Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce - Levy Rocha
Quando Carlos Madeira foi premiado num concurso literário, em Vitória, com a sua tradução de Saint-Hilaire: "Segunda Viagem ao Interior do Brasil — Espírito Santo" (vol. 72 da Edição Brasiliana), lancei um impetuoso protesto de jovem, achando que prêmio de tal natureza só faria jus a magistrais trabalhos como o de Porto Carrero ou o de Eça de Queirós, com "Cirano de Bergerac" e "As Minas de Salomão".
Na verdade, a tradução muito deixava a desejar, mas fazia-se merecedora dos sóbrios comentários do prefaciador, Max Fleiuss, dos "francos aplausos" ou "impondo-se ao reconhecimento dos estudiosos de nossa terra". Todavia, suscitava aos mesmos estudiosos muitas dúvidas.
Decorridos 37 anos, no curso dos quais o volume se tornou um dos mais raros da Coleção Brasiliana, surge, agora, o mesmo texto do sábio-viajante gaulês vertido para o vernáculo por Milton Amado, co-edição da Universidade de São Paulo e Livraria Itatiaia Editora Ltda., de Belo Horizonte, com a epígrafe: "Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce".
Embora a duplicidade dos títulos, trata-se do mesmo texto, contido nos capítulos VII a XV (2.0 volume), do original francês: "Voyage dans le district des diamans et sur le littoral du Brèsil", de Auguste de Saint-Hilaire, lançado em Paris, em 1833.
Em boa apresentação, ficha catalográfica, sumário, índice onomástico e toponímico, a nova tradução apresenta, porém, grave falha: omitiu o nome de Carlos Madeira, silenciou completamente sobre o seu trabalho. E repetiu os seus mesmos erros ou incorreções, desnorteando ainda mais os pesquisadores de história.
Na narrativa de Saint-Hilaire alusiva à sua visita ao Itapemirim, com palavras quase as mesmas, salvo na atualização da ortografia, os dois tradutores assim verteram esse trecho: "No tempo de minha viagem, o melhor açúcar branco vendia-se em Cachoeiro de Itapemirim por 2 mil réis a arroba."
Ora, Saint-Hilaire visitou aquelas paragens em agosto de 1818, época em que no lugar mencionado pelos dois tradutores, isto é, a seis léguas distantes da vila, no 1º cachoeiro do rio, existia tão somente o Quartel da Barca, levantado pelo Governador Francisco Alberto Rubim em homenagem a Luiz Araujo, Conde da Barca, um honroso servidor do governo de D. João VI. Era o Quartel guarnecido com um inferior e 30 soldados do Corpo de Pedestres. Em suas imediações, só havia uma grande derribada para o cultivo de mandioca. Segundo um ofício da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, a primeira casa ali construída, foi no ano de 1846... Essa confusão levou-nos ao texto original do sábio francês que assim escreveu, à pág. 205: "... Lors de mon voyage, le plus beau sucre blanc se vendait à Itapémirim 2.000 reis ('arrobe." E, prossegue: "Quatre ou cinq embarcations suffisent pour trans-porter tous les produits que le district d'Itapémirim envoie à la capitale." Trecho que os dois tradutores, com as ligeiríssimas discrepâncias citadas, assim verteram: "Quatro ou cinco embarcações eram suficientes para transportar todo o produto que Cachoeiro de Itapemirim destinava à Capital." Mas, Cachoeiro não existia em 1818; não podia exportar açúcar para o Rio ... Quem exportava, e isso parece muito claro no texto de Saint-Hilaire, era "le district d'Itapémirim", ou melhor, a vila de N. S. do Amparo de Itapemirim, cujo distrito, então recém-criado, tinha uma população de 1.900 habitantes.
O sábio-viajante contou nove engenhos de açúcar naqueles arredores. Eram os mesmos citados pelo Governador Rubim em sua breve estatística de 1817: as grandes fazendas, com 9 engenhos reais (oito, de fato): Arêa, Cardoso, Cutia, Boa-Vista, Barra-Seca, Passo-Grande, Paineira e S. Gregório da Ribeira e uma engenhoca, coberta de sapé, cujo nome não mereceu registro.
Prosseguindo a narrativa do sábio viajante, declara ele que as embarcações podiam subir o Itapemirim "por espaço de mais ou menos oito léguas, mas, daí em diante, são detidas por quedas de água ou por cascatas". (Milton Amado). Essas quedas d'água e cascatas que sabemos não existirem no rio e que o sábio excursionista escreveu: "... soit par des chutes d'eau, soit par des rapides", nós interpretamos como: "seja por encachoeirados, seja por corredeiras".
Para não avançar mais, respeitando as memórias dos dois tradutores, falecidos, lembramos que Carlos Madeira não foi um tradutor juramentado nem passou além desse 1º exercício que línguas ferinas da província andaram espalhando, a boca pequena, ser um trabalho da sua professora de francês. Milton Amado, porém, "homem indicado para a presente tradução", conforme afirmativa do Prof. Mário Guimarães Ferri, seu prefaciador, "traduziu até agora mais de 50 obras": Dickens, Cervantes, Allan Poe e muitos outros. Como justificar a falha que apontamos?
Fonte: De Vasco Coutinho aos Contemporâneos
Autor: Levy Rocha,1977
Compilação: Walter de Aguiar Filho, nobembro/2015
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