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Pegando o bonde – Por Luiz Buaiz com texto de Sandra Medeiros

O bonde já passou em frente ao Saldanha da Gama, no Forte São João. Dos seus bancos era possível ver o mar

Não existe uma única pessoa que não lamente o fim do bonde em Vitória. Luiz Buaiz então, nem se fala. Ele não conseguiria enumerar as vezes que andou de bonde, mas não esquece como era bom: “A gente ficava olhando as mulheres subindo no bonde, pra ver o tornozelo e as pernas dela, entendeu? Era gostoso. Tinha o motorneiro e o condutor. O condutor era o cobrador. Os agentes de trânsito eram conhecidos da gente. Ali na Costa Pereira tinha um quiosque de onde uma pessoa ficava comandando. Não tinha congestionamento, a gente ficava andando de bicicleta. Havia bonde pra Jucutuquara, pra Praia do Canto, pra Santo Antônio... O bonde circular, que passava pela Cidade Alta... Ali atrás do Glória se pegava um bote ou lancha, pra atravessar pra Paul. Lá se pegava o bonde pra Vila Velha, passando por Aribiri. O bonde só circulava até 10 horas. Eu tive uma namorada lá, em Vila Velha, e tinha que prestar atenção na hora”.

O bonde, como o ônibus hoje, era um bom lugar para fazer propaganda. Com a diferença de que os reclames ficavam dentro do bonde e as propagandas de hoje são externas, coladas na carroceria do ônibus. Um dos reclames – provavelmente o mais famoso de todos – foi decorado por Luiz Buaiz: “Eu me lembro das propagandas. Tinha uma que era assim: Veja o belo tipo faceiro/ que o senhor tem ao seu lado/ acredite/ quase morreu de bronquite/ salvou-o o Rhum Creosotado. Estava lá, escrito no bondinho, e você gravava aquilo”.

Ele continua a narrativa: “Havia umas coisas interessantes. Às vezes o pessoal sacaneava o condutor, puxava o fio, ele ia lá pra cobrar e o sujeito dizia: ‘Eu quero é meu troco!’. E não tinha nem dado dinheiro pra pagar. Então pulava, fugia e não pagava. Mas eram coisas interessantes”.

Havia travessuras maiores. Embora gostasse do barulho do bonde deslizando nos trilhos, Antônio, filho de Jorge Abikair, um dos grandes amigos de Luiz Buaiz, conta que participava de uma quase rotina dos garotos que moravam na Rua 7: colocar uma pedra escondida no dormente, alta o suficiente para forçar a freagem. O bonde subia e, quando descia, era certo, a pedra travava as rodas de ferro. O condutor descia para resolver o problema, apoiado por um vizinho da criançada, Nenen Grijó, que aparecia gritando a frase de costume: “Cocota! Vou falar com seu pai! Ele vai saber disso!”

O bonde mudou ao longo dos anos, fez a cidade mudar e finalmente acabou, forçado pelas transformações mais profundas na capital. Acompanhou a mudança do Clube Álvares Cabral, da primeira sede para a segunda, na Praça Costa Pereira, e quase presenciou a transferência para a sede nova, na Beira-Mar. Onde hoje está o Clube Álvares Cabral não havia nada. O próprio bairro Bento Ferreira surgiu depois de um grande aterro que fez o mar recuar e acabou com a Praia dos Homens, uma praia mais funda, mais perigosa, onde até navio já encalhou, como se vê no acervo de Nilton Pimenta, fotógrafo importante, que registrou grandes transformações da capital. Pimenta trabalhou na companhia responsável pelos bondes, em Vitória e em Cachoeiro, e fotografou todos eles: o 51, fabricado em Vitória; o 41, com estribo duplo; o 43, que circulava em Vila Velha; o 44, de Santo Antônio; o 45, da linha de Jucutuquara; o 49, da Praia do Canto...

O bonde que ia para a Zona Norte, região das praias, passava pela Avenida Vitória, que em toda a sua extensão, tinha postes no centro. Esses postes é que eletrificavam os bondes. Luiz Buaiz, que ia muito à praia, lembra que do Centro da cidade até a Pro-matre era só areia. Ele ia para a Praia do Canto de bonde e ficava mais ou menos em frente ao trampolim. Lá, “um português alugava casinhas para trocar roupa.”

O bonde já passou em frente ao Saldanha da Gama, no Forte São João. Dos seus bancos era possível ver o mar. Abaixo do Saldanha, com o aterro, surgiria a Avenida Beira-Mar. Paralela à antiga Avenida Capechaba (depois Capichaba, hoje Capixaba), foi feita em duas etapas: a primeira da Capixaba até o Saldanha, a segunda do Saldanha até a Praia do Suá. Era o tempo dos Austins circulando pela cidade, levando as famílias a passeio até o quebra-mar, que desapareceu com a conclusão da avenida.

Para ir estudar no Colégio Estadual, e no Salesiano, a condução era o bonde. Às vezes aconteciam atrasos. Luiz Buaiz dava aula no Estadual e se lembra disso. Seu amigo Arabelo do Rosário, o inspetor da época, não podia permitir a entrada dos retardatários depois que o colégio fechava os portões. Alguns não desistiam: vindo de longe, já com atraso, haviam descido da lancha no Cais do Imperador, em frente ao Palácio Anchieta, corrido para pegar o bonde e não queriam perder a aula. Pulavam o muro. Arabelo cumpria o seu dever. Estrategicamente instalado embaixo da escada por onde os garotos desciam, ao pular o muro, marcava com giz a sola do sapato de cada um. Depois, surgia em frente aos culpados e declarava: “O senhor chegou atrasado!” Um a um, todos respondiam que não. Arabelo então pedia: “Deixa eu ver seu sapato! Levanta o pé.” Pronto: o flagrante estava lavrado. Hoje ele acha a contravenção pequena, motivada por um interesse maior, não perder a aula, mas também não a justifica: disciplina é disciplina.

Os estudantes do Colégio Salesiano, como o médico Ricardo Andião, amigo de Luiz Buaiz, lembram como foi feito o aterro: uma draga retirava areia do fundo do mar e jogava nos fundos do Salesiano. “A areia vinha sempre com siris, os padres salesianos se assustavam, os meninos se divertiam com isso. O monte de areia crescia, a draga mudava de lugar”.

Os alunos do São Vicente de Paulo e do Carmo tinham bonde na porta. Os da Obra Social São José e do Alberto de Almeida, em Santo Antônio, também. Os da Escola Maria Ericina Santos, no Parque Moscoso, e os do Grupo Escolar Padre Anchieta, em Jucutuquara, da mesma forma. Os estudantes do Grupo Escolar Irmã Maria Horta, na Praia do Canto, também eram atendidos pela mesma condução. O itinerário do bonde da Praia do Canto era: Centro, Forte São João, Avenida Vitória. Depois cruzava a César Hilal, a Neves Armond, pegava a Leitão da Silva, passava em frente ao Hospital São Sebastião, entrava na Ferreira Coelho, pegava a César Hilal, a Desembargador Santos Neves, a José Teixeira e daí seguia, Morro do Cruzeiro à direita, para alcançar a Aleixo Neto e chegar ao ponto final, no Irmã Maria Horta.

O bonde também levava os trabalhadores das fábricas, armazéns, lojas. Transportava quem ia às missas e cultos, e quem queria apenas passear. Era indispensável como os ônibus de hoje. O primeiro a chegar a Vitória era puxado por burros. Depois veio o modelo a vapor. O elétrico durou mais tempo e está na memória de muitos capixabas, como Luiz Buaiz, que lamenta: “Vitória mudou, acabou o bondinho, taí o trânsito que ninguém resolve”.

 

PRODUÇÃO

 

Texto e Edição:Copyright by © Luiz Buaiz – 2012 

 

Coordenação do Projeto: Angela Buaiz

 

Captação de Recursos: ABZ Projetos

 

Texto e Edição: Sandra Medeiros

 

Colaboraram nas entrevistas:

Leonardo Quarto

Angela Buaiz

Ruth Vieira Gabriel

 

Revisão: Herbert Farias

 

Projeto e Edição Gráfica: Sandra Medeiros

 

Editoração Eletrônica: Rafael Teixeira e Sandra Medeiros

 

Digitalização: Shan Med

 

Tratamento de Imagens: TrioStudio; Shan Med

 

 
Fonte: Luiz Buaiz, biografia de um homem incomum – Vitória, ES – 2012.
Autora: Sandra Medeiros
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2020

Bonde

Bondes - A viagem de Vila Velha a Vitória

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