De bonde com Grijó, anos 40 - Da Praia do Canto à Praia do Suá
Comecei a frequentar o arquipélago a partir do dia 16 de fevereiro de 1930, quando nasci. Meus pais, Alyde Grijó de Azevedo e Rufino Antônio de Azevedo Jr. O meu primeiro endereço foi rua Barão de Monjardim, 54. Depois, aos quatro anos de idade, fui morar na Praça Christóvão Jackes, na Praia de Santa Helena, e mais tarde na rua Dukla de Aguiar, onde nasceram meus irmãos José Cláudio e Regina. Com a entrada de meus irmãos Guilherme Frederico, Reginaldo, o Indó, e Fernando, no colégio, meu pai resolveu voltar para o centro de Vitória, onde passamos a morar, na Praça do Trabalho, hoje Manoel Silvino Monjardim. Isso por volta de 1938, Moramos ali até 1943, quando mudamos para a rua Henrique de Novais n.° 69, onde passei minha adolescência. Que tempo bom! Para começar a história do arquipélago, vou seguir o itinerário de uma 'Viagem" de bonde, saindo do final da rua Santa Leopoldina na época e hoje Antônio Aleixo, na Praia do Canto, e chegando em Santo Antônio. Nesse itinerário na década de 30, pouco existia para se contar. Era uma ilha que diziam medir 83.240 Km. Outros diziam ter entre 91 e 93 Km. Entanto, devido aos aterros que foram processados, já conta, em minha opinião, com mais de 180 Km. Aterros como Bento Ferreira, Esplanada Capixaba, Comdusa, Vila Rubim, Santo Antônio e Caieiras provam o que opino. Mas a Praia do Canto era um local para morar tranquilo, onde existiam poucas residências e era restrito praticamente a quem tinha condução própria e desejava tranquilidade. Além disso, a situação de poucos recursos levava aos que não tivessem condução própria a evitar de morar ali. Algumas famílias pioneiras da região das quais me lembro eram: Manoel Carneiro, Salvador Busatto, João Luiz Aguirre, Dr. Rebouças e Malizeki.
Seguindo viagem, o itinerário rumava pela rua José Teixeira até atingir a Praia do Barracão. Mas antes abandonarei o bonde e darei uma passagem pelo final da Praia do Canto, que não era atingido pela linha de bondes. Trata-se da área onde hoje está localizado o famoso "Triângulo das Bermudas". Este local era pobre. Ali viviam pescadores, sendo que o mais famoso ali era o velho Dondom, que com suas histórias sobre o mar fascinava a garotada, principalmente a que frequentava aquele pedaço de praia. As famílias mais conhecidas do local eram: partindo da mata do Iate, tínhamos a família de Carlos Schurodt (cidadão alemão que foi tido como espião na época da II Guerra, suspeição porém que não foi confirmada); Pedro Vivacqua, na subida da ladeira do Iate; Enrico Ruschi, Norberto Madeira da Silva, Homero Vivacqua, Lobo Leal, Pietrângelo De Biase e Von Schilgen. Notem que o número de pessoas que moravam naquela época era muito restrito, e o bairro, estritamente residencial. Praticamente só morava ali na área quem possuía condução própria, pois, depois de sete horas da noite em diante, era se virar nas canelas.
Continuarei andando até encontrar-me com o bonde, porém passarei pela dona Coleta, proprietária de um armazém, tipo "quebra-galho", onde vendiam secos e molhados, pães, bebidas etc. Ficando onde foi o bar do Walter e Antônio o muitos anos e hoje é Bar Miramar. Ao lado havia um açougue de propriedade do Sr. Moreno. Isso ficava na Desembargador Santos Neves, sendo esta área mais povoada, justamente em função da aproximação da linha de bondes. Suas famílias pioneiras foram: Rômulo Finamore, Edgard Oliveira, José Ayres, Álvaro Soares, Le Mote, Lamego, Ciro Medeiros, Durval Avidos, Nonato, Elias Saad e Pedro Daniel, que era proprietário de um pequeno empório em frente, era um ponto de parada dos bondes. A Praia do Canto nesta época contava com uma grande educadora e quase toda juventude que pretendia ter acesso às grandes escolas de Vitória fazia um pré-escolar com a famosa Dona Sofia Müller. Na praia em frente ao bar do Walter e Antônio (Miramar), existia um trampolim para saltos ao mar que atraía muitos jovens e adultos que não sabiam usá-lo, levando-os a sofrer grandes contusões e até sérias fraturas pelo corpo. Outra verdadeira loucura e que era disputadíssima era a pelada realizada sobre o calçamento de paralelepípedos em pleno sol de verão, entre 10 e 12 horas do dia. Para quem não conheceu, lá ia a turma e praticava a famosa pelada: Carlito Von Schilgen, Antônio Carlos Ayres, Aécio Bumachar, os irmãos Linhares, Cibel Calmon (Tubarão), Mazínho, Carlos Mariano Peixoto, Ivã Medeiros, Roberto Oliveira, General Guilherme Ayres, Rogério Medeiros e outros "menos votados", ia esquecendo-me do Dr. Norberto Madeira da Silva.
Andando mais adiante no Empório do Pedro Daniel, na rua José Teixeira, chegava-se à Praia do Barracão, que ficava situada nas proximidades do Ed. Paulo VI e Mayriland. Mas por que praia do Barracão? Este nome deveu-se ao fato de o prefeito Américo Monjardim ter mandado construir um enorme barracão para servir de abrigo aos banhistas que não tinham meios de fugir à canícula, pois no local não existia uma árvore sequer. Daí, à Praia do Barracão, que antes era conhecida como Praia Comprida. Ali era uma parada obrigatória para os bondes. Dentro desse barracão existiam acomodações e vendedores de guloseimas. Sua demolição deu-se por volta de 1955, por estar causando perigo à população. Nessa praia, próximo à subida da pedra da Western Telegrafic, havia a mais conhecida linha de telégrafo do mundo e que recebia e transmitia mensagens através de cabos submarinos, hoje substituídos pela fibra ótica, satélites e Internet. Ali existia um areal, que a temperatura ao sol entre 10 e 12 horas chegava fácil aos 45°C, onde verdadeiros "malucos" praticavam peladas de futebol. Aos sábados, domingos e feriados, quem não chegasse bem cedo à praia não pegava acomodação nas areias. Olhar a chegada de um bonde e um reboque atrelado, era coisa gozadíssima, pois ambos vinham jogando gente pelo "ladrão", sendo que até na cobertura do reboque a turma se espalhava, dando grande trabalho aos fiscais e condutores.
Ainda me lembro de seus nomes: os senhores Felix, que usava a placa n.° 1, e Barcellos, com a n.° 2, eram inspetores. O Sr. Felix vive até hoje e há até pouco tempo era gerente do Cine Paz (ranheta que só ele), O Sr. Barcellos, de fina educação e homem de poucas brincadeiras, era o pai dos doutores Wellington, Wilnigton e do conhecidíssimo Padre Ayrola, cônego da Cúria Diocesana de Vitória. Ainda tinha o Pizzani e o Tião, além de outro, apelido de "galo cego", devido ao fato de só ter um olho e quem os estudantes e a garotada que tomavam carona detestavam, estes eram Fiscais de Seções. No entanto, dois funcionários da CCBFE, que queria dizer Companhia Central Brasileira de Força Elétrica, que eram os condutores (hoje chamados de trocadores ou cobradores), Cabeção e Baianinho, chamavam a atenção devido ao bom humor que transmitiam aos passageiros durante suas cobranças. Ninguém dava "cano" neles, pois eram "gente fina". O "cano", principalmente por parte dos estudantes, era constante, pois ou saltavam na hora de serem cobrados ou passavam para os lugares onde ficavam os que já haviam sido cobrados e o fiscal já havia computado como passageiro pago. Aí, na hora da aferição, o que faltasse entrava em débito contra o cobrador. Mas estudante pouco ligava para o calote. Cada calote era mais um picolé a ser tomado na porta do colégio. Tempo bom.
Continuando o itinerário do bonde, a essa altura, já na metade da década de 40, rumando com destino ao centro de Vitória, após passar pela garagem de recolhimento dos bondes que ficava nas proximidades da Praça Cristóvão Jackes, chegava-se até à Praia de Santa Helena, onde morava um reduzido número de famílias, como: Nelson Goulart Monteiro, Gabeira, Castelo e Abudib. Era uma praia pequena mas ideal para crianças, pois era muito rasa e não oferecia perigo, além disso era tranquilíssima. Aliás, todas as praias (Canto, Comprida, Santa Helena e Suá), todas tinham pouca profundidade, principalmente na hora da maré baixa. Apenas a praia do Barracão (ex-Comprida) tinha maior profundidade. O fato delas serem praias rasas devia-se a um plano para que se aterrasse toda aquela área, impedindo que as águas do canal da passagem invadissem o canal de navegação. Para que isso fosse evitado o Governo do Estado contratou o engenheiro paisagístico Dr. Agache, que fez o enrocamento de pedras partindo da ponta da Praia do Homens até a Ilha do Bode, próximo à Ilha do Boi onde finalizava, Com isso as areias trazidas pela correnteza, proveniente do canal da Passagem, acumulavam-se e automaticamente iam provocando o assoreamento da área e ia acontecendo o aterro. Só que o processo era muito lento e apenas servia para evitar que as areias entrassem no canal de Vitória. Quando chegar a década de 50, comentarei sobre a recuperação da Enseada do Suá.
Depois da Praia de Santa Helena, o bonde atingia a Praia do Suá, que, a essa altura da década de 40, era uma simples colônia onde moravam os irmãos Varanda, os Christelos, a Família Reis, os Arruela Maio e mais outros que viviam da pesca. Além dessas famílias morava ali o Dr. Lucilo Borges Sant'Anna, um pioneiro que teve a coragem de implantar uma Casa de Saúde, que até hoje ainda existe. Mais tarde, a Colônia construiu o Hospital São Pedro, que tinha a finalidade do atendimento aos pescadores e seus familiares. Para falar da Praia do Suá, só após chegar na década de 60.
Fonte: A Ilha de Vitória que Conheci e com que Convivi, vol. 6 – Coleção José Costa PMV, 2001
Autor: Délio Grijó de Azevedo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2019
A Ilha das "Cobras", seus proprietários são os herdeiros do Sr. Alfredo Alcure, industrial de muito conceito em Vitória
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Ver ArtigoO bonde, a partir de 1950, começou a circular a Praça Costa Pereira
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Ver ArtigoJá no bonde novamente vou atingindo as minhas queridas ruas Barão de Monjardim, Henrique de Novais e Av. Capixaba
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