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O reinado do café - Os burros carregaram o estado nas costas

Tropa carregada de mercadorias passa pela ponte, em Afonso Cláudio - Foto: APEES

As tropas de burros tiveram uma importância fundamental no transporte do café e de outras mercadorias no território capixaba. No livro Por Serras e Vales do Espírito Santo, em que resgata o tempo dos tropeiros, o capixaba Ormando Moraes afirma que o auge das tropas foi nos anos 20 deste século, quando cerca de 1.000 burros cargueiros passavam a cada dia por algumas cidades-chave como Santa Leopoldina, Castelo e Afonso Cláudio. No lombo de cada animal iam até 120 quilos.

Em Santa Leopoldina, por exemplo, os burros deixaram o café de Afonso Cláudio, Santa Teresa, Colatina e Baixo Guandu. Também vinha muita produção de Minas. Tudo baixava nas canoas que faziam o transporte para Vitória. No retorno para as regiões de origem, as tropas levaram diversas mercadorias para comerciantes ou fazendeiros. Podia ser apenas sal, mas entre as encomendas havia produtos da Europa.

Os tropeiros podiam ser empregados de grandes fazendeiros ou de comerciantes, mas era comum a figura do tropeiro-empresário, que comprava o café e outros produtos nos sítios para vendê-los adiante, a quem pagasse mais. Na viagem de retorno, ele adquiria as mercadorias que, sabia, tinham demanda na sua rota. Outra figura comum era a do tropeiro-transportador, que ia recolhendo encomendas pelo caminho. Vivia de frete.

Pelo levantamento de Ormando Moraes, é fácil concluir que a atividade dos tropeiros cumpria um papel importante na vida das cidades do interior. Enquanto os carros de bois transportavam cargas nas regiões mais planas, os burros varavam as montanhas para colocar a produção agrícola nos portos em que os rios se tornavam navegáveis ou nas estações ferroviárias, de onde os produtos escoavam sem problemas.

Tudo indica que as tropas tiveram cerca de um século entre sua ascensão, plenitude e queda. Elas surgiram em grande quantidade com o café, no século passado. A preciosa memória estatística do Espírito Santo feita em 1828 pelo presidente da província, Ignácio Acioli de Vasconcelos, indica que no ano de 1827 havia apenas 100 muares e 1.060 equinos, o que demonstra a pouca importância das tropas no território, nessa época.

Admitindo que cresceram a partir de 1840, as tropas acompanharam a trajetória do café em sua penetração no território capixaba, fizeram intercâmbio com a navegação fluvial e se tornaram tributárias no transporte ferroviário, perdendo espaço quando surgiram os caminhões, na década de 20, até desaparecer quase completamente, nos anos 40. Mesmo em estrada ruim, um caminhão fazia em uma hora o que o burro fazia num dia: 20 a 25 quilômetros.

 Nas primeiras décadas deste século, quando cumpriram seu mais destacado papel na vida econômica do Espírito Santo, as tropas de burros ajudaram a construir muitas fortunas do Estado. Famílias como Dadalto, Cola, Tristão e Vivacqua tiveram sua prosperidade inicial ligada aos trabalhos das tropas cargueiras.

As tropas foram tão importantes que abriram espaço até na política. No início do século, o sucesso do progressista presidente Jerônimo Monteiro foi Marcondes Alves de Souza, um mineiro que, antes de se tornar fazendeiro na região de Cachoeiro de Itapemirim, explorava o transporte por mulas entre o Espírito Santo e Minas Gerais.

 

Fonte: O reinado do café, A Gazeta 31/08/1992
Pesquisa e textos: Geraldo Hasse, Linda Kogure e Abmir Aljeus
Fotos: Valter Monteiro e Tadeu Bianconi
Concepção gráfica: Sebastião Vargas
Ilustração: Pater
Edição: Orlando Eller
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2016

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