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Velhas Histórias Eternas – Por José Carlos Correa

Jornal O Diário - Foto: Revista aangaba, ano 1 - número 02 - dezembro de 2008

Quando entrei em O Diário pela primeira vez, em 1965, no alto da Rua Sete de Setembro, tudo me pareceu fantástico. Afinal, eu nunca havia estado em um jornal antes. Até então só havia escrito alguns artigos aproveitados no jornal da minha terra, a Gazeta de Aimorés, editada pelo meu primo Hélio Calhau, e no Independente, o aguerrido porta-voz dos estudantes secundaristas de Vitória. Os textos eram levados para uma gráfica desconhecida, longe dos meus olhos, e muito tempo depois é que o jornal circulava.

Mas jornal, jornal mesmo, que circulava todos os dias e era impresso ali pertinho da gente, o primeiro foi O Diário.

E eu achava tudo maravilhoso no meu deslumbramento de estudante que, com dezessete anos, estava ali indicado pelo Edgar Cabidelli para substituí-lo como redator da coluna estudantil. Na pequena redação, das quatro máquinas de datilografia, três ficavam quase que permanentemente ocupadas. Uma com o Paulo Maia, que era o subsecretário. Outra com o Dalton Martins da Costa, o secretário, que passava as tardes na Câmara Municipal de Vitória se esquivando dos perdigotos lançados na bancada de imprensa pelo combativo vereador Marinho Delmaestro, e só mais tarde aparecia para fazer as notícias de lá e a coluna "Bastidores". E a terceira era privativa do Esdras Leonor, o colunista social, que ocupava quase uma página inteira do jornal. Na outra sala, "da Diretoria”, a porta só se abria no fim da tarde quando chegavam o Plínio Marchini, o Cacau Monjardim e os irmãos Setembrino e Everaldo Pelissari. Eram todos ligados ao governador Chiquinho, proprietário do jornal, e que vivia momentos difíceis pois estava sendo acusado pela Revolução de 64 e pelo  seus adversários políticos de toda a sorte de corrupção. E eu fazia meu "Diário Estudantil" e achava enormes as oficinas, onde duas linotipos eram habilmente manejadas pelo Alemão e pelo Bissinga e onde Dequinha, o paginador e tituleiro, de vez em quando fazia um churrasco de gato. No alto, os dizeres atribuídos a Voltaire: "O trabalho afasta o vício, o tédio e a necessidade." A impressora rotoplana, pequena e antigona, me parecia imensa. Na área comercial e administrativa, quem comandava era o Fernando Jacques "Jacaré" e quem tomava conta do dinheiro era o  Everaldo Nascimento.

Em frente à Tesouraria (nome pomposo da sala do Everaldo) havia uma escada que dava para um lugar onde quando aparecia um abnegado que se sujeitasse aos atrasos de pagamento, funcionava uma clicheria. Quando isso acontecia havia a chance de ser feito um clichê novo, no máximo um por dia, que se juntaria aos antigos que eram repetidos à exaustão. Lembro especialmente de um, do então deputado Antonio José Miguel Feu Rosa, hoje desembargador do Tribunal de Justiça, que bateu todos os recordes de republicação porque, afinal, ele era amigo e aliado do governador e um dos mais assíduos articulistas do jornal.

O ponto forte da imprensa capixaba na época era a luta política entre Chiquinho e o pessoal do PSD de Carlos Lindenberg e, por conseqüência, entre O Diário e A Gazeta. Os editoriais eram quentíssimos de lado a lado. Em O Diário os autores eram Plínio, Everaldo e Setembrino; em A Gazeta, José Costa e Jackson Lima. A Gazeta era chamada nos editoriais de O Diário de "A respeitosa da General Osório", uma alusão irônica às casas de tolerância vizinhas do jornal dos Lindenberg. A Gazeta dava o troco e se referia aos "escribas" de O Diário como "os áulicos da Rua Sete", numa forma sutil de insinuar que eram pagos pelo Palácio do Governo. Quando O Diário noticiou o acordo firmado por Chiquinho com o governo de Minas Gerais sobre a questão dos limites entre os dois estados, disse ter sido "uma vitória e um dia histórico para o Espírito Santo". A manchete de A Gazeta foi: "No Dia da Vergonha para o Espírito Santo, a bandeira mineira tremulou no Contestado." Essa briga só acabou quando, vencido, Chiquinho renunciou ao mandato e se retirou da política.

A edição de O Diário era feita de forma quase artesanal. Eu fazia minha coluna e entregava ao Dalton. Esdras chegava à tarde e fazia a sua. Havia ainda o Enéas Silva, que fazia a página de esportes. No final da tarde chegava o pacote de notas datilografadas com curtas notícias nacionais e internacionais captadas clandestinamente pelo Walter Telegrafista. O miolo do jornal era completado com "calhaus", assim chamados os boletins que chegavam pelo correio geralmente distribuídos por embaixadas e cuja reprodução era livre. Cacau Monjardim escrevia uma coluna de negócios, a "Poltrona B". E a primeira página era a última a ser escrita, geralmente pelo Everaldo, Plínio e Cacau, e era quase restrita aos assuntos de interesse do governador.

Os clichês eram escolhidos na hora e quem fazia a escolha tinha que sujar as mãos procurando um. Não sei se é verdade, mas corria o folclore que um dia, sem assunto, alguém publicou o clichê do Duque de Caxias com a legenda: "Duque de Caxias, que dá o nome à rua onde aconteceu o crime de ontem." Mesmo que não seja verdade, as coisas aconteciam assim mesmo, quase sempre na base da improvisação.

Lembro que todos no jornal riam muito de casos acontecidos pouco tempo antes quando era redator o Carlos Alberto Castellani Nunes, o Bolão. Bolão cobria a parte policial e, como nada de importante acontecia na cidade, ele era mestre em criar notícias. Várias vezes saía do jornal, à noite, jogando pedras nos telhados das casas e, no dia seguinte, sapecava a manchete; "Desocupado perturba o sono dos moradores do centro." Irreverente, descreveu um estupro com tantos detalhes que disse que "a Polícia encontrou vestígios de esperma no ânus do menor". O escândalo, na época, foi tão grande que o arcebispo rasgou um exemplar de O Diário na missa da Catedral. É atribuída a Bolão, também, uma grande cascata sobre "o Fantasma da Manteigueira", que seria uma assombração que aparecia numa construção antiga lá pelos lados de Paul.

Esdras Leonor, na sua coluna, fazia a cobertura dos eventos sociais. Publicava sempre uma interminável lista de pessoas que freqüentavam as festas da cidade. E abria a coluna com uma espécie de crônica falando dissimuladamente de seus amores. Durante longo tempo proclamou seu amor por Capitu, personagem de Machado de Assis. Todos diziam que, na verdade, Capitu era alguém que morava perto do jornal, a quem Esdras dedicava demorados olhares. Como coluna social era a coqueluche do momento, havia outra, do Ronaldo Nascimento, só para jovens.

O Diário teve muitos lances de pioneirismo para a época. Lá fizemos, por exemplo, uma seleção de "focas", de que surgiram, entre outros, Rubinho Gomes e Antonio Alaerte. Essa mesma experiência repetimos, com grande sucesso, em A Gazeta, quando para lá me transferi em 1968.

Em A Gazeta já cheguei como secretário, contratado pelo Seu Eugênio Queiroz por indicação do Tavares. Comparada com a de O Diário, a estrutura de A Gazeta era uma maravilha. Havia outro secretário, Chico Flores, um redator-chefe, Jackson Lima, e dois copydesks, o Chico Silveira e o João Barbirato. A equipe de esportes era a maior de todas, com o Willis, Carlota, Darly e Bleisson. Polícia era com o Walmor e política, com o Gutman. Os colunistas eram o Hélio Dórea, o Muquy e o Edgard Feitosa. As fotos eram de Buarque, Abílio e Zé Carlos. O noticiário nacional e internacional era o mesmo de O Diário. Mas o forte de A Gazeta era, sem dúvida, a sua retaguarda administrativa e comercial: Seu Queiroz, Cariê e Matilde, um time coeso que não deixava o pagamento atrasar um dia sequer.

Levei para lá, pouco tempo depois, o Luiz Tadeu e juntos fizemos um estágio no Correio da Manhã, na época um dos maiores e melhores jornais do país. No Rio, o Correio disputava a liderança com o Jornal do Brasil, onde também estivemos para comprar a coleção dos "Cadernos de Jornalismo e Comunicação", uma coletânea de artigos avançadíssimos para a época e que tinha no conselho editorial, entre outros, Alberto Dines e Fernando Gabeira.

De volta do Correio propusemos, eu e o Tadeu junto com o Chico Flores e o Jackson Lima, ao Cariê e ao General Darcy, em relatório, "uma nova fase" para A Gazeta com a formação de outras editorias (entre as quais as de Política, Segundo Caderno e Gráfica), criação dos setores de pauta e de reportagens, uniformização do texto através da contratação de mais copydesks e adoção de uma política de pessoal com normas de seleção, abertura de estágio para descoberta de novos talentos e criação de cargos, níveis e tabela salarial. Enfim, uma série de inovações que aos poucos foram abrindo caminho para a reestruturação de A Gazeta, consolidada em seguida com a nova sede (no Edifício A Gazeta, também na Rua General Osório) e a impressão em off-set.

Daí para frente, tudo mudou. O fim dos partidos abriu espaço para que A Gazeta se desatrelasse dos antigos compromissos políticos, consolidasse uma linha editorial independente e se estruturasse em bases empresariais. A Gazeta cresceu e virou rede de comunicações. O Diário, ao contrário, desapareceu. Provando que os tempos eram realmente outros, Plínio e Setembrino, exatamente os mais ferinos editorialistas de O Diário, chegaram a ser diretores de A Gazeta.

Da época em que mudamos para o Edifício A Gazeta, aquela que marcou o início da "nova fase", guardo com especial carinho o manual de redação que editamos para orientar os jornalistas e melhorar o conteúdo editorial. Seu texto não poderia estar mais atual. Basta dizer que começa assim: "Sua função é informar-se. Sua missão é informar. Quando escrever, pense no leitor." Percebo então, confortado e envaidecido, que há coisas que não envelhecem nunca. Como as histórias do nosso dia-a-dia que, uma vez publicadas pela imprensa, acabam se tornando eternas.

 

Fonte: ESCRITOS DE VITÓRIA — Imprensa – Volume 17 – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.
Prefeito Municipal - Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar
Sub-secretário Municipal de Cultura e Turismo - Sidnei Louback Rohr
Diretor do Departamento de Cultura - Rogério Borges de Oliveira
Diretora do Departamento de Turismo - Rosemay Bebber Grigatto
Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici
Chefe da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim - Lígia Maria Mello Nagato
Bibliotecárias - Elizete Terezinha Caser Rocha e Lourdes Badke Ferreira
Conselho Editorial - Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Revisão - Reinaldo Santos Neves e Miguel Marvilla
Capa - Amarildo
Editoração Eletrônica - Edson Maltez Heringer
Impressão - Gráfica e Encadernadora Sodré
Autor do texto: José Carlos Corrêa
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2018

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