65 anos após o desembarque de Vasco Fernandes Coutinho
65 anos após o desembarque – Muito progredira a capitania desde a chegada da Grorya à enseada do Espírito Santo. Vivo estivesse, o primeiro donatário poderia dizer, com justo orgulho, que não fora vão o sacrifício que se impusera para plantar a bandeira do seu rei nesta nesga do solo brasileiro.
Outras donatarias exibiam mais riquezas, mas, por certo, em nenhuma outra as condições haviam sido mais adversas à implantação do homem europeu.
Aqui, a floresta espessa – verdadeira fortaleza oposta às tentativas de penetração – era, mais que qualquer outro acidente de qualquer outra parte do Brasil, uma barreira a contrariar e esmagar os planos de conquista, não só pela sua pujança inigualável, mas, e principalmente, pelo inumerável gentio que abrigava.
Decênios, séculos decorreriam até que o homem branco pudesse palmilhar – sem o temor mortal dos primeiros tempos – o território que ficava além das praias marítimas.
Balanço das realizações
Ao findar o século, a capitania fundada por Vasco Fernandes Coutinho já revelara as linhas que orientariam a marcha da civilização em seu território. Os pioneiros e seus continuadores sentiram na própria carne que ali as conquistas do homem seriam, por muitos e muitos anos ainda, discretas e custosas. Cada novo passo à frente deveria ser precedido de prudente tatear, pois o perigo e o fracasso vigiavam todos os rumos.
Os jesuítas eram os mesmos ardorosos batalhadores dos primeiros dias. Em uma de suas últimas cartas, é para os índios do Espírito Santo que Anchieta (I) reserva palavras de atenção, relatando a resistência dos padres à desenfreada cobiça dos colonos, que, por sua vez, questionavam entre si “sobre pretensões de ofícios e honras”. Implicavam os portugueses com os jesuítas porque estes não lhes permitiam “servir-se [dos índios] a torto e a direito”. Como profeta, acrescentaria: “Mas como esta é guerra antiga, e no Brasil não se acabará senão com os mesmos índios”.(63)
A presença de capitães seculares à frente das aldeias do gentio acarretou a extinção de várias delas no Espírito Santo, como no resto do Brasil. Citando documentação jesuítica, Serafim Leite diz que tiveram fim as de Vasco Fernandes Coutinho, Belchior de Azeredo, dos seus sobrinhos, Miguel de Azeredo e Marcos de Azeredo.(64)
A Misericórdia – Como para afirmar às gerações que portugueses haviam estado na terra, a Santa Casa de Misericórdia já fora fundada(65) e veio a merecer honraria especial de Filipe II, em 1605, que lhe concedeu, por alvará de primeiro de junho daquele ano, os mesmos privilégios da sua irmã de Lisboa.(66)
As culturas principais eram, além da cana, de que se faziam açúcar e aguardente, algodão, arroz e tabaco.
Vitória contava cerca de 700 habitantes e tinha já boas casas de negócio; tinha colégio e conventos...(67)
NOTAS
(I)
– Vez por outra, encontramos referências aos autos escritos por Anchieta, baseados em lugares e personagens capixabas. Delas se pode dizer que lhes falta lastro documental para as suas exegeses quase sempre mitológicas.
Podemos revelar, nesta oportunidade, que o padre Armando Cardoso, S. J., está concluindo livro intitulado O Teatro de Anchieta, em que o assunto é estudado com o rigor e o saber que distinguem os trabalhos daquele mestre.
A nosso pedido, o responsável pela recente edição do poema De Gestis Mendi de Saa, do padre Anchieta – escreveu. o seguinte:
“Autos de Anchieta no Espírito Santo
Dos doze autos que nos restam de Anchieta oito foram compostos e representados no Espírito Santo. Há neles preciosas referências a personagens, lugares e situações históricas: falase de Vasco Fernandes Coutinho Filho, falecido em 1589. Da. Luísa Grimaldi governadora,
sua viúva, é representada na personagem da Vila de Vitória; Miguel de Azeredo, seu cunhado, capitão adjunto, representa o bom Governo. Fala-se de Filipe II e seu partido.
Tecem-se os louvores do P. Marçal Beliarte, provincial jesuíta; do P. Bartolomeu Simões Pereira, administrador apostólico; do P. Marcos da Costa, superior jesuíta; alusão ao P. Diogo Fernandes, missionário de Riritiba, doente da expedição ao sertão.
Alude-se a ataques de franceses e ingleses, de goitacazes e aimorés, descrevem-se vícios e qualidades dos índios das aldeias, rixas e pleitos dos habitantes de Vitória e Vila Velha; há referências a secas e epidemias, cessadas com a proteção dos santos venerados no Espírito Santo, São Maurício e seus companheiros, Santa Úrsula e suas companheiras.
Os locais melhor descritos são a vila de Vitória, a Misericórdia de Vila Velha e seu santuário da Penha, as aldeias de Guaraparim e Riritiba.”
(63) - ANCHIETA, Carta ao geral padre Cláudio Aquaviva, do Espírito Santo a sete de setembro de 1594, in Cartas, 291.
(64) - LEITE, HCJB, II, 71. O tema Governo das Aldeias pode ser estudado na História da Companhia de Jesus, II, p. 61 ss, e na História Geral, I, 421 ss. – aquela da autoria de Serafim Leite, S. J., a segunda da lavra do Visconde de Porto Seguro.
(65) - O Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo afirma que “pesquisou a verdadeira data da instalação da Santa Casa de Misericórdia desta Capital [Vitória], uma das mais antigas do Brasil, cujo quatricentenário deverá ocorrer no próximo ano [1945] (sete de agosto)” (RIHGES, XVI, 61).
– Para aceitarmos a afirmação do Instituto, teremos de admitir que a Santa Casa foi instalada na vila do Espírito Santo e, mais tarde, transferida para a de Vitória, pois em 1545 não existia ainda esta última, fundada, como vimos, em 1550. – Sobre o assunto, ver o estudo de ARTUR LOURENÇO DE ARAÚJO PRIMO – Santa Casa de Misericórdia – inserto no volume XVI, 39-41, da RIHGES.
(66) - À vista das discrepâncias encontradas entre os vários historiadores que abordaram a data do alvará em tela, consultamos o Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), cujo diretor – José Pereira da Costa – pronta e atenciosamente informou que “no L.º 3, fls. 119, Privilégios, do rei Filipe 2.º [se encontra] o registro de um alvará, com data de 1 de junho de 1605, que concede à Misericórdia da Capitania do Espírito Santo os mesmos privilégios da Misericórdia de Lisboa”:
– “Eu El Rey. Faço saber aos que este Alvará virem Que havendo respeito ao que na petição atras escrita dizem o Provedor e Irmãos da Caza da Mizericordia Capitania do Espirito Santo partes do Brazil. Hey por bem e Meapraz que elles possão uzar e uzem dos previlegios, eliberdades que são concedidos a Caza da Mizericordia desta Cidade de Lisboa, e isto naquellas couzas em que lhe poderem aplicar: e Mando atodas as Justiças Offeciais, e Pessoas aque o conhecimento disto pertencer que lhes cumprão este Alvará como senelle contem, o qual Meapraz que Valha, etenha força evigor como sefosse Carta feita em Meo Nome, epormim assignada, sem em bargo da Ordenação em Contrario. Antonio de Moraes afez em Lisboa. ao primeiro de Junho de mil seis centos e cinco. João da Costa ofez escrever.
Rey. Manoel Gonsalves da Camara – Ha Vossa Magestade por bem que o Provedor e Irmãos, da Caza da Mizericordia da Capitania do Espirito Santo das partes do Brazil possão uzar dos previlegios concedidos a Mizericordia desta Cidade de Lisboa, eisto naquelas couzas que se lhe poderem aplicar, e que este valha como Carta. Por Despacho da Meza. Pedro Barbosa.
Pagou duzentos equarenta res em Lisboa ao primeiro de Julho de seis centos e cinco annos. Gaspar Maldonado. Registado na Chanselaria afolhas cento e dezenove. Miguel Monteiro.
Cumpra-se como nele se contem. Hoje seis de Agosto de mil seis centos e doze annos. Antonio Gomes” (Cópia fornecida pelo “Escrivam da Irmandade – José Marco. de Vascos.”, a primeiro de março de 1828, e que acompanhou o Ofício de treze de março de 1828, de Inácio Acioli de Vasconcelos, Pres da Prov, a Pedro de Araújo Lima, in Pres ES, IV, 47).
(67) - ROCHA POMBO, HB, V, 133-4.
Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, junho/2017
O navio em que Coutinho regressou ao Brasil tocou em Pernambuco e, com certeza, era de sua propriedade
Ver ArtigoCoube a do Espírito Santo, descoberta em 1525, a Vasco Fernandes Coutinho, conforme a carta régia de 1.º de junho de 1534
Ver ArtigoEnfim, passa da hora de reabilitar o nome de Vasco F. Coutinho e de lhe fazer justiça
Ver ArtigoTalvez o regresso se tivesse verificado em 1547, na frota mencionada na carta de Fernando Álvares de Andrade, ou pouco depois
Ver ArtigoConcluo, dos nobres que aportaram à Capitania do Espírito Santo, ser ela a de melhor e mais pura linhagem
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