A Leopoldina em Cachoeiro de Itapemirim - Por Gabriel Bittencourt
A despeito do empreendimento pioneiro de Mauá, em 1854, a estrada de ferro no Brasil só ganhara importância no país a partir da expansão do café, na década de 1870. A estrada de ferro, na realidade, acompanhou mesmo o roteiro do café. As mais importantes ferrovias paulistas, por exemplo, só foram construídas a partir dessa época e algumas centenas de quilômetros de trilhos só são construídos já no final do século.
Obra de brasileiros, com algumas exceções, os trilhos eram levados para o interior, sem obediência à técnica da construção de ferrovias ou traçados adequados. Este foi o caso da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, o atual ramal capixaba da Leopoldina, cujo roteiro, iniciado no final do século, procurava atender aos interesses dos cafeicultores, serpenteando pelas montanhas, prolongando exaustivamente a viagem e, por isso mesmo, suscitando, ainda hoje, criticas à engenharia ferroviária que optou por um trajeto que terminou por ficar logo obsoleto, quando sobrevieram as crises e decadências do café regional.
Nem sempre, porém, foi esta a tendência da política ferroviária local. A 5 de julho de 1880, por exemplo, quando o Governo deferiu requerimento para construção de uma via férrea entre Vitória e Cachoeiro de Itapemirim, o objetivo era, também, atingir os limites de Minas Gerais, seguindo pelos municípios litorâneos considerados alguns "já densamente povoados" como Viana, Guarapari, Benevente (Anchieta), Itapemirim, interiorizando-se por Cachoeiro de Itapemirim. Diretamente, portanto, só poderia contar com os recursos do café de Cachoeiro, embora esse traçado pudesse se beneficiar da cafeicultura da hinterlândia dos municípios litorâneos, conectando-se a estradas, caminhos vicinais e, até mesmo, canal de navegação (Canal do Pinto em Itapemirim).
Nessa mesma época, 1878, o capitão Henrique Deslandes, concessionário da navegação a vapor do Itapemirim, obteve das câmaras das vilas de Itapemirim e Cachoeiro autorização para exploração ferroviária do Itapemirim ao Alegre (em direção às cercanias de Minas Gerais). Nenhum dos empreendimentos será levado a cabo. Mas o último não passará despercebido ao visconde de Matosinhos, presidente da Companhia de Navegação Espírito Santo e Caravelas, que adquire a concessão do capitão Deslandes e organiza a Estrada de Ferro Caravelas (Cachoeiro ao Alegre e Castelo).
Quanto à estrada de ferro para o Sul da província, que recebera concessão de exploração do serviço de Vitória ao rio Pardo, por Cachoeiro de Itapemirim, passou, mais tarde, à Companhia de Viação Férrea Sapucaí. Depois de muitas prorrogações e inovações, teve iniciados seus primeiros trabalhos em 1891. Entrementes, faltava estrutura financeira à Companhia, incorporada ao Governo estadual sob a denominação de Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, quando, por pressão política, perpetrou-se o traçado pela região montanhosa produtora de café.
Em fins de 1894 estava locada toda a linha, cujo roteiro, que partia de Vila Velha (Argolas), seguia por Viana, Araguaia, Matilde, Vargem Alta, Soturno, até Cachoeiro de Itapemirim. A partir dos primeiros 20 km a estrada teria que vencer grandes desafios causados pela ingremicidade do terreno, chegando a atingir 632 m de altitude. Em 1895 inaugurou-se o trecho inicial — Vitória/Viana, mas, ao apagar das luzes do século XIX, seus trilhos ainda não ultrapassavam a estação de Germânia (Domingos Martins), tendo ainda o Governo caído nas malhas das finanças internacionais, contraindo empréstimo da ordem de mais de 16 milhões de francos franceses (que o empreendimento ferroviário e o serviço da dívida imobilizaram completamente).
Nesse ínterim, em 1898, ficou autorizada a funcionar no Brasil a Leopoldina Railway, companhia organizada em Londres no ano anterior e constituída após a liquidação forçada da Companhia Estrada de Ferro Leopoldina, cujos trilhos já haviam chegado ao Espírito Santo. Assumindo-lhe os compromissos e obrigações, ajustou com o Governo do Espírito Santo, em 1906, a compra da Estrada de Ferro Sul (cujos trilhos já atingiam a Estação de Matilde — 81 km) e seu prolongamento até Cachoeiro de Itapemirim (com vistas à ligação férrea ao Rio de Janeiro e Minas Gerais).
No sentido oposto, em 1894, com a denominação de "Ramal de Santo Eduardo a Cachoeiro de Itapemirim", os trilhos da Leopoldina já haviam chegado à estação de Itabapoana, em 1895, à de Dona América e, no ano seguinte, à de Mimoso do Sul; até que, em 1903, construiu-se a de Cachoeiro de Itapemirim (depois de Muqui).
Todas essas estações, via de regra, seguiam estilo arquitetônico próprio, de tijolinhos à mostra e cor ocre, que caracterizava o padrão britânico pós-Revolução Industrial. E a estação de Cachoeiro não fugira a regra. Foi inaugurada a 25 de julho de 1903, às 15 hs, quando ali chegou o trem inaugural, conduzindo o ministro da Viação, Lauro Müller, comitiva e jornalistas. A estação de Cachoeiro tomou a denominação de "Moniz Freire" (presidente do Estado, também presente à solenidade). O jornal O Cachoeiro descreve, com detalhes, este notável acontecimento. A estação, até hoje, conserva no prédio principal, suas linhas arquitetônicas originais e formidável escadaria de época em ferro batido.
A ligação Vitória-Cachoeiro, através da antiga Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, só se tornou possível depois da construção, pela Leopoldina Railway, da ponte de ferro sobre o rio Itapemirim. Inaugurada em 27 de junho de 1910, é uma forte construção de superestrutura metálica, inteiramente importada do exterior, por onde começaram a trafegar os comboios entre o Rio de Janeiro e Vitória e, até mesmo de Minas Gerais (depois que a Leopoldina incorporou a antiga Estrada de Ferro Caravelas). A solenidade foi presidida por Nilo Peçanha, presidente da República, que cortou as fitas das cores Brasil e Inglaterra para passagem da locomotiva.
A ponte tem 126 metros de vão sobre o rio e está assentada em pilares de cantaria. Ao lado da antiga Estação Moniz Freire, representa parte expressiva do patrimônio histórico estadual. Urge, portanto, se acione meios para que se preservem esses monumentos da memória local.
A importância da Leopoldina no Sul espírito-santense é fato incontestável, tendo a ferrovia contribuído sensivelmente para o crescimento material e, porque não dizer, social e cultural da região. Desde algum tempo, no entanto, passou a funcionar em caráter precário, tendo sido suspendido o serviço de transporte de passageiros entre Cachoeiro de Itapemirim e o Rio de Janeiro. Por outro lado, ao longo desses anos, a cidade cresceu bastante, estrangulando a ponte e a estação, tornando os trilhos da velha Leopoldina, no centro urbano, verdadeiro estorvo à população, tratando a administração pública de sua supressão. É necessário, porém, que estas medidas administrativas não atinjam esses importantes marcos da memória ferroviária do Espírito Santo, para que nosso patrimônio histórico, já tão vilipendado, não venha sofrer novas mutilações.
A Tribuna - Vitória (ES) 27 de outubro de 1987.
Fonte: Notícias do Espírito Santo, Livraria Editora Catedra, Rio de Janeiro - 1989
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2020
É difícil reconstituir os primeiros passos da cafeicultura no Espírito Santo
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