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A Igreja do Rosário – Por Adelpho Monjardim

Andor que carrega o mastro com a imagem de São Benedito, Igreja do Rosário/Vitória - ES

Edificada no Século XVIII, a Igreja do Rosário não nos legou qualquer fato importante ligado à História, a não ser a tradicional rivalidade entre Caramurus e Peroás.

A festa de São Benedito, padroeiro das pessoas de cor, havia difundido grande devoção no povo capixaba. São Benedito era venerado no Altar-Mor da Capela da Ordem Terceira de São Francisco, no Convento de São Francisco. Frei Manuel de Santa Úrsula era o seu guardião. Filho do proprietário da Fazenda de Santo Antônio, era ele homem temperamental, prepotente e gostava de ser obedecido. No dia da festa do santo, 28 de dezembro de 1832, amanheceu chovendo, razão pela qual determinara não sair a procissão. A Mesa da Confraria resolvera o contrário, pois para o miraculoso Santo não havia intempérie. Discutiram e se exaltaram. Irredutível o Guardião não cedeu e ordenou aos escravos do Convento que atirassem pela janela os castiçais, opas e tochas da Irmandade, enquanto trancava a santa imagem na sua cela; posto que se retirou para a fazenda paterna.

Passaram-se os tempos e Santa Úrsula foi substituída por Frei Antônio de São Joaquim. Este mandou recolocar a imagem no seu nicho. Acontece que num domingo de setembro de 1833 os indivíduos: Domingos do Rosário, Antônio da Mota, africano forro e o crioulo Elias Coelho, adrede instruídos, pela madrugada, entraram no Convento e roubaram a santa imagem, levando-a para a Igreja do Rosário, onde, em regozijo, repicaram sinos e espocaram foguetes.

Assim nasceu a dualidade das Confrarias de São Benedito. Uma legitimista, com sede no Convento de São Francisco e outra “protestante”, acolhida no Rosário. “Duas facções desavieram-se de modo formal. Do bate-boca acalorado e do recado atrevido passaram às vias de fato inúmeras vezes. O povo dividiu-se e do campo religioso passou ao político, como não poderia deixar de acontecer. Os dissidentes apelidaram os conformados de «Caramurus», nome dado a uma casta de peixes não muito estimada. Em revide receberam os «protestantes» o nome de “Peroás”, peixes também de pior cotação nas bancas dos pescadores. A discussão durou quase um século. Em Vitória não houve neutros. Os conservadores apoiaram os “Caramurus” e os Liberais se filiaram aos “Peroás”, da Igreja do Rosário”.

Da Igreja do Rosário conserva a Cidade, em seu anedotário, jocosa história de um de seus zeladores, o fabuloso Cassiano. Cultor de Baco, recebera da garotada a alcunha de “Garapa”. Era, na época, homem de seus cinqüenta e tantos anos. Meão de altura, branco, reforçado, barba inculta e relaxado no vestir. Sapatos acalcanhados, calças largas, sobrando sobre o calçado, pernas arqueadas, representava a contento o tipo clássico popular. Irascível, ai de quem o chamasse pela alcunha. Pobres mães!

Devoto a seu modo, contrito acompanhava as procissões, postando-se junto ao andor para mais de perto receber os eflúvios da santidade. Ali, respeitoso, refreava a incontinência verbal, os belicosos impulsos. Prevalecendo-se desse estado d'alma, a garotada o seguia de perto, azucrinando-o de modo indireto. Embora provocado ele não podia estrilar. Sabemos que a mistura de mel com água produz a garapa. Assim os pelintras martelavam os ouvidos do devoto Cassiano: Mel com água! Mel com água! Rangendo os dentes, raivoso, olhos coruscantes, ele murmurava: — Mistura! Mistura! Desgraçado!

Religiosamente, aos sábados, o devoto Cassiano vestia a opa. Munindo-se de uma matraca e uma sacola, descia a longa escadaria do Rosário. Ia esmolar para a Santa, quando, piedoso, percorria a cidade. Ao anoitecer retornava à igreja. Cansado, ofegante, galgava uma centena de degraus com estoicismo apostolar. Despido da opa, guardando a matraca, ajoelhava-se diante do altar, dirigindo à Santa o seu olhar mais súplice. Em cada pupila resplandecia uma benção. Persignando-se, como quem espalha algo pelo rosto, balbuciando palavras ininteligíveis, derramava o conteúdo da sacola sobre o altar; moedas de cobre, na maior parte. Começava, então, a dividi-las do seguinte modo: duas pra mim, uma para vós. Feitos aos montes, separados os quinhões, olhando a Santa, com velhaco olhar, exclamava: - Para que Santa quer dinheiro? Raspando os dois quinhões para dentro da sacola, sem pejo e sem remorso, virando-lhe as costas, firme e teso saía em paz com a consciência. No mais era bom devoto e cristão. Entretanto, na sua filosofia  simplista residia grande verdade – para que santo quer dinheiro?

 

Fonte: O Espírito Santo na História, na Lenda e no Folclore, 1983
Autor: Adelpho Poli Monjardim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2016



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