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Introdução do livro de Norbertino Bahiense – O Convento da Penha

Capa do livro: O Convento da Penha, de Norbertino Bahiense

Não sou dos que aceitam, irrestritamente, os escritos históricos.

A tendência humana para deturpar os fatos é muito forte. Observamos, a todo momento, como facilmente torcem a verdade, até mesmo nos acontecimentos diários, ao sabor do exagero, do romance e da ficção.

Na seqüência das horas do mesmo dia, fatos registrados pela manhã, em dado lugar, momentos depois, são revelados de modo completamente diverso, geralmente, desviados da verdade.

Se, então, nos infiltrarmos pelos séculos a dentro e procurarmos a realidade, ela irá fugindo, perdendo-se ou transfigurando-se, ao lado de cada ano, diante de cada mês, em frente a cada hora, a cada minuto, a cada instante.

Façamos um mergulho no tempo e procuremos uma figura. — CÉSAR, por exemplo. Sobre ele vejamos dois pronunciamentos: — Tito Lívio considerou-o herói, um grande gênio. Tácito fulminou-o com a sentença terrível: "Marido de todas as mulheres, e mulher de todos os maridos".

Novo mergulho no tempo, e surjamos em Portugal.

Procuremos um dos seus homens de projeção histórica.

— POMBAL, e logo veremos, de um lado, os que batem palmas ao grande ministro de D. José I, o restaurador de Portugal, o que reconstruiu Lisboa, de uma noite para o dia, após violentíssimo terremoto; mas, do lado oposto, aparecem-nos outros, de riste em punho, clamando contra sua tirania, vivando e aplaudindo os que o enxotaram e apedrejaram, fazendo-o fugir para não morrer.

Rebusquemos os nossos livros, e abramos uma estante brasileira.

Tiremos um livro, e o escritor defende os Andradas, ardorosamente. Vejamos outro livro — e o outro escritor ou historiador fulmina-os.

Alinhemos D. João VI, Pedro I, Pedro II, Floriano, Diogo Feijó, Prudente de Morais, Rui Barbosa e outros mais — os prós e contras chocam-se em todos os pontos.

Avancemos poucos anos mais, e aguardemos o que se não dirá do Sr. Getúlio Vargas.

Nem sei mesmo o que, a respeito dele, sobrará para os nossos netos... E assim vai-se deturpando o que se diz, diz-se o que não se fez, exagera-se o que aconteceu, contradiz-se o que houve, para depois, nós outros, pobres mortais deste século vinte, recolhermos as sobras dessas miscelâneas que, afinal, são as parcelas ou as migalhas que restam para a História.

Por isso mesmo, não acredito muito nela e vou fazendo razoáveis descontos, às vezes, em percentagens bem elevadas.

Todavia, apesar dessa convicção de não ser fácil recolher a verdade, no registro dos acontecimentos, principalmente daqueles a que, pelo relevo ou pelo decorrer do tempo, chamamos históricos, sempre tive muita vontade de mexer e remexer os arcanos das idades onde pudesse algo saber, pesquisar, estudar e aprender, principalmente, em torno do lendário Convento da Penha, deste secular guarda do Porto de Vitória, a formosa Capital do Estado do Espírito Santo.

Os autores aos quais recorri, por sua vez, se contradizem ou citam contradições de outros, e a gente fica, não raramente, atrapalhado, sem saber onde está o certo.

Para a realização deste modesto trabalho, além das verificações que, inúmeras vezes, efetuei "in-loco", apreciei lendas populares e anotei preciosos informes que, atenciosamente, me foram, dados pelos espírito-santenses ilustres, que são o Dr. Mário Aristides Freire, Professora Maria Stela de Novais, Dr. Olinto Aguirre e outros.

Não pretendo desenvolver o tema sob ponto de vista estritamente religioso. Os fatos surgirão das fontes consultadas, apresentando-se sem nuances privilegiadas e nem revestidos de quaisquer tintas preparadas sob prismas dogmáticos.

Não separei autores para consultar, nem os dividirei para citar.

Falarão os historiadores, religiosos ou profanos, sob a farda de um Gomes Neto até o hábito e o cordão de um Frei Basílio Rower, a respeitabilidade de César Marques ou a sociologia inconfundível de Gilberto Freire.

Uma cousa, porém, é certa — a gigantesca e impressionante obra que é o Convento da Penha e a magnitude da história de sua santa. Sob o ponto de vista sociológico, o Brasil não podia fugir às influências portuguesas no culto aos santos que sempre estiveram como mediadores entre Deus e os homens.

Gilberto Freire que em 1933 apresentou um palpitante ensaio sobre isso, cita o pesquisador Rodney Gallop autor de "Portugal, a Book of Folkways" onde o consagrado escritor inglês faz interessante estudo a respeito de tais influências, desde o culto à Terra-Mãe, nos dias pagãos da Península Ibérica, até às pedras, rochedos e imagens representativas dos santos...

"Daí as muitas Nossas Senhoras da Rocha, da Penha, do Penedo, da Serra, da Lapa", — afirma o festejado sociólogo brasileiro.

Se em Portugal tanta relevância se verifica no culto à Nossa Senhora da Saudade, da Penha Longa, do Socorro, do Castelo e até à "Senhora do Sol", no Minho onde a própria imagem é rudemente formada em uma pedra, — explica-se que, também, no Brasil viessem as tradições portuguesas influir na localização de diversas Nossas Senhoras, nos altos das pedras e penhascos.

O que coube à Nossa Senhora da Penha, em Vitória, supera a todos os penhascos brasileiros. Nenhum se lhe iguala na posição, na grandiosidade, na beleza, no deslumbramento.

 

Fonte: O Convento da Penha, um templo histórico, tradicional e famoso 1534 a 1951
Autor: Norbertino Bahiense
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2017

Convento da Penha

Esta nossa ilha do alto

Esta nossa ilha do alto

O artigo assinado por J.C. foi publicado em março de 1953 em Vida Capichaba. A narrativa e a foto é de Guilherme Santos Neves

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