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O reinado do café - Cachoeiro, a ‘capital secreta’ do mundo

Cachoeiro de Itapemirim

Enquanto durou a fase da cana-de-açúcar, ela nunca passou de um povoado perdido à beira do rio Itapemirim, onde os viajantes descansavam e os burros recuperavam as forças gastas no itinerário Itapemirim — Castelo. Com a expansão da cafeicultura, o pequeno Cachoeiro cresceu tanto que se tornou o município mais rico do Espírito Santo.

O início da transformação deu-se na década de 50 do Século XIX. Até então, as terras de Cachoeiro faziam parte do patrimônio do português Manoel José Esteves de Lima, que desceu de Mariana, MG. em 1820, para abrir fazendas no Sul do Espírito Santo. Em 1825, à beira do rio, junto à cachoeira, não havia nada além de um quartel com a missão de proteger os viajantes dos ataques dos índios botocudos. Em 1846 surgia a primeira casa da futura cidade de Cachoeiro de Itapemirim.

A partir da criação da freguesia de Nossa Senhora do Cachoeiro de Itapemirim, em 1856, o lugar cresceu sem parar. Em 1864, foi transformada em vila. Um levantamento realizado em 1867 indicou a existência de três mil habitantes. Desde 1866, a cidadezinha tinha o seu jornal, O Itaibira. Em 1876, o povo do lugar viu pela primeira vez um barco a vapor tocar no trapiche de Cachoeiro.

Sensação

Era o progresso que chegava, anunciando que naquele pedacinho de chão, encravado num vale perdido do Sul do Espírito Santo, o café geraria uma sociedade opulenta e progressista, capaz de criar na alma dos seus habitantes a sensação de viverem na própria capital do mundo. Um capital tanto mais valiosa pelo fato de ser uma descoberta particular, uma curtição secreta dos venturosos cachoeirenses.

O extraordinário orgulho dos cachoeirenses por sua cidade, um sentimento que nasceu no tempo da expansão cafeeira, foi alimentado por uma sucessão de acontecimentos pioneiros e marcantes. Em 1887, foi inaugurada a primeira ferrovia capixaba. A Estrada de Ferro Caravelas, ligando Cachoeiro, Castelo e Reeve, num total de 71 quilômetros, começava a funcionar no mesmo ano em que a vila — a cidade ainda era uma vila! — descortinava a vida noturna, graças ao serviço de iluminação pública por lampiões de querosene.

Isso não era nada. Ainda em 1887, Cachoeiro abriu ao público uma ponte sobre o rio Itapemirim. Toda de metal importado da Alemanha. Quem financiava todo esse progresso era o café. Um levantamento feito em 1885 registrou 11 mil trabalhadores na cafeicultura cachoeirense. A riqueza produzida pela região sob influência de Cachoeiro — isto é, praticamente todo o Sul capixaba — representava dois terços da receita do Estado. E assim foi por várias décadas.

Persistência

O café dominava, mas a cana resistia. No ano mágico de 1887, havia na região de Cachoeiro vinte fazendas de cana, com seus respectivos engenhos de açúcar, que contavam com iluminação.

Era tanta demonstração de riqueza, poder e progresso que bastou mudar o regime — de Monarquia para República, em novembro de 1889 — para Cachoeiro deixar de ser vila para se tornar cidade, em dezembro do mesmo ano. Em 1903, ela foi alcançada pela ferrovia Leopoldina, do Rio. Em 1910, acolheu os trens chegados de Vitória pela Estrada de Ferro Sul do ES.

Ainda em 1903, em outro lance pioneiro, Cachoeiro foi a primeira cidade do Espírito Santo a contar com serviço de energia elétrica. Em 1911, Jerônimo Monteiro, um dos vários cachoeirenses a dirigir o Estado, criava, em Cachoeiro, o primeiro distrito industrial do Espírito Santo.

Apesar de andar por muito tempo à frente de Vitória, em vários aspectos, Cachoeiro nunca lutou para ser a capital do Estado. Talvez porque, no intimo, todo cachoeirense sentia-se feliz por saber que morava na capital secreta do mundo, por decisão irrevogável.

 

Fonte: O reinado do café, A Gazeta 31/08/1992
Pesquisa e textos: Geraldo Hasse, Linda Kogure e Abmir Aljeus
Fotos: Valter Monteiro e Tadeu Bianconi
Concepção gráfica: Sebastião Vargas
Ilustração: Pater
Edição: Orlando Eller
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2016

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