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O Convento da Penha – Por Moacir Fraga

Foto antiga do Convento da Penha

PALAVRAS E BOSQUEJO DO ARQUITETO MOACIR FRAGA

1970

 

Moacir Fraga

O engenheiro arquiteto Moacir Fraga é um "Self-made-man", na verdadeira expressão dessa locução inglesa.

Nascido na cidade de Santa Leopoldina (ES) a 5 de fevereiro de 1906, ficou órfão com apenas um ano de idade. Foi criado pela avó, de família pobre. Aprendeu os ofícios de marceneiro e carpinteiro.

Com ingentes esforços de sua vontade conseguiu cursar não só os estudos primários e secundários, mas também os superiores. Ainda no decorrer dos estudos de arquitetura destacou-se pela obtenção de oito primeiros prêmios, em diversos concursos.

Depois de formado, realizou inúmeros projetos de casas residenciais, estabelecimentos públicos, hospitais, bancos, em quase todos os Estados do Brasil.

Tem colaborado assiduamente na imprensa.

E membro do Instituto de Arquitetura do Brasil e do Clube de Engenharia. Atualmente exerce as funções de engenheiro-chefe do INPS no Espírito Santo. projetando e fiscalizando a execução das Agências nas cidades principais do Estado.

 

Vila Velha, cidade-altar de vetusta massa arquitetônica, precisa sentir a sua predestinação de 400 anos, patamar-base do maior exemplar arquitetônico, cuja austeridade de traço, é uma constante na composição dos contrafortes da colina pedestal, onde repousa o mais atraente monumento sacro brasileiro.

As festividades em louvor à N.S. da Penha completarão, este ano, um cunho excepcional, com a comemoração dos 4 centenários.

Quando menino, escalava a montanha religiosamente nos dias consagrados à Virgem, em companhia de minha vovó, descrevendo zig-zags pela enconsta, procurando suavir, ao máximo, o dispêndio energético. Àquele tempo, a escalada constituía realmente FÉ. Hoje, o automóvel transformou, infelizmente, aquele recanto em mirante-turístico, deixando no patamar estacionamento de carros, os visitantes que, na maioria, nem procuram conhecer propriamente o Santuário, satisfazendo-se com algumas fotos do deslumbramento perpectival.

Olhando os diedros das alvenarias seculares, pretensiosas crescidas para o infinito, sentimos que a arte-píncaro, dentre as demais plásticas, a que faz música harmoniosa com a natureza, a que realmente dá ao homem a dimensão exata da prece, é a Arquitetura.

Arte das Artes que sulcou há vinte e seis séculos, na lendária Grécia, os fundamentos sagrados do cânone-estático: Base, Coluna e Entablamento.

Assistiu o mundo empóz a todas as revoluções arquitetônicas, desde a pobreza de originalidade da escola romana, ao pseudo-modemismo, passando pelo Renascimento, o fastígio indigesto dos Luizes e do Império Francês, sem que se detivesse agrilhoado a nenhuma delas, mas em todas, deixando bem patentes as eternas, originais e harmoniosas proporções firmadas na velha e sempre renascida Hélade.

Certo é que, inspirados na vaidade mórbida dos "profetas" das épocas várias, macularam a pureza das linhas tradutoras do Belo, mas, em passando a febre das criações e delírios decorrentes de inovações precipitadas, tão ao sabor dos que desejam injetar suas idéias, derrocando tudo quanto exista, sempre renasceu no apuro das escolas, a seiva augusta, cujas veias sulcam ainda, aqueles imperecíveis monumentos de Atenas.

Quanto a nós, no Brasil, tivemos uma herança de bens esparsos, inseguros no pertinente à Arquitetura.

Os árabes, estendendo suas conquistas até a península ibérica, nela introduziram, dentre outros valiosos ensinamentos, os relativos à construção racional e coadunante com o conforto e, principalmente, o clima.

Assimilados esses ensinamentos pelos lusos, eis que desses nos tornamos beneficiários, em boa parte.

Surgiram, de então, as primeiras habitações, construídas sob a influência néo-árabes, que se positivaram em solares e templos religiosos. Exemplos soberbos desse acerto, são as igrejas erigidas por toda a vastidão do País, salientando as da Bahia, tornada por isso, numa espécie de museu de arte sacra.

Contudo, dentre as obras que receberam dos nossos avoengas, os mais desvelados apuros de execução e gosto na concepção de linhas plásticas, cumpre destacar a do Convento da Penha, desta Cidade.

Em verdade, se ao Convento de S. Francisco da Bahia, cabe o primado ornado e da delicadeza decorativa, pelo rigorismo dos trabalhos de talha, ao Santuário da Penha, não se pode negar o arrojo da construção, nem muito menos a originalidade da concepção das linhas, verdadeiramente canônicas, no gênero.

O Convento de N.Sra. da Penha, é a imponente edificação religiosa existente no Brasil, afirmativa corroborada por quantos leigos e doutos a conhecem.

Observa-se que na construção do majestoso Santuário, sem que se fugisse às normas de austeridade necessária a sua finalidade, houve como uma inspiração nova, destoante da rotina formalística imperante na época.

Suas linhas de movimentada seqüência, parecem em simbiose com o ligeiro e fascinante ondulado da colina, aonde repousa a estupenda obra.

Espiral, cujo passo gerado no topo das rochosas curvas de níveis, parafusando admirável seqüência ótica, revelada numa constante jornada arquitetônica de pureza de linhas, esbatidas nas pinceladas da grande aquarela capixaba, — o conjunto do Convento, reveste-se de sábia plástica, plasmada à feição das latitudes projetivas de caprichoso modulado.

Arrematando somente no "finale", lixado pelo esmeril dá tenacidade Franciscana de Pedro Palácios, o artífice de inspirada missão Suprema. Pedro Palácios, que ouso arriscar, ter criado um módulo próprio de arquitetura sacra, concebida na plenitude de um giro de 360º, numa harmoniosa composição, legou à natureza capixaba, um Altar poliédrico, cujas fugas em pêndulos do infinito como feixe de cordas sonoras, vibradas na sinfonia plástica monolítica, monumento de projeção pautado nas musicadas alvenarias murais.

O Convento da Penha, pelas suas singulares características técnicas, constitui uma filosofia arquitetônica diferente das suas congêneres. Ele reúne beleza estética valorizada pelo cenário de horizontes oceânicos, ancorado na policrônica massa verde, como se tivesse tombado do canteiro de obras divino, sobre a bela colina.

À Vol d'oiseau, o Convento da Penha, flutua cambaleante na obliquidade de linhas noveletas, buscando desesperadamente formas, nas escarpas urdidas, pelos ociosos cactus, em retalhos mesclados de verde machetado e sombreado pela pátina pluvial.

Dir-se-ia, o Convento da Penha, arremate feliz daquela elevação feita a capricho pelo Arquiteto máximo.

Sente-se não haver solução de continuidade na harmonia constante que se observa na montanha, desde o sopé até aonde termina a maravilha, que é a construção em si.

Não há um só templo brasileiro que possua semelhante composição de massas arquitetônicas e, se me fosse permitido, diria ter o infatigável e abnegado Frei Pedro Palácios, o autor do primeiro ensaio da arquitetura funcional!...

O que temos de ressaltar contemplativamente, é o conjunto-maquete, de 400 anos, de massas plásticas do mais apurado sabor de composição arquitetônica.

O risco original, sente-se, brotara descolando-se pelas derradeiras aparas dos contra-fortes cravados nas curvas de níveis, merecendo aqui e ali, os recheios fundamentais, necessários à formação dos grandes patamares geometralmente surgidos da própria natureza, para servir de trono ao Santuário, sem se afastar um centímetro da mediúnica obra que estava sendo erguida sob a inspiração do Dedo divino. Pena que mãos profanas e o menoscabo de órgãos responsáveis, tenham permitido introduzir enxertos grosseiros, chocantes à pauta-musical da jóia engastada naquele cimo, Espírito Santo em maquete, visível em todas as latitudes.

Almanaque da espirituosidade, da maior composição arquitetônica que nos dá calafrios, quando observada na plenitude horizontina. Linhas caminhando em suáveis brisas para buscarem do Altíssimo a oração cotidiana.

A espontaneidade do traço, a escolha do ápice, é tudo tão harmônico naquele conjunto, ainda não se sabe o que mais se admire, que, repito, o piedoso franciscano merece ser apontado como o precursor da "linha-funcional" da arquitetura religiosa do Brasil.

A particularidade mais digna de registro especial, é que na beleza da composição exterior do conjunto, a ausência da ornamentação, dos anjinhos barrocos, do frontão rebuscado, dos curuchéus, cornijas e outros entulhos, não se fizeram presentes, o que pode gerar a grandiosa obra realmente de índole arquitetônica.

Eis quanto me ocorre dizer sobre o Convento da Penha, no ensejo dos seus 4 centenários.

Que o bosquejo visto em ângulo de bela apresentação, sirva de "ex-voto" a atestar o quanto lhe devo.

Nota dos editores:

Neste excelente estudo do Dr. Moacir fraga, figura Frei Pedro Palácios como iniciador da arrojada obra arquitetônica, podendo ser considerado pai do genial conjunto: Santuário-convento. Para evitar equívocos quanto à autoria das sucessivas obras de construção que se estenderam sobre vários séculos, lembramos que remontam ao tempo de Frei Palácios (+1570) tão somente a atual capela mor e a sacristia do Santuário.

 

Fonte: Antologia do Convento da Penha, ano 1974
Autor deste texto, pertencente ao CAP. IV: Moacir Fraga
Autor do livro: Frei Venâncio Willeke O. F. M.
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2015

Convento da Penha

Anchieta no Convento da Penha (1594)

Anchieta no Convento da Penha (1594)

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