilhas, e do lado do sul e do sudoeste, em frente ao Morro da Penha, o Monte Moreno, que ao sul da baía forma a ponta mais avançada para o Oceano; entre estas duas montanhas se acha a foz do Ribeirão da Costa, cujas águas, após serpearem por terrenos baixos e arenosos, vizinhos do mar, vão entulhar a baía com as areias que carregam.

Depois de me haver extasiado com a vista, da qual tentei dar ligeiro esboço, fui visitar a capela e o Convento da Penha. A fundação deste edifício remonta a uma época muito anterior. Cerca de 1553, um frade espanhol, chamado Pedro Palácios, passou pelo Brasil, procurando encaminhar os selvagens para o cristianismo. Este homem isolou-se na montanha da Penha, que já então era coroada por duas palmeiras de grandeza notável e construiu sua choupana a meia encosta do morro. Crendo, entretanto, ter-lhe o Céu indicado por sinais sobrenaturais que devia ser erguido um edifício em honra à Virgem no alto do rochedo, não tardou em construir ali uma capela, onde colocou uma imagem à qual uma lenda atribuía origem miraculosa.

Pedro Palácios morreu muito venerado em toda a região. Depois dele, um homem piedoso se encarregou de cuidar da capela, mas em 1591 as municipalidades reunidas de Vila da Vitória e Vila do Espírito Santo deram-na aos Franciscanos. Em 1637 a igreja foi muito aumentada, anexando-se a ela um convento capaz de receber 12 a 13 religiosos. Nessa época, o Governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides, tinha-se posto em campo para descobrir minas de esmeraldas e outras pedras preciosas; passando pela Província do Espírito Santo, contribuiu muito para as despesas da construção do Convento da Penha e adjudicou a este mosteiro um tributo anual de 25 cabeças de gado procedentes de suas terras em Goitacás. A capela do Convento da Penha é bem pequena, mas muito bonita e bem ornamentada; não pude percorrer detidamente o convento; o que vi, entretanto, me pareceu bastante notável. Os religiosos que nele residem são mandados do Rio de Janeiro por seus superiores; quando de minha viagem, eram apenas dez. Entretanto, a Virgem da Penha continua a gozar de grande fama e, de muito longe, principalmente de Campos, lhe enviam oferendas por vezes consideráveis.

Pouco antes da festa da padroeira, os frades fazem peditórios nas imediações; no dia da festa, inúmeros peregrinos sobem a montanha e os religiosos lhes oferecem uma refeição, custeada pelas esmolas recebidas. Junto ao convento há uma grande sala destinada a esse banquete público.

Depois de haver visitado Nossa Senhora da Penha, o capitão-mor e eu fomos a um pequeno forte construído na base da montanha em terreno plano, quase ao nível do mar. Esta fortaleza destina-se a defender a entrada da baía, mas penso que desempenharia mal este objetivo.

Um destacamento da companhia de linha, comandado por um tenente, compõe a guarnição do forte. Os comandantes dos barcos que entram e saem são obrigados a mostrar seus papéis ao governador militar.

Existindo apenas um caminho para ir de Vitória ao Rio de Janeiro — aquele pelo qual eu já tinha vindo e que não chega a ser realmente caminho, resolvi retornar por mar à capital do Brasil e enviar por terra minha caravana, com Prégent e Manuel da Costa.

Uma sumaca estava prestes a abrir velas para o Rio de Janeiro. O Governador teve a bondade de remover as dificuldades que se apresentaram e combinei com o patrão da barca que ele levaria como passageiros a mim e ao Firmiano, e mais 4 caixas, pela quantia de 20 mil-réis (125 fr.). O mau tempo retardou, infelizmente, minha partida, obrigando-me assim a prolongar minha estada na casa do Capitão-mor, cuja benevolência nem um só instante se desmentiu. Por fim, o tempo melhorou. No momento em que íamos deixar o porta, soube, que o barco estava em más condições, mas já havia tomado minha passagem e resolvi seguir. A embarcação estava muito carregada; eu tinha apenas um lugar para me mexer e, para dormir, era obrigado a me deitar curvado entre amarrados de tamanhos desiguais, no camarote do patrão, onde havia mau cheiro bastante desagradável. Terrível enjôo tornou inúteis as provisões que me dera o capitão-mor; não foram elas, no entanto, totalmente perdidas. Na altura de Cabo Frio, fomos colhidos por uma tempestade que durou a noite inteira. Tremendo e desesperado, o proprietário do barco fazia promessas a Nossa Senhora da Penha e a todos os santos do Paraíso. O patrão, ocupado com suas manobras, nem parecia ouvi-lo; quanto a mim, refugiei-me numa espécie de buraco que me haviam dado por compartimento e tive a felicidade de adormecer ali.

Disse-me depois, o capitão que, em face do mau estado da embarcação, havíamos corrido sérios perigos. Este homem era de profunda ignorância; mas fizera 22 vezes a viagem de Vitória ao Rio de Janeiro e o longo hábito desta navegação lhe dava saber; ao fim de 4 dias ancorávamos na Baía do Rio de Janeiro.

 

Fonte: Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce ano 1974
Autor: Auguste de Saint-Hilaire
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2015

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