Agricultura: Base Econômica Capixaba - Por Gabriel Bittencourt
O objetivo deste nosso trabalho é um estudo sobre a agricultura do Espírito Santo, posto que esta se encontra intimamente ligada à formação histórica da região.
Nem sempre, entretanto, este setor econômico atendeu satisfatoriamente às necessidades econômicas locais, notadamente na fase colonial e inícios da imperial, épocas em que, por diversas vezes, o Espírito Santo apresentou-se como uma região inviável. Isso se explica, em grande parte, pela ausência de uma integração econômica brasileira, funcionando as regiões nacionais como "ilhas econômicas" voltadas para o mercado exterior e recebendo deste os estímulos, de acordo com suas necessidades.
Logo, a política mercantilista europeia relegou o Espírito Santo a um plano secundário no próprio cenário colonial brasileiro até que as novas modificações mundiais, a partir do século XVIII, atingiram a periferia capixaba, dinamizando sua economia agrícola.
1. A agricultura colonial e a predominância do açúcar.
Quando, em 1535, o primeiro donatário, Vasco Fernandes Coutinho, chegou ao Espírito Santo, Portugal ainda orientava seus esforços para a exploração do comércio asiático, relegando sua possessão americana, o Brasil, a um plano secundário. Entretanto, a partir do meado deste mesmo século a colônia americana de Portugal começou a ganhar importância. As condições de clima e solo e algumas de suas regiões litorâneas apresentavam condições extremamente favoráveis para o cultivo da cana-de-açúcar, produto de grande importância no comércio internacional e em cuja produção, Portugal, através de suas ilhas atlânticas, já desempenhava papel de relevo.
Logo, ante a ausência de sucesso com as primeiras tentativas de descobrimento de minas de pedras e metais preciosos, a grande obcessão dos desbravadores, os pioneiros concentraram-se na plantação de cana e construção de engenhos que lhes garantissem a perspectiva de entrada na economia de exportação, único meio de viabilidade econômica do Espírito Santo no período.
Dez anos após a chegada de Coutinho, a capitania já possuía 7 engenhos, com perspectiva de produção de, aproximadamente, mil arrobas de açúcar, exportando-se o excedente produzido diretamente para Lisboa.
Isso dava uma posição privilegiada ao Espírito Santo, tanto que, ainda nos primórdios da colonização, estabeleceu-se, em 1550, um triângulo comercial entre Vitória-Portugal-Angola e criou-se a Alfândega da Capitania.
Entretanto, esse florescimento econômico teve duração efêmera. Ainda no início da segunda metade do século XVI paralisaram-se os engenhos e suprimiu-se a navegação direta à Metrópole.
A incapacidade em conter os frequentes ataques indígenas, as discórdias constantes entre os colonos e a desorganização do governo refletem a dificuldade de manter a produção capixaba ligada à economia tropical de exportação.
Cedo os capitais, os contingentes populacionais e consequentemente a mão-de-obra e as atenções do mercado acorreram para o Nordeste brasileiro, região melhor situada em relação ao mercado europeu, ao qual se destinava o açúcar atraindo os incentivos da produção.
Portugal, mais interessado nos empreendimentos indianos, deixou a Colônia relegada à sua própria sorte, redundando tal medida em uma seleção natural que permitirá a concentração da produção açucareira na Bahia e em Pernambuco.
Como as únicas perspectivas de desenvolvimento econômico ligavam-se ao setor açucareiro, quando o Brasil já despontava como principal produtor mundial de açúcar, novas tentativas foram realizadas, algumas com relativo sucesso, sem contudo atrair uma expressiva população ou unidades produtivas.
Apesar desse relativo sucesso, o Espírito Santo estava muito distante dos principais produtores. No fim do século XVI a população capixaba de origem europeia atingia somente a 180 pessoas, passando a 500 no século XVII, responsável pelo empreendimento de 6 engenhos de açúcar. Nesse período, dos 118 engenhos existentes no Brasil, 66 localizavam-se em Pernambuco e 36 na Bahia.
Os altos e baixos /da capitania não animaram muito os descendentes de Coutinho que, por autorização régia, negociaram seus direitos, em 1675, ao rico proprietário na Bahia, Francisco Gil de Araújo, por 40 mil cruzados.
O absentismo dos donatários voltou a legar a administração da capitania a capitães-mores que se caracterizaram pela ineficiência, com graves repercussões para a economia local.
Por outro lado, a descoberta de ouro em grandes quantidades nos fins do século XVII, início do XVIII, ao contrário do que seria de esperar, serviu de entrave à prosperidade da capitânia, impedida de explorar seu próprio território para o interior, ante a rigorosa proibição de abertura de estradas que ligassem o litoral do Espírito Santo às Minas Gerais, tanto para evitar o contrabando, como prováveis ataques de estrangeiros à região mineradora.
Desse modo passaria o Espírito Santo o século XVIII, despovoado, transformado em posto militar para a defesa de Minas Gerais, apresentando, consequentemente, um quadro econômico bastante atrofiado.
Enquanto se operavam essas mudanças na administração da Colônia, conforme vimos, a vida produtiva de seus habitantes experimentava grandes dificuldades. Os únicos empresários de sucesso, podemos assim dizer, eram os jesuítas. Estes, administrando o trabalho da grande massa indígena, fundaram 4 fazendas para garantia de sua sobrevivência: criação de gado (Muribeca), fábrica de farinha (Itapoca), engenho de açúcar (Araçatiba) e policultura (Carapina).
Depois da extinção da Companhia de Jesus as consequências se fizeram sentir, principalmente para os indígenas, cuja administração laica não conseguiu conservar as grandes fazendas e os aldeamentos.
Entretanto, nas últimas décadas do século XVIII, o estabelecimento de uma navegação de cabotagem interligando o Espírito Santo ao Rio de Janeiro e Bahia criou novas perspectivas à economia capixaba.
O açúcar continuava o principal produto capixaba de exportação: outros, porém, assumem grande importância na economia da capitânia. Em 1818 só a vila de Vitória "exportou" 4 mil alqueires de arroz beneficiado e o extrativismo de madeira de lei aparecia como excelente perspectiva. O algodão era bastante cultivado, tanto para "exportação" como para sua utilização na indústria artesanal local de produção de tecidos. Cultivavam-se, ainda, outros produtos para a subsistência do capixaba, como o feijão e a mandioca.
Este último, a base alimentar, era produzido principalmente na vila de São Mateus, fora da jurisdição do Espírito Santo, durante o último século do período.
Conforme podemos observar, as atenções dos agricultores voltavam-se igualmente para a produção de cana que alimentava os 60 engenhos de açúcar e as 66 destilarias, existentes em 1820.
2. O café: introdução, desenvolvimento e sua influência na infraestrutura capixaba.
O café, introduzido no Brasil ainda no século XVIII, só ganhará expressão a partir de sua fixação no Rio de Janeiro. Daí estender-se-á como uma "mancha de óleo" pelas províncias circunvizinhas, dinamizando-lhes a economia. Para o Norte, encontrará no Espírito Santo, no século passado, o seu limite ecológico.
Embora as condições topográficas capixabas não oferecessem condições adequadas, outros fatores contribuíram sensivelmente à cafeicultura local. Um destes, a densa cobertura vegetal do Espírito Santo.
Impedido como fora de explorar seu próprio território, o Espírito Santo mantinha-se coberto por um extenso manto florestal virgem e desabitado, oferecendo, consequentemente, ótimas perspectivas ao café, que atingia bons preços no mercado internacional.
Por outro lado, a crise nacional de mão-de-obra, o menor emprego de capital incentivarão a massa de lavradores capixabas a abandonarem a cultura da cana (mais trabalhosa) e as demais culturas tradicionais pela cafeicultura. Surgiu uma verdadeira "febre" de plantar café, ocorrendo em consequência uma alta dos gêneros alimentícios que passaram, alguns, a ser mesmo "importados" de outras províncias.
Iniciou-se uma era de prosperidade para os agricultores capixabas e para a província. Esta, cujas rendas baseavam-se essencialmente na agricultura, começou a registrar seus primeiros superávits orçamentários. As vilas canavieiras, entretanto, que não substituíram a cana pelo café, entraram em franca decadência.
Pela primeira vez a dinâmica econômica agrícola atraiu grandes contingentes populacionais para a região capixaba, através de companhias organizadas de colonização que buscavam na Europa mimares de emigrantes, principalmente italianos e alemães. Muito dos municípios capixabas como Santa Teresa, Santa Leopoldina, Domingos Martins e Rio Novo do Sul têm sua formação histórica intrinsecamente ligada a esse movimento imigratório.
Embora as grandes fazendas de café se localizassem no sul, nos núcleos das colônias cafeeiras vão se concentrar as atenções dos responsáveis pela viação provincial; à proporção que se efetiva a ocupação do solo pelo imigrante simultaneamente ao crescimento da produção cafeeira, viabilizavam-se as estradas para o fluxo contínuo da produção.
Outros setores viários foram possibilitados pelo café. No fim da década de 1860 a navegação, que ainda apresentava-se bastante irregular e imperfeita, sofreu inúmeros incrementos, como a desobstrução dos rios, e realizaram-se numerosos contratos com companhias de navegação, tanto para o local, como de cabotagem e o "porto" de Vitória passou a ser visitado com mais frequência por navios europeus.
Por outro lado, o café, que ia tomando conta do solo capixaba, dilatando a fronteira agrícola, exigia, cada vez mais, transportes rápidos e modernos. Assim, a estrada de ferro, implantada no Brasil desde a década de 1850, alcança o Espírito Santo nos fins do Império com a criação da estrada de ferro que, no porto fluvial de Cachoeiro de Itapemirim, interiorizava-se para os atuais municípios de Castelo e Alegre.
De uma forma geral o café trouxe uma mudança radical à vida capixaba. Da ausência quase total de uma infra-estrutura, chegara a província do Espírito Santo à fase republicana, contando com inúmeras estradas que a cortavam em várias direções, inclusive em pontos importantes para a comunicação com Minas Gerais. A navegação a vapor atingia a quase todos os rios a ela adequados. O Correio Geral, em 1884, possuía 24 agências no Espírito Santo e, desde 1878, Vitória conheceu a iluminação a gás e telégrafo elétrico. A população reduzida, e por isso mesmo um dos fatores de subdesenvolvimento, foi engrossada por fortes contingentes, especialmente de imigrante europeus, em substituição à mão-de-obra escrava, como trabalhadores assalariados e, principalmente, como pequenos proprietários de lotes coloniais, voltados para a produção de café, a vereda de salvação econômica do Espírito Santo.
3. As crises do café e suas consequências.
No cenário geral, entretanto, como no passado, a produção não se apresentava muito diferente. Continuavam as regiões nacionais desenvolvendo-se independentes uma das outras, dedicadas à exportação de matéria-prima tropical, como características de uma economia periférica aos países adiantados. As crises econômicas, que ganham corpo no início da República, refletem a fragilidade da economia brasileira caracterizada pela monocultura cafeeira, cuja super produção tornava a nossa economia sujeita às vicissitudes do mercado internacional do qual dependia.
Essa situação afetava sensivelmente o Espírito Santo. Apesar de algumas tentativas de mudança da base econômica, como no tempo do governo Jerônimo Monteiro, 1908-1912, os cafezais continuaram a crescer, tornando-se responsáveis por todas as crises pelas quais passou o Estado.
A monocultura, entretanto, esgotou suas possibilidades. Da safra máxima de 1951, 2.034.500 sacas de café, a seca, a "broca" e a "ferrugem" derrubaram a produtividade a menos de 750.000 sacas, quando então se resolveu transformar radicalmente a agricultura do Estado.
O Plano de Erradicação de Cafezais Improdutivos atingiu em cheio a economia estadual. A partir de 1965/1967 erradicaram-se, da noite para o dia, cerca de 180 milhões de cafezais, desempregando mais ou menos 60 mil trabalhadores diretamente e refletindo sobre um contingente de dependentes por volta de 200 mil pessoas.
Os aproximadamente 150.000 hectares liberados pelo IBC-GERCA para erradicação de cafezais considerados improdutivos, visando à imperativa necessidade da diversificação da base agrícola, foram ocupados em maior escala pela pecuária bovina e em menor por culturas temporárias. Consequentemente, a liberação da mão-de-obra, que se encontrava nas lavouras de café erradicadas, influenciou fortemente o movimento migratório verificado durante o período.
O êxodo rural, então desencadeado, formará um quadro de colapso nas estruturas tradicionais, acentuando o desequilíbrio regional. Atualmente, a participação da agricultura no desenvolvimento econômico do Estado se pode considerar muito baixa. Entretanto, analisando sob o aspecto da utilização da mão-de-obra, a agricultura assume importância evidente: 36,5% da produção economicamente ativa localiza-se no setor agrícola.
Nesse contexto, inúmeras culturas assumem um papel de destaque como café, mandioca, cacau, milho, banana, feijão, arroz, tomate, cana-de-açúcar, laranja e pimenta-do-reino, fruto do esforço para traçar os novos caminhos para a agricultura capixaba, que necessita recuperar o espaço perdido nas últimas décadas, em que cresceu a demanda de produtos agrícolas.
O Espírito Santo sempre foi uma região eminentemente agrícola. Desde o início da colonização a agricultura esteve presente como a grande perspectiva econômica. Entrementes, o rumo tomado pela nossa formação levou o Estado a desempenhar seguidamente um papel secundário no plano nacional, na medida em que se ligou tardiamente à atividade de exportação, predominante no modelo brasileiro.
O café, responsável por essa ligação, vai organizar espaço capixaba, diminuindo a fragmentação populacional e o vazio demográfico que caracterizavam o interior, criando ainda, uma infraestrutura mínima e um processo de urbanização; mas, também a problemática da monocultura e superprodução, cujas consequências persistem até hoje, necessitando urgentemente um desempenho melhor desse setor, tão importante para a vida capixaba.
MAN: Mensário do Arquivo Nacional. (RJ)
Ano XII, nº 5 — 1981.
Fonte: Notícias do Espírito Santo, Livraria Editora Catedra, Rio de Janeiro - 1989
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2021
É difícil reconstituir os primeiros passos da cafeicultura no Espírito Santo
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