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Viajantes Estrangeiros ao ES – Jean de Lèry

Capa do Livro: Viagem à Terra do Brasil

Dos mais antigos estrangeiros que aportaram à Capitania do Espírito Santo, embora de passagem, creio podermos registrar o clérigo francês reformado Jean de Lèry. A sua preciosa narrativa cujo título, muito extenso, assim foi resumido: VIAGEM à TERRA DO BRASIL, publicada em primeira edição no ano de 1578 e bastante divulgada, tornou-se documentário da maior importância, imprescindível aos estudiosos da nossa história do primeiro século.

Incorporado a uma comitiva de quatorze missionários que iriam auxiliar a Villegaignon na conquista da Guanabara, Jean de Lèry saiu da França a 20 de novembro de 1556. O GRANDE ROBERGE, no qual viajavam cento e vinte homens, pelas oito horas da manhã de 26 de fevereiro do ano seguinte, sob grande emoção de todos, se aproximava da costa espírito-santense. Era um lugar montanhoso, chamado pelos índios MARACAIAS, seus habitantes, de HUUASSÚ, nome que, na definição do tupinólogo Plínio Ayrosa, deve ser Y-UASSÚ ou Y-GUASÚ, rio grande, rio caudaloso.

No mesmo dia, o navio ancorou a meia légua daquele sítio. Dispararam-se alguns tiros nos canhões de bronze, para avisar aos índios, os quais logo se reuniram, em grande número, na praia.

O lugar que não foi identificado por nenhum dos marujos, mesmo aqueles que já haviam estado na costa brasileira, seria um aldeamento de tupiniquins, na embocadura do rio Santa Cruz, onde se encontrava o melhor pau-brasil da região segundo afirmaram uns dois ou três índios velhos, mais notáveis da tribo.

Apesar da inimizade dos MARACAIÁS aos franceses, o mestre do navio, João Humbert, experimentado piloto do porto de Honfleur, que conhecia um pouco o tupi, desceu no escaler com alguns marinheiros, indo ao encontro dos selvagens. Mas, temendo se tornarem prisioneiros, ficaram a boa distância, gritando e acenando os presentes de facas, espelhos, pentes e outros. Acabaram por se acercar dos índios, que mostravam intenção pacífica. Assim, foi possível conseguirem farinha de mandioca, carne de anta ou capivara e frutas, ali-mentos que, embora estranhos ao paladar, lhes pareceram muito saborosos.

Seis índios e uma índia, completamente nus, tatuados de preto, embarcaram no escaler e foram ao navio ver e cumprimentar os viajantes. Os índios "usavam o cabelo cortado na frente à maneira de coroa de frade e comprido atrás, aparado em torno do pescoço como entre nós as pessoas que usam cabeleira" — narra o cronista francês — E prossegue: "Todos tinham o lábio inferior furado ou fendido e cada qual trazia no beiço uma pedra verde polida, como que engastada, do tamanho de uma moeda e podia ser tirada ou colocada como bem entendiam". Referindo-se à índia, observou que ela não tinha o lábio perfurado e sim as orelhas, de tal modo que era possível atravessá-las com os dedos, nelas portando enfeites de osso que lhe caíam sobre os ombros.

Quando os sete aborígenes se fartaram de visitar o navio e resolveram regressar à praia, foram presenteados com camisas, facas, anzóis, espelhos e outras mercadorias. Imediatamente, se vestiram com as peças de roupas e, a fim de protegê-las, ao sentarem-se, no escaler, os índios as arregaçaram até ao umbigo. Comenta o cronista que "agiram como honestos cavalheiros e embaixadores corteses", contrariando o provérbio de que "a carne é mais cara do que a roupa".

No outro dia, um domingo, o navio levantava âncora e costeando o litoral, após nove ou dez léguas, passava em frente ao forte ESPIRITO SANTO, chamado pelos índios de MOAB e que mais tarde tomou os nomes de PIRATININGA ou SÃO FRANCISCO XAVIER DA BARRA.

É, ainda, o tupinólogo Plínio Ayrosa quem afirma ser e termo difícil de explicar, parecendo-lhe que poderá provir de MBOÃ = POÁR, prender, agarrar, etc. e, daí MOÁBA ou poába, lugar de prender, presídio, fortaleza, etc. E cita a explicação do termo encontrada por Varnhagen, o qual diz que "o bárbaro da terra começou a denominá-la MBOÁB, como designando o sítio habitado pelos EMBOABAS".

Conhecemos também uma outra tentativa de definição: os moradores da vila do Espírito Santo (Vila Velha) procuravam proteger as suas canelas dos mosquitos e usavam borzeguins que lhes subiam até os joelhos. Ganharam, por isso, o apelido de CANELAS-VERDES, termo que o índio poderia traduzir por MBOÁB.

Quando o GRANDE ROBERGE no qual viajava Jean de Lèry foi reconhecido pelo fortim ESPIRITO SANTO, este procurou alvejá-lo com três disparos de canhão, aos quais o navio respondeu da mesma maneira, passando ao largo.

"Costeando sempre a terra — prossegue o cronista — Passamos pelo lugar denominado TAPEMIRY, onde se encontram pequenas ilhas na entrada da terra firme e que me pareceram habitadas por selvagens aliados dos franceses".

É fácil caracterizar o equívoco de Lèry quanto às ilhotas dos OVOS e TAPUTERA, situadas na foz do rio Itapemirim: elas são tão pequenas que não poderiam ser habitadas pelos selvagens. 

 

Fonte: Viajantes Estrangeiros no Espírito Santo, 1971
Autor: Levy Rocha
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2016



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